sexta-feira, janeiro 08, 2016

O cérebro das pessoas criativas é diferente do das outras? Ah, pois é.






Como tenho referido, e ainda ontem aflorei o assunto, desperta-me imenso interesse o conhecimento dos mecanismos mentais que levam à criatividade. Se alguém escreve principescamente, logo eu sinto curiosidade em perceber: A ideia nasce-lhe antes de escrever? Forma-se enquanto escreve? Sai logo assim ou é trabalhada a posteriori?


Com os pintores, então, é um verdadeiro fascínio que tenho: podem dizer as maiores maluqueiras que eu fico presa como se ouvisse a explicação da criação do universo.


Ou com os arquitectos: o que eu gosto de ler livros em que os arquitectos falam das suas obras ou entrevistas em que descrevem as suas ideias...?


Aqueles que mais gosto de ouvir ou ler são os verdadeiramente desordeiros, aqueles a quem as coisas aparecem sabe-se lá de onde, sem intenção, sem explicação, em que há prazer no acto de fazer e desapego depois da coisa feita. Gosto de os ouvir falar dos acasos, da ideia que surge da forma como a luz pousou numa pedra, ou do desenho que a tinta induziu ao espalhar-se na tela, ou do estado de espírito desse dia ou de uma música que se ouviu, ou de uma frase, ou de um sorriso. Ou da curva do corpo de uma mulher que os inspirou a fazer uma ondulação fantástica num edifício do além.


Quando leio ou ouço António Lobo Antunes dizer que sofre muito, que escreve, reescreve, que aquilo é um suplício, fico a achar que, se calhar, é por isso que as coisas nunca lhe saem de jeito.

Percebo que, por vezes ou em algumas áreas, é natural que se faça um plano ou que haja alguma disciplina e que a persistência na eliminação do supérfluo seja fundamental. Mas ou bem que a coisa corre com fluidez, com a alegria de quem é quase só um veículo para que o que nasce do ar se deponha na matéria ou, se é para sofrer, então, digo eu, talvez não valha a pena.


Nos testes que tenho feito ou a que me tenho sujeitado no decurso da minha vida profissional, apareço como um misto de racionalidade assertiva e de criatividade apaixonada. Sou também classificada como uma early adopter, ou seja, uma daquelas pessoas que é escolhida para fazer parte dos grupos que testam as provas de conceito, que aderem quase instantaneamente a projectos que contenham mudança ou que são bons catequisadores relativamente a coisas novas, mesmo sem as terem experimentado exaustivamente.

Gosto de pintar, gosto de fotografar, gosto de escrever. Por preguiça ou ideologia não gosto de aprender técnicas em relação a nada disto pois quero estar livre para descobrir, experimentar, fazer mal, fazer o que me apetece. Não será muito católico da minha parte assumir isto mas é a verdade. A liberdade é-me fundamental e, neste tipo de coisas, a liberdade de poder nascer todos os dias e fazer as coisas pela primeira vez parece-me indispensável.


Na cozinha é a mesma coisa. Ontem fiz um prato diferente, aproveitando uma massa quebrada pré-feita (que comprei para o Ano Novo e não cheguei a usar), lombo de salmão, etc. Fechei-a como uma trouxa. Ficou boa, comemos apenas com acompanhamento de salada. E, enquanto a comíamos, já eu estava a imaginar como faria da próxima vez: pincelaria a base de massa com azeite, cobriria com queijo de barrar, colocaria maçã aos cubinhos pequenos, faria à parte uma pasta de queijo, ovos, lombo de salmão cortado aos bocados, talvez até gambas descascadas, cortadas também aos bocados; depois espalharia sobre o queijo com os pedacinhos da maçã. Fecharia a trouxa e levaria ao forno. No fim, o usual: mel e sementes.

O meu marido disse: os cozinheiros pensam, ensaiam e só depois é que fazem para servir, enquanto tu, se fizesses para ensaiar, quando fosses fazer a sério já não eras capaz de fazer igual. Reconheço que é verdade. Se fiz e saíu bem, já me apetece é passar para a próxima invenção. Se tenho que fazer um prato clássico, logo os meus filhos me estão a implorar que veja a receita e a siga à risca, com receio que as minhas invenções adulterem a 'mística' da receita original. Percebo-os e sei que eles têm razão: eu sou mesmo assim. Não apenas não tenho medo de arriscar (sinto-me especialmente motivada para inventar receitas quando é para servir a muita gente) como o que me dá prazer é fazer diferente.

Mas, como é bom de ver, não sou artista de nenhuma especialidade, sou apenas uma curiosa. Curiosa e descarada.


Vem esta conversa toda a propósito de um artigo muito interessante (que, daqui para a frente, vou usar como base, traduzindo livremente e tentando transmitir a ideia num mínimo de parágrafos).

Aí diz-se que o cérebro das pessoas criativas é diferente do das não-criativas -- nem é uma questão de QI elevado, é outra coisa: é a sua capacidade em gerar emoções contraditórias.


As pessoas criativas preferem a complexidade e a ambiguidade à simplicidade. A sua tolerância à desordem é elevada assim como a sua capacidade de extrair ordem do caos. Têm um espírito independente e inconformista e a sua vontade de correr riscos é mais elevada do que da média das pessoas.


Barron (o psicólogo e investigador que, nos anos 60, fez uma experiência reunindo alguns dos cérebros mais brilhantes da altura para perceber o que tinham em comum, Truman Capote incluído) resume: Os génios criativos são mais instintivos e mais cultos, mais destruidores e mais construtores, por vezes mais loucos mas também declaradamente mais sãos que as outras pessoas. Isto pode parecer paradoxal. Mas o que se depreende das observações de Barron é que os criativos são agitados por forças contraditórias que coabitam, seja alternada seja simultaneamente.

As pessoas que inventam coisas também são dadas à introspecção, o que as leva a conhecerem-se melhor a elas próprias. Estão, portanto, também à vontade com as suas zonas de sombra. "Dialogam com o espectro inteiro da vida - tão bem com as zonas de sombra como com as luminosas.", "São uma síntese de comportamentos sãos e patológicos". Estas contradições dão a estas personalidades atípicas uma pulsão criadora.


O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, que passou 30 anos a estudar personalidades criativas, diz que 'se fosse preciso exprimir uma palavra o que torna estes indivíduos únicos, diria que é a sua complexidade. Em vez de serem um indivíduo, são uma multidão'.

Do ponto de vista neurológico o que se pode dizer é que também há diferenças.

Contrary to the “right-brain” myth, creativity doesn’t just involve a single brain region or even a single side of the brain. Instead, the creative process draws on the whole brain. It’s a dynamic interplay of many different brain regions, emotions, and our unconscious and conscious processing systems. 
The brain’s default mode network, or as we like to call it, the “imagination network,” is particularly important for creativity. The default mode network, first identified by neurologist Marcus Raichle in 2001, engages many regions on the medial (inside) surface of the brain in the frontal, parietal and temporal lobes. 
We spend as much as half our mental lives using this network. It appears to be most active when we’re engaged in what researchers call “self-generated cognition”: daydreaming, ruminating, or otherwise letting our minds wander. 
Creative people are able to juggle contradictory modes of thought — cognitive and emotional, deliberate and spontaneous.


Os cérebros criativos são verdadeiros interruptores. Eles ligam ou desligam um ou outro dos circuitos com maior facilidade. Mudando de modo, as pessoas criativas fazem malabarismos com as contradições, entre o emocional e o racional, entre o reflectido e o espontâneo. Têm acesso a uma palete de nuances que não está, de todo, disponível para a maioria das pessoas.

Isto dizem os estudiosos. E eu acredito. E dizem muito mais mas, da minha parte, por aqui me fico.

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A sério que gostava de continuar a falar do estudo ou de continuar para aqui a divagar e a intercalar vídeos e imagens (da autoria de Sandrine Estrade Boulet) mas é tarde, tenho-me deitado tarde, ando com sono. Contudo, para quem, como eu, é maluquinho por estas coisas do cérebro humano fica a sugestão de que siga os links que deixei ao longo do texto.

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E agora, se me permitem, desçam para saber como, no debate desta quinta-feira, ao comentador Marcelo saltou o verniz com o nervoso de ter adversário (Sampaio da Nóvoa), onde ele queria ter era um caminho limpinho só para ele -- e com passadeira vermelha e câmaras à sua espera.

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1 comentário:

Rosa Pinto disse...

Tão bom!!!!