Enquanto jantava, estive a ouvir a parte final da entrevista de António Costa na RTP. Depois ouvi o Ângelo Correia e uns senhores militares, e, já aqui na sala, ouvi Adriano Moreira. E sentei-me ao computador com vontade de falar nisso: na situação portuguesa e na situação europeia. Mas, antes de me entregar à escrita, resolvi ler as notícias. Contudo, quando dei por mim, não estava a ler notícias nenhumas: tinha derivado e estava a ouvir poesia e a passear-me por lugares onde a minha mente facilmente voa para outras paisagens.
Acho que a minha cabeça precisa de algum descanso.
Desde sábado que, por motivos familiares, tenho vivido momentos difíceis com hospitais à mistura, nervosismos, noites mal dormidas, o temor de um telefonema com uma notícia má -- essas coisas que, quem já passou por elas, perceberá.
Claro que, como sempre quando tenho um problema, combato os medos com um desvio mental que me faça suportar melhor a situação e, aqui, no Um Jeito Manso, não toco no assunto. Hoje, como, felizmente, parece que o que quase parecia quase irreversível, numa fantástica reviravolta, se afigura como praticamente ultrapassado, já aqui consigo falar nisto - embora pela rama, que não gosto de me alongar falando do que me preocupa.
Claro que, como sempre quando tenho um problema, combato os medos com um desvio mental que me faça suportar melhor a situação e, aqui, no Um Jeito Manso, não toco no assunto. Hoje, como, felizmente, parece que o que quase parecia quase irreversível, numa fantástica reviravolta, se afigura como praticamente ultrapassado, já aqui consigo falar nisto - embora pela rama, que não gosto de me alongar falando do que me preocupa.
E, portanto, não falou falar em nada disso: com vossa licença, hoje não apenas não falo de doenças nem, muito menos, de terrorismo, de guerra, da indústria de armamento que ganha sempre, seja do lado dos 'bons', seja do lado dos 'maus', do petróleo que financia a guerra, nem de políticas, economias, comentadores, televisões. Não me apetece. Ou melhor, não consigo. Preciso mesmo de me posicionar num outro comprimento de onda.
Vou falar de felicidade - apesar de achar que me arrisco a passar por poucachinha ao falar de banalidades num tempo tão carregado de perigos.
Pois, seja. Mas, por um lado, hoje a minha cabeça não dá para mais e, depois, de facto, acho que a felicidade não é um tema banal.
O que queremos da vida senão sermos felizes? Sermos felizes, nós; serem felizes, os que nos são queridos.
Os indicadores revelam que a Dinamarca é o país mais feliz do mundo. E, quando se vai saber porquê, para além de indicadores económicos, sociais ou culturais, há, antes de mais (ou em cima disso? - não sei), uma atitude perante a vida.
Em que consiste, então, o hygge?
Os exemplos são simples. Estar numa esplanada a ler ou a conversar na companhia de alguém que nos é agradável, estar à lareira, a ouvir o crepitar do fogo e a beber um chá ou um café ao pé de alguém que é, para nós, uma boa companhia, estar com amigos, fazer uma almoçarada ou uma jantarada, todos alegres em volta da mesa. Coisas assim. Saber apreciar o bem estar que vem das coisas simples e boas.
Já havia, em língua inglesa, uma palavra para uma coisa parecida com isto: cocooning. Só que o cocooning pode aplicar-se a estar-se sozinho, espreguiçado no sofá, a ver uma boa série na televisão, ou a cenas dessas em que a pessoa está numa boa mas, frequentemente, sozinha.
O hygge diferencia-se por se aplicar a esse conceito de aconchego ou bem estar mas com companhia.
Fico agradada ao saber disto pois é essa exactamente a minha atitude perante a vida.
Valorizo, até mais não poder, o prazer das coisas simples. Tudo me agrada, tudo me enternece, tudo me emociona, tudo me alegra, tudo me apaixona, tudo me entusiasma. Mais do que uma atitude racional, é, em mim, uma decorrência da minha natureza. Acho que tenho sorte por ser assim.
Por exemplo, no domingo, por causa das andanças acima referidas, só consegui almoçar depois das quatro da tarde. Almoçámos (ou melhor, petiscámos) numa esplanada, ao sol, depois passeámos à beira mar, vimos um magnífico pôr de sol sobre as águas suavemente ondulantes.
