terça-feira, fevereiro 02, 2016

Pertencemos a uma espécie de vida breve





Julgo que a nossa espécie não durará muito tempo. Não parece ter o estofo das tartarugas, que continuaram a existir semelhantes a si mesmas ao longo de centenas de milhões de anos, centenas de vezes mais do que a nossa existência. Pertencemos a um género de espécie de vida breve. Os nossos primos já se extinguiram todos.  E nós causamos estragos. As alterações climáticas e ambientais que desencadeámos foram brutais e dificilmente nos pouparão. Para a Terra será uma pequena perturbação irrelevante, mas não me parece que escapemos incólumes; tanto mais que a opinião pública e a política preferem ignorar os perigos que estamos a correr e enfiar a cabeça na areia. Somos talvez a única espécie na Terra ciente da inevitabilidade da nossa morte individual: receio que em breve devamos tornar-nos também a espécie que verá conscientemente chegar o seu próprio fim ou, pelo menos, o fim da própria civilização.


Como soubermos enfrentar, melhor ou pior, a nossa morte individual, assim enfrentaremos o colapso da nossa civilização. Não é muito diferente. E não será por certo a primeira civilização a entrar em colapso. Os Maias e os Cretenses já passaram por isso. Nascemos e morremos como nascem e morrem as estrelas, tanto individual como colectivamente. Esta é a nossa realidade. 


A que terra podemos chamar nossa,
sem que um desafio nos tenha feito medir as forças com ela
até lhe pedir perdão?
Não falo de vencedores, dos que não são de nenhuma terra
e de todas se apropriam.
Não falo da luta com o Anjo:
o Anjo vence-nos sempre
e não precisa de qualquer luta para nos esmagar.
Falo da nossa dívida à terra,
desta consciência brusca de amanhecer um dia
ao mesmo tempo que o mundo




by Banksy (algures perto de Calais)

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Migrantes: 10.000 crianças desaparecidas, diz Europol


(Já para não falar nas que morrem pelo caminho ou dão à costa como conchinhas vazias)

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O texto pertence ao capítulo "A fechar: nós" do livro 'Sete breves lições de física', de Carlo Rovelli.
O primeiro vídeo tem, de Ennio Morricone, On Earth As It Is In Heaven do filme The Mission
O poema é A Nossa Terra de Luís Filipe Castro Mendes in Relâmpago, Revista de Poesia 36/37
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Convido-vos a descerem até ao post seguinte onde se fala da nossa natureza humana e do que nos une às borboletas ou aos pinheiros larícios

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4 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

Tenho gostado muito das transcrições feitas do livro Sete Breves Lições de Física, de Carlo Rovelli. Sou licenciado em engenharia por gosto e tradição familiar, logo sou profissionalmente especializado na aplicação de (algumas) leis da Física para fins práticos, sobretudo as leis do eletromagnetismo. Posso afirmar que estou completamente de acordo com tudo o que a UJM tem transcrito desse livro e fiquei com vontade de o comprar. Este seu blog não deixa de me surpreender pela positiva. Bem haja.

Por outro lado, o título deste post não é correto de um ponto de vista estritamente científico (biológico, neste caso). "Género de espécie" não existe. Nós somos do género Homo e da espécie Homo Sapiens. Bastava-lhe intitular o post "Pertencemos a uma espécie de vida breve". Espero que não leve a mal este reparo a um erro que é de infinitesimal importância face à imensa qualidade do post propriamente dito.

Fernando Ribeiro disse...

Só agora reparei que a expressão "género de espécie" vem no próprio texto do livro que a UJM transcreve. Afinal a culpa não é sua, mas sim do autor ou do tradutor do livro. Peço muita desculpa pelo reparo que fiz no meu comentário anterior, mas continuo a achar que o título do post devia ser mudado para "Pertencemos a uma espécie de vida breve". Desculpe mais uma vez.

Um Jeito Manso disse...

Olá Fernando, bom dia,

Também não me soou bem mas assumi que 'género' aqui quereria dizer 'tipo', 'um tipo de espécie' de vida breve já que outras há de vida longa. Mas concordo que se presta a confusão, soa mal e, por isso, mudei conforme sugeriu.

Muita obrigada, Senhor Engenheiro!

João disse...

Mas é exactamente por não sermos como as tartarugas, por evoluirmos e mudarmos, que temos uma vantagem selectiva. Isto trouxe-nos em 100 ou 200 mil anos de caçadores-colectores (que começaram a inovar e a fazer trocas - como mais nenhuma espécie) até hoje; uma espécie que tem objectos para lá do sistema solar, que desenvolve estratégias para prolongar o seu próprio tempo de vida, que cura doenças, que usa a Ciência para estabelecer um diálogo com a natureza com o fito de a compreender, que fala de amor e do belo ... que tem consciência, como, aliás, outros primatas não humanos e, até, outros mamíferos parecem ter (e como nós somos parte do Universo, podemos concluir que é o Universo a ter consciência de si próprio).
Tudo leva a crer que não seremos uma espécie de vida breve. Quer dizer, oxalá nenhum demente possa lançar para aí umas bombas H ou uns vírus, bactérias ou gases mortais.