Ando a escrever uma história e isso é coisa que temo. Já não é a primeira vez. Já aqui escrevi umas quatro ou cinco histórias, nem sei.
Têm sempre mulheres. Depois de acabar, eu continuo com algumas elas ao meu lado (Lídia, Eva, Ana). Claro que também há homens mas parece que nunca são tão fortes como elas (Afonso, Duarte ou Tomás, por exemplo; deste último lembro-me tanto como se fosse uma pessoa de verdade).
Outras vezes comecei a escrever uma mas, a pressão do dia a dia -- nomeadamente alguma revolta a propósito de desmandos laparianos ou coisas quejandas -- fez-me preferir comentar a actualidade; e a descontinuidade introduzida na história fez-me perder a embalagem: fiquei pelo caminho.
De resto, confesso que, quando começo uma história, logo me indisponho comigo mesma.
Não gosto de obrigações para além das que garantem a minha subsistência e o facto de pensar que devo dar continuidade ao que escrevi já me contraria.Sento-me aqui a pensar que, para não me deitar de madrugada, mais valia deitar mãos à obra mas a aversão aos deveres auto-impostos logo me leva para descaminhos: ponho-me a ver vídeos, a ler poemas, a ver outros blogues, a olhar para a televisão -- se eu gostasse da palavra, diria que procrastino; assim não digo, palavra mais difícil de dizer.
Mas o pior nem é isso: é que, fosse eu prudente, só me aventurava nisto quando tivesse já escritos pelo menos um ou dois capítulos para a frente. Mas a prudência é virtude de que nasci desapossada. Portanto, a cada dia em que me dá para escrever, nunca sei o que vai sair. Quando acabo, acho que talvez aquilo que escrevi tenha feito algum sentido. Mas não sei, quando acabo já estou quase a dormir. O que sei é que o espírito dos personagens parece que toma conta de mim e calha acabar de escrever em lágrimas ou tomada pela inquietação. Mas, no dia seguinte, em background, arrasta-se em mim uma inquietação: e agora como dar seguimento à coisa? porque me fui meter por ali sem saber como sair de lá? Não quero que seja absolutamente óbvio, não quero que seja lamechas nem que que seja inverosímil. A cada dia penso, então, atalhar: se calhar podia acabar já assim e cada um que fique a imaginar o que poderia acontecer a seguir. Mas se me aborrece sair de um filme em que parece que a coisa acaba antes do desfecho, que jeito teria eu fazer o mesmo?
Por isso, venço a minha disparatada rebeldia, obrigo-me a entregar os dedos ao teclado e... seja o que for.
Hoje, por exemplo, sinto como que um fervilhar em brando, como que uma aragem a soprar num campo de espigas e papoilas, ou seja (metáforas bucólicas à parte), vontade de ir descobrir o que vai acontecer a seguir à Clara e ao Pedro. Mas, porque publiquei o último episódio apenas este domingo de tarde, não me parece fazer sentido avançar já com outro.
Por isso, se calhar hoje não vai ser. Logo vejo. Mas acho melhor não. E, para além disso, depois de uma noite de amor como a que eles acabaram de viver, o que fazer para não lhes estragar o clima de romance?
Bem. Já vejo.
Bem. Já vejo.
(Estão a ver como isto é chato? Estes dilemas? Não era melhor eu não me meter nestas cavalgadas? Limitar-me a estar sossegada a ver os Globos de Ouro?)
Sei muito bem que não sou escritora. Por vezes, alimento o sonho de que um dia terei tempo para o tentar.
Gostava de ter uma sala grande, quase vazia, com uma mesa de madeira, uma mesa comprida, enorme. Teria livros nas pontas para me deixar um espaço amplo para eu escrever. Talvez tivesse, junto a mim, uma pequena jarra redonda, baixa, com flores frescas. Teria uma aparelhagem pequenina, ao pé dos livros, para poder ir ouvindo música. Teria uma janela grande ou portadas de vidro a dar para um bosque. Se calhar, então, seria uma cabana num bosque. Tenho esta atracção pelos bosques. As árvores, o canto dos pássaros, os cheiros da terra, os seres silenciosos que os habitam.
Quando penso em ter condições para escrever, aquilo em que penso logo é no lugar onde a coisa teria lugar.
Mas, embora nessa sala eu pudesse estar sozinha, não é forçoso que o estivesse. Aliás, na casa não poderia estar sozinha. Não gosto de estar sozinha.
Parece que só depois de ter um ambiente assim é que eu conseguiria que o pensamento e a emoção se alinhassem com as mãos para que as palavras tivessem alguma coisa a dizer. Soa disparatado, eu sei. E soa porque, com certeza, é. Os escritores não devem padecer destes pensamentos absurdos.
Mas não sou escritora. Nem sei se sou escrevinhadora. Sei apenas que gosto de escrever palavras que saem sabe-se lá de onde.
Não percebo como funciono. Não consigo descrever o que se passa comigo quando escrevo. Provavelmente passa-se o mesmo que se passa com toda a gente que escreve. Mas, agora que o escrevi, acho que não: não há 'uma' (única) maneira de escrever. Deve haver quem se ponha a magicar, quem arquitecte o texto todo antes de escrever, quem escreva em papel e depois o passe para computador, quem faça um apanhado de tópicos e os estude para ter a certeza que não comete erros de palmatória. Eu não. Nada. Parece que a minha cabeça só se liga aos meus dedos no preciso instante em que os dedos começam a passear pelo teclado.
Gosto de ler as entrevistas do Paris Review. Claro que não se tira nenhuma conclusão nem é suposto tirá-las. Uns escrevem de pé, outros sentados, uns sofrem, outros gozam, uns lapidam a escrita até luzir como um diamante, outros é como se fizessem pão, vai ao forno e logo se vê como sai.
Eu, se um dia me meter a tentar escrever, não vai ser para sofrer, para mim é bom o que se faz com prazer -- senão não vale a pena.
Tenho este meu lado epicurista: flanar pela vida, olhando a beleza que está por todo o lado, aprendendo com aqueles que me abrem portas para novos mundos, deixar-me emocionar com os afectos, com a superação que vejo noutros, entusiasmar-me com a procura e as conquistas de quem não se aquieta perante a vida. Coisas assim. Por isso, se um dia me der para escrever, terá de ser de maneira a que não me prive do que gosto nem me retire o prazer de, a cada momento, sentir a alegria de continuar a aventurar-me por novos caminhos.
Mas, para concluir, se percebo pouco do que se passa à minha volta, menos ainda percebo o que se passa dentro de mim. Por isso, quando às vezes me sento aqui a escrever e, do nada, me aparecem palavras que falam de gente que não conheço, eu fico sem perceber o que se está a passar nem porque é que, aos poucos, começo a afeiçoar-me às pessoas que invento. E, então, por tudo isto, eu fico sem saber se germina em mim a semente da escrita ou a da loucura.
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No entanto, a bem da verdade vos digo que, para mim, o melhor mesmo é não pensar muito nestas coisas, deixar acontecer. Como camadas que a vida nos vai revelando, deixar que se aproximem de nós as palavras, as ondas de luz e de música, as emoções, os afectos, os inesperados instantes que para nós estão guardados. Vivamos a maravilhosa e surpreendente dança que é a vida. É isso. E chega.
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Nina Simone, lá em cima, interpreta Mr. Bojangles (e o vídeo mostra uns Whirling Dervishes).
Sylvie Guillem, cá em baixo, dança o Bolero de Ravel.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.
Sejam felizes.
3 comentários:
Os murais que aparecem nas imagens foram pintados por UJM?
Não, João, não foram. São graffitis ou bocados de graffitis. Por onde passo, ando a olhar para as paredes (e para o resto). Estas aqui, onde fiz estas fotografias, são junto ao Tejo. A fotografia mais colorida pertence às paredes de armazéns abandonados onde vem um e escreve uma coisa, vem outro e pinta-lhe ao lado, vem outro e pinta outra coisa e, portanto, aquelas paredes (a cair), para mim, são uma maravilha, estão em permanente mutação.
As minhas pinturas no campo não são tão livres, excepto um grande alto canteiro onde pintei cores sobre cores que, com o tempo, vêm adquirindo curiosos matizes. E escrevo poemas. Mas está a dar-me uma bela ideia. Nunca tinha pensado nisso. Graffitis! Como é que nunca me tinha lembrado disso? Boa!
Gracias!
Continue a escrever ao correr da pena, gostamos de a ler, sabe disso.
Desejo que tenha tido uma boa segunda-feira.
Um beijinho
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