quarta-feira, maio 18, 2016

Smile
ou
Give me a kiss to build a dream on




O mar ao fim do dia quando o tempo está limpo e pouca gente por perto é daquelas maravilhas que ninguém deveria morrer sem contemplar.

De vez em quando, alguns sites divulgam os dez ou vinte lugares que toda a gente deve visitar antes de morrer. Gosto de ver pois muitos deles nunca visitarei e não é porque não os ache bonitos mas porque são longínquos e porque, dadas as minhas solicitações do dia a dia ou as familiares, é pouco provável que me disponha alguma vez a ver os vinte cantos do mundo, muitos deles nos antípodas e requerendo certamente um mês para ir, vir e estar em cada um. Mas, enfim, não sei. Às tantas ainda me dá para me tornar numa dessas velhinhas que calcorreiam o mundo montadas naqueles big cruzeiros que agora aportam a Lisboa carregadinhos delas.


Ainda no outro dia, um ex-colega meu que se reformou me contou a limpeza que é correr o mundo assim. Muitas vezes vai de avião para o sítio onde depois apanha o barcalhão, e aí vai ele. Isso não me seduz. Só de pensar que aquilo é capaz de se parecer com um daqueles hoteis monstruosos do sul de Espanha com programas a toda a hora, já me dá vontade de nem tentar averiguar. Mas ele diz que é um descanso. Tem ido a lugares extraordinários, diz ele. Talvez.

Portanto, não vou agora jurar a pés juntos que um dia destes, daqui por unas anos, não me dá para fazer uma lista de lugares a visitar (eu que nunca faço listas seja do que for) e adeusinho até para o ano.

Mas pronto, até lá, vou-me contentando com o que tenho ao pé de mim e hoje foi, de novo, daqueles dias em que vamos mas é andar para a praia. E fomos.


Não sei se é do oxigénio, se é do ar fresco, se é dos últimos raios de sol, se é de que qualquer coisa destas me fazer sentir de férias -- o que sei é que me passa instantaneamente tudo o que ainda tenha sobrado de um dia de trabalho. Sinto-me livre, leve, feliz da vida.

Claro que vou com a minha câmara fotográfica pois parece que os meus olhos não vêem com o mesmo fascínio se não estiverem prontos para ver através da lente.



Não sei bem o que me faz sentir mais livre: se é fotografar, se pintar, se escrever. Se calhar, como não sou muito exigente, tudo me faz sentir bem. Basta-me esta sensação de fazer o que quero, de fazer o que me apetece, de achar que não tenho que dar explicações a ninguém, para já me sentir eu, livre, as células todas à solta.

Houve uma altura em que me deu para pintar galos. Galos de toda a espécie e feitio, coloridos, cheios de brilhos, uma festa. Mostro um pequeno (40*40) que tenho na cozinha por debaixo de um voto de boas vindas. E se me perguntavam a que propósito é que andava a pintar galos, sabia lá eu. Apareciam para serem pintados. E queria cá eu saber se estavam bem ou mal pintados, se eram exagerados, malucos ou extravagantes. Era o que saía.

Outras vezes eram igrejas inundadas por uma luz quente com freirinhas a um canto a rezarem. Divertia-me à brava a pintar aquelas figurinhas a preto e branco ajoelhadas a um canto quando toda a tela estava em amarelos, laranjas, vermelhos, crucifixos cor de bronze banhados por uma luz exuberante. Outras vezes nem posso contar, que a família quase se benzia -- e não é que o motivo fosse religioso.

Mas o melhor mesmo era quando não era nada, talvez apenas cores, rios de fogo, reflexos nem sei de quê, por vezes mulheres nuas mas mal se percebendo, quase só uma fugidia silhueta, incompreensões absolutas.

Uma pessoa tem tendência para, mesmo sem querer, pintar coisas reconhecíveis mas eu queria mesmo evitar isso porque a sensação de liberdade mais absoluta é quando nascem de nós cores e figuras que são só aquilo que está ali.

Quando me punha a fazer tapetes de arraiolos à mão livre, desenhando à medida que ia bordando, era a mesma sensação. Depois saíam cidades coloridas, largos, igrejas, tudo meio sobreposto, inundado de luz, espaços que não se sabe bem o que são.

O bom é a gente não saber o que vai fazer, pensar que, surja o que surgir, o prazer está no fazer. 

Mas voltando ao mar, há mais uma coisa. Ao fim do dia, num dia de semana, a praia está para pouca gente: ou gente solitária que caminha ou olha o mar, ou um ou outro casal apaixonado, ou pescadores isolados, ou cavaleiros das ondas, ou ciclistas que para ali vão pedalar como se não houvesse amanhã. Quem por ali anda ao fim do dia, anda com tempo, pelo prazer de andar, pelo prazer de estar. É que é tão, mas tão, bom.

Não sei, do ponto de vista físico, que efeito têm em mim estas caminhadas à beira mar, ao fim do doa. Se me enfiasse numa máquina que me examinasse de alto a baixo ou me pusessem eléctrodos na cabeça, nas pernas, no peito e braços ou me fizessem análises a tudo e mais alguma coisa, antes e depois, tenho a certeza que, depois, muita coisa haveria de ter mudado para melhor.


E depois já era quase noite - -parte do céu em fogo reflectindo-se na areia molhada, o pescador guardou as suas cestas e canas, pegou na sua bicicleta e tomou o caminho de terra. E eu fiz o mesmo. Não vim a voar mas vinha leve, leve, feliz da vida.


E, depois do smile de que tanto gosto,
That's the time you must keep on trying
Smile, what's the use of crying?
You'll find that life is still worthwhile
If you just smile
só me apetecia trautear 
Give me a kiss to build a dream on
And my imagination will thrive upon that kiss
Sweetheart, I ask no more than this
A kiss to build a dream on


So, kiss me. 
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.



1 comentário:

Rosa Pinto disse...

Concordo plenamente. Uma das coisas melhores da vida...ficar a ver o mar ou até o rio. Se em companhia de quem se gosta melhor.