E eu, apesar do peso que carregava no coração, senti-me tão bem ali. E depois, já tinha anoitecido, fui levar a casa do meu filho uma mantinha de lã, em crochet, feita pela minha mãe para a bisneta. E eles estavam a fazer pão e um bolo e a casa cheirava bem, e o ambiente era de uma paz tão boa, a minha menininha ajudando a mãe, o mais pequeno a dormir em cima de um grande puff, tapado por uma mantinha, e tudo ali tão acolhedor e feliz, e depois estive a ver a tijoleira que puseram na varanda e que está tão bonita e eles tão contentes com os melhoramentos que, aos poucos, vão trazendo à sua casa. E, no dia anterior, tinha estado com os outros meninos e com a minha filha, todos numa animação, e os meninos tão espertos, tão divertidos, brincalhões, irreverentes. E todos tão queridos, tudo boa gente, boa onda.
E depois, à noite, cá em casa, deitei-me no sofá a ler e, cansada que estava, adormeci mas soube-me tão bem adormecer, a sala acolhedora e eu em paz, tentando aceitar tudo o que me acontece (mas desejando que o que um dia terá inevitavelmente que acontecer não acontecesse ainda).
Hoje, quando cheguei, já de noite, ainda fui fazer a minha caminhada. Como a minha companhia já estava quase a terminar a sua mas se dispôs a acompanhar-me, fiz apenas uma mini-caminhada, pouco mais de meia-hora. Mas soube-me tão bem, já aliviada - face às boas notícias -, e por ali fui, conversando, rindo, contando proezas, ouvindo outras, descansados, tranquilos.
Escrevo isto e penso cá para mim: 'e não pensas tu, ó sua maria-desmiolada, nos que estão debaixo de fogo, sob perseguições, arriscando a vida?'. Penso. E penso com pesar. E penso na sorte que tenho. Mas também sei que há momentos em que uma pessoa tem que se resignar à sua triste condição de pequena partícula de coisa nenhuma. Haverá alturas em que nos sentimos capazes de tudo, de lutar por todas as causas, de mudar o mundo. Mas outras há em que não dá para mais do que isto.
E, afinal, se a felicidade passa também por partilhar os momentos bons, porque não falar aqui convosco destas pequenas coisas de nada, insignificâncias à toa, mas de que gosto de falar? Quem sabe, se lendo estas minhas palavras, vocês, meus Caros Leitores, não se sentem também bem, aquele bem pequenino e bom que nos faz sentir acompanhados e felizes? Gostava que isso acontecesse. Gostava que gostassem de estar aqui comigo.
Os indicadores revelam que a Dinamarca é o país mais feliz do mundo. E, quando se vai saber porquê, para além de indicadores económicos, sociais ou culturais, há, antes de mais (ou em cima disso? - não sei), uma atitude perante a vida.
Quando se investiga qual o segredo descobre-se que, afinal, o segredo é o mais simples possível: sentir o prazer das pequenas coisas e vivê-lo na companhia de quem se gosta. A esta atitude perante a vida chamam hygge. (Hygge, fiquei eu a saber quando estava a ler a palavra à inglesa, lê-se, afinal, qualquer coisa como hiuga)
Em que consiste, então, o hygge?
Os exemplos são simples. Estar numa esplanada a ler ou a conversar na companhia de alguém que nos é agradável, estar à lareira, a ouvir o crepitar do fogo e a beber um chá ou um café ao pé de alguém que é, para nós, uma boa companhia, estar com amigos, fazer uma almoçarada ou uma jantarada, todos alegres em volta da mesa. Coisas assim. Saber apreciar o bem estar que vem das coisas simples e boas.
Já havia, em língua inglesa, uma palavra para uma coisa parecida com isto: cocooning. Só que o cocooning pode aplicar-se a estar-se sozinho, espreguiçado no sofá, a ver uma boa série na televisão, ou a cenas dessas em que a pessoa está numa boa mas, frequentemente, sozinha.
O hygge diferencia-se por se aplicar a esse conceito de aconchego ou bem estar mas com companhia.
Fico agradada ao saber disto pois é essa exactamente a minha atitude perante a vida.
Valorizo, até mais não poder, o prazer das coisas simples. Tudo me agrada, tudo me enternece, tudo me emociona, tudo me alegra, tudo me apaixona, tