segunda-feira, fevereiro 22, 2016

Casas, casinhas, casas que já foram casas, casarões, reinvenções - entre Cascais e as Azenhas do Mar, passando por Colares


Já vos dei conta, nos dois posts abaixo, do meu feliz passeio pelos lugares a ocidente, lugares banhados por um mar bravio e, na altura, também pelo sol. 

A localidade das Azenhas do Mar, um lugar extraordinário


Eu estava com vontade de ir. Há pouco tempo, por razões profissionais, tinha estado em Colares e tinha sentido vontade de lá voltar em passeio. A Sintra, à vila, vou com uma certa frequência mas, por razões que não vêm agora ao caso, geralmente também não posso veranear. 

E, portanto, a verdade é que, passear, passear, há algum tempo que não ia para estas bandas. Antes tínhamos o hábito de ir almoçar a S. Pedro e depois dávamos uma volta por lá, pelos jardins, pelas ruas. Também, um dos casamentos mais especiais a que fui teve lugar em Seteais, uma coisa mesmo à maneira, comida de chef e noite com acompanhamento musical de harpa. Aquele ambiente e aquela sonoridade pareciam irreais. E gente principescamente vestida: ministros e ex-ministros, empresários e tutti quanti eram mais que as mães e todos, mas em especial as senhoras, tinham caprichado nas toilettes. Podia ter sido uma maçadoria mas, por acaso, foi muito agradável. Mas, ainda assim, aos hapennings em Seteias prefiro descobrir os recantos e as árvores de Monserrate ou circular entre as salas e saletas, boudoirs e múltiplas divisões da fabulosa casinha de bonecas que parece ser o Palácio da Pena. Quando os meus filhos eram pequenos íamos também visitar o Palácio da Vila, o Castelo dos Mouros, tudo isso. E fizemos pic-nics muito bons pelos meandros da serra, um animado grupo de amigos (cheios de filharada) que percorria lugares diferentes com toalhas sobre a erva e cestas com variado farnel.

Mas, agora que escrevo, estou a lembrar-me de um outro lugar: Odrinhas. Há lá uma estrada cheia de antiquários e lojas de velharias. Trouxe de lá um belo cadeirão de madeira, muito confortável, que tenho na varanda da sala, duas pequenas mesas de madeira trabalhadas, lindas, um busto muito bonito (de que um dos mais pequenos, quando era bebé, gostava muito, gostava de passar a mão pelo busto da sinhôa). Os meus cunhados, que na altura tinham mudado de casa, trouxeram de lá várias peças. Estou a lembrar-me, em especial, de uma elegante mesa para quatro pessoas, com tampo de palhinha e vidro por cima. Ando com vontade de lá voltar, não tanto para comprar o que quer que seja, mas para rever, é uma terra curiosa.

Este sábado, quando estávamos a pensar ir para aquelas bandas, fazer o percurso entre Cascais e Azenhas do Mar, parando pelos entremeios, o meu marido temia: 'Não haverá muita gente? Isso deve ser um bocado o passeio dos tristes'.

Mas quais tristes? É lá possível a tristeza em lugares talmente abençoados?

E não: pouca gente -- com excepção do Cabo da Roca (pejado, em especial de excursões de asiáticos desaustinados a fotografarem-se uns aos outros ou a si próprios com aqueles paus de selfie) e, também alguma gente, mas nada por aí além, na Boca do Inferno. De resto, um passeio muito bonito, lugares com uma vista de cortar a respiração.


Uma das coisas que, por estas bandas, é bonita de ver são as casas. Não tirei tantas fotografias quanto queria já que, indo de carro, não dá para parar onde se quer.
Mesmo assim o meu marido passa-se porque estou sempre a querer que ele pare (e, depois, quando, contrariado, lá consegue parar, já não tenho vista para o que queria e, aí, passo-me eu com ele). Mas, enfim, isto é um número que dura há mil anos e, milagre!, nunca causou mossa. Continuamos a adorar passear.
Mas, continuando: fotografei sobretudo casas mais tradicionais, não as casas mais 'normais' ou mais modernas, algumas notoriamente 'de autor'.


Há quem diga de Raul Lino: ah, é o tal da 'casa portuguesa', das 'casinhas bonitinhas', o chamado 'arquitecto do regime', referindo-se à estima que o Estado Novo demonstrou pelo seu trabalho. Pronto, cola-se uma etiqueta a alguém e vá lá ver-se para além disso.

No entanto, a verdade é que as suas moradias familiares são características e pode facilmente aplicar-se-lhes o petit nom de 'casinha'. Mas quem tem casas assim e as trata com carinho, dirá, certamente, com naturalidade e amor: 'a minha casinha'. E não vejo que isto possa ser visto de forma depreciativa pois a ternura que se sente por uma casa como sendo parte de nós é algo de muito aconchegante para a alma e isso é, para mim, um sentimento grande (sem diminutivo).


Aliás, enternece-me ver as casas assim, em que há uma evidente entrega na forma como se arranjam os jardins, se emolduram os caminhos com vasinhos, e, olhando-as, facilmente se imaginam os donos, cuidadosos, regando as flores, aparando as sebes, levando lenha para a lareira, orgulhosos pela sua obra, e os filhos e netos a chegarem, alegres, para almoços familiares.


Por outro lado, olho com alguma compaixão para as casas que se imagina que, em seu tempo, foram amadas, que fizeram as delícias dos seus donos e que agora, fruto das mais variadas circunstâncias, se encontram à mercê do tempo. Observo sempre com muito carinho casas assim, parece-me guardarem ainda os sorrisos de outros tempos.

Nunca vivi numa casa feita de novo. Pelo contrário, são as casas com vida lá dentro, com histórias, que me atraem. Tenho para mim que as casas conservam parte da vida de quem lá vive e que se tornam sábias com o tempo (embora, sabido é, com a sabedoria da idade chegam também os achaques do corpo -- mas, enfim, esses vão-se remediando).


E, como ontem referi num comentário, se antes olhava as casas abandonadas, erodidas e decadentes, apenas com pena, como se carregassem em si o peso da destruição que o tempo -- essa inclemente figura -- a tudo inflige, agora olho-as sobretudo com admiração: são a prova viva de que as casas resistem para além do tempo, para além daqueles que lá viveram. Parecem-me quase estóicas, conservando memórias, símbolos de um tempo, recordações ainda vivas, muito belas.

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E não quero ainda deixar de aqui mostrar o curioso edifício da Escola Oficial das Azenhas. Acompanha o declive do terreno, abraça elegantemente as ruas e tem umas proporções harmoniosas e uns azulejos bonitos.

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E, afastando-me um pouco deste tipo de arquitectura e de regresso à capital, via Cascais, não deixei de fotografar o belo Palácio dos Condes de Castro Guimarães que, de um lado, pousa sobre a praia e, do outro, assenta em solo urbano. Nele se abriga agora o Museu do mesmo nome. Transcrevo da wikipedia:
Trata-se de um palácio em estilo revivalista, instalado numa pequena enseada. Aquando das marés altas, a base do edifício é tocada pelas ondas. O seu estilo conjuga o Romantismo - em voga à época - com uma aparência de château medieval, que culmina com a grande torre. Encontra-se rodeado de um interessante jardim.
O edifício tem elementos de origem irlandesa, como os trevos presentes na porta de ferro forjado e na pintura do teto da Sala dos Trevos, a sala de entrada do museu, e o brasão de armas de Jorge O'Neill e dos seus antepassados, pintados no teto do torreão.

E, para terminar, abaixo, um dos emblemáticos edifícios de Cascais: o Palacete Seixas, onde funciona a Messe da Marinha.

Transcrevo:
A família Aires de Ornelas constrói nos terraplenos do Forte de Santa Catarina a sua residência, que se manteve até que Henrique Maufroy de Seixas cerca de 1920 adquiriu a prioridade aos herdeiros Ornelas e constrói o Palacete Seixas, cujos trabalhos terminaram em 1932.  
O antigo Forte de Santa Catarina, depois Residência Ornelas e finalmente Palacete Seixas, é hoje propriedade da Marinha, “Messe de Cascais”, por legado testamentário de Henrique Maufroy de Seixas.

E depois, o olhar já repousado e a alma cheia, anoiteceu de vez -- 
e fomos à nossa vida que já se fazia tarde.

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Já agora, para quem não viu o documentário abaixo e não tem ideia da vida e obra de Raul Lino, partilho um vídeo longo mas interessante. 

Conheci um seu genro que me falava muito dele, criando em mim curiosidade por conhecer um pouco mais de perto este relevante arquitecto português. Por isso, na altura, vi com gosto o filme que agora aqui vos deixo e em cujo texto de apresentação se diz:
«Viveu quase 95 anos. Projectou 700 habitações. Deixou um espólio de mais de 2000 documentos. Foi arquitecto, aguarelista, decorador, cenógrafo, desenhador, figurinista, escritor, articulista de jornais. Considerava-se um homem livre, como um cipreste.»

Raúl Lino - Livre como o cipreste


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Lá em cima A minha casinha era interpretada pela Milú (coisa já lá vai para cima de 70 anos).

Para os que preferem outra batida, deixo aqui a versão Xutos & Pontapés 
(numa gravação que, assim como assim, também já tem quase 30 anos; bolas, estarei a ficar velha?)

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E, caso vos apeteça continuar a passear por estes lugares, deslizem, por favor, pelos dois posts já a seguir, um em que mostro como os enamorados se sentem atraídos pela beleza destes locais e outro em que me deixo levar pela inspiração ao som de Quem és tu, outra vez?, música que faz parte do CD do Jorge Palma e Sérgio Godinho que a minha filha ofereceu ao pai e que fomos ouvindo enquanto passeávamos.
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E desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.

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1 comentário:

P. disse...

Colares é muito bonito! Muitas destas imagens que aqui nos mostra conheço por passear por aqui tantas vezes. Almoçageme, por exemplo, também vale a pena visitar e a sua feirinha semanal. Quanto a S. Pedro de Sintra, uma ida ao "Cantinho de S. Pedro", um restaurante muito agradável, de gente simpática, merece a pena. Olhe que fez um belo passeio, pode crer! Cascais, boca do Inferno, o Guincho, Azóia, Colares, Sintra, Azenhas, só faltou, ao que vejo, a Ericeira. Fica para a próxima!
Tenha uma boa noite!
P.Rufino