quarta-feira, maio 11, 2016

A matemática e seus labirintos
(infinitos labirintos, diria eu)


Não sou boa a fugir às tentações. Já aqui confessei, reconfessei e volto a confessar. Hoje foi outro dia. Ainda cá fora: não entro, não entro, não entro.

Depois, já hesitante: só espreitar, que hoje não tenho tempo. Depois, a dois passos de me dispor a ceder: só espreitar por dentro, só, só espreitar, só mesmo folhear.

Depois, já a querer arranjar desculpa, perante a inevitabilidade: oh pá, que coisa, não acredito... Depois, por uma última vez (última até à próxima, claro), já a relevar a insignificância do pecado: olha, que se lixe.

E de lá saí apressadamente. Diria: contente como uma menina que tivesse descoberto o lencinho queimado. Descobri, descobri. Vou a correr para bater na parede. Já bati. Três vezes. É meu! É meu!

O teorema de Descartes no poema de Frederick Soddy

Beijam-se quatro círculos,
quanto menores mais curvados
(...)

(Les Indes Galantes, Danse des sauvages - Rameau)

A música é uma ciência que deve ter determinadas regras. Estas regras devem ser esboçadas a partir de um princípio que terá de ser evidente, e este princípio não pode ser conhecido sem a matemática. Devo confessar que, apesar de toda a experiência que adquiri durante um longo período, foi apenas com a ajuda da matemática que as minhas ideias se ordenaram e a luz sucedeu a uma certa obscuridade de que antes me não apercebia.
[in Traité de l'harmonie réduite à ses principles naturels, Rameau]


Segundo a teoria de Euler-Bernoulli, a forma de uma haste ou vareta elástica flexível, sujeita a uma carga uniformemente distribuída ao longo do seu comprimento, é descrita por uma quártica. Consta que em relação com o projecto da Torre Eiffel foi pela primeria vez reconhecida a relevância prática desta teoria.
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Malthus em 1798 escreveu Essay on Population segundo o modelo euclidiano. Partiu de dois postulados: o homem requer alimento e o nível de sexualidade permanece constante. O desenvolvimento do crescimento populacional e de alimentos assenta em modelos matemáticos.
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O matemático brasileiro Elon Lages Limafaz uma observação muito interessante. Defende que Luís de Camões, no segundo terceto do soneto: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades', introduz o conceito de segunda derivada.

No mencionado terceto, Camões desenvolve a ideia de que tudo é mutável e fugaz,
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades
Continuamente vemos novidades,
Concluindo deste modo o soneto:
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto
Que não muda já como soía.
A mudança da mudança -- já com novas qualidades, diferentes das costumadas -- é a segunda derivada.

Matematicamente, a primeira derivada é a taxa de variação e a segunda derivada a taxa de variação desta taxa de variação.


Fita de Möbius, Coimbra

Nas Poesias de Álvaro de Campos, o heterónimo de Pessoa apresenta o conceito de fractal, como estrutura que se repete em várias escalas:
...E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra,
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
A fractalidade está também presente na seguinte afirmação do poeta:
... conheço-me inteiramente, e, através de conhecer-me
inteiramente, conheço inteiramente a humanidade toda.
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Isto e muito mais, incluindo referências à pintura, à atracção de Jorge Luis Borges pelo infinito e mais, mais, num livro surpreendente: 

A matemática e seus labirintos de Natália Bebiano Providência, uma edição Gradiva.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.

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2 comentários:

Rosa Pinto disse...

Vírgenes con escuadras
y compases, velando
las celestes pizarras.
Y el ángel de los números,
pensativo, volando,
del 1 al 2, del 2
al 3, del 3 al 4.
Tizas frías y esponjas
rayaban y borraban
la luz de los espacios.
Ni sol, luna, ni estrellas,
ni el repentino verde
del rayo y el relámpago,
ni el aire. Sólo nieblas.
Vírgenes sin escuadras,
sin compases, llorando.
Y en las muertas pizarras,
el ángel de los números,
sin vida, amortajado
sobre el 1 y el 2,
sobre el 3, sobre el 4...

Rafael Alberti - El Angel de los Numeros

Um Jeito Manso disse...

Olá Rosa,

Que poema mais bonito e matemático. A ver se a próxima vez que falar de matemática, não me esqueço de o usar.

Many thanks!

Um grande dia para si, Rosa.