sábado, abril 09, 2016

Capas falsas no metro


Se há coisa que eu gostava era de andar de transportes públicos. Eléctrico, então, adorava. Autocarro e metro, práticos mas não bons para ler. O 15, a deitar por fora, não, nem ler nem nada, um horror, mas, quando dava aulas e ia da faculdade para a escola onde dava aulas e ia de barco (e uma parte de autocarro ou a pé), era uma maravilha. Ou ia com aquela minha colega que dizia palavrão que até fervia, alto e bom som, com forte sotaque alentejano, ou ia sozinha, lendo, descansada.

Quando ia com ela, era uma festa. Já aqui falei dela. Agora estou a lembrar-me de que uma vez andava com um problema qualquer nos intestinos -- acho que foi a única vez que a senti preocupada, sem aquele ânimo desconcertante e superlativo -- e, coisa rara nessa altura (pelo menos para nós que éramos pouco mais do que adolescentes a viver na grande cidade, longe da família, sem qualquer conhecimento de doenças), foi fazer uma colonoscopia.

Eu preocupada com ela e desejando que nos encontrássemos no barco para saber se tinha corrido bem. Sentávamo-nos num banco de duas pessoas ou três pessoas de frente para outro banco idêntico.

A todo o momento, eu dizia-lhe que baixasse o tom de voz porque, alta e forte, a voz saía-lhe na mesma proporção.
Lembrei-me agora de procurar no google pelo nome dela, associando-a ao curso e aparece-me no facebook. Só consigo ver o perfil público mas o nome da cidade que lá aparece nos locais é o mesmo, deve ser ela. As fotografias mostram uma mulher magra com uma jovem ao lado, esta cheinha e morena como ela era na altura. Se ela é a mulher que, em jovem, era igual à jovem que ali está digo que não a reconheceria: está metade do que era, magra, e parece um pouco triste. As gordas têm sempre um ar saudável e alegre.

Na altura era divertida, brejeira, atiradiça, desbocada. Namorava à direita e à esquerda, sempre com paixão, como se acreditasse que ia ser para vida mesmo quando o namorado era já casado e apaixonado pela mulher.

Mas, então, nesse dia atirou-se para o banco do barco, largou as pastas e os dossiers das aulas, e diz: Mas sabes lá tu o que me aconteceu... E eu, Mas então está tudo bem?

E ela, Ó pá, está tudo bem, mas sabes lá a vergonha que eu passei.

Presumo que foi sem anestesia ou sedação mas não afianço pois, como disse, sabíamos lá nós que havia essa possibilidade. Mas não tenho ideia de ela me ter falado que a tinham posto a dormir.

Continuou ela: 'Olha, imagina tu: eu nua, com uma bata, estendida em cima da marquesa, e vem uma gaja e enfia-me um tubo pelo cu acima e, é pá, não sei se me enfiaram gás ou o caraças, só sei que depois o gajo veio conversar comigo ...' E eu, 'Qual gajo?'. E ela, com aquele sotaque alentejano cerrado 'Ó pá, devia ser o médico, sei lá. Só sei é que desatei a peidar-me, sem conseguir fazer nada, com o tubo enfiado no cu, uma vergonha e o gajo, imagina tu, a falar comigo como se não estivesse a ouvir'.


Eu já me ria a bom rir com aquela conversa e as pessoas do banco da frente também. E ela, por uma vez, lastimosa. Depois, quando a conversa já era outra, lembrava-se e interrompia 'Porra, que barraca, eu a peidar-me alarvemente enquanto o gajo falava, porra, ca ganda barraca'.

Não tenho grande hábito de falar assim e, na altura, pedia-lhe que não o fizesse em público. Sobretudo, tinha sempre medo que descobrissem que éramos professoras.

Isto não vem a propósito de nada e apenas me ocorreu ao ver o vídeo abaixo. Um jovem foi para o metro fazer de conta que estava a ler um livro mas as capas eram divertidas, disparatadas e, quem as via, mal continha um sorriso. Uma delas tem a ver com a temática acima relatada.

Ler livros com falsas capas no metro

Subways are a great place to catch up on your reading. But how do people react to book covers that are a little embarrassing, and also pretty hilarious? Watch how people react to comedian Scott Rogowsky “reading” some ridiculous books in public.


...

E agora tenho que ir deitar-me, forçosamente, antes que caia para o lado, tanto o cabeceamento e os bocejos. Sorry.

Se calhar durmo dez minutos e fico pronta para outra mas, agora, tanto o sono, já nem sei a  quantas ando. Por isso, vou ali fechar os olhos durante um bocadinho e talvez já cá volte

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Afinal não voltei, adormeci profundamente e só acordei de manhã.
Por isso volto aqui apenas para vos desejar, meus Caros Leitores, um bom sábado!


1 comentário:

Anónimo disse...

Olá ade-miro a pureza da sua historia parabéns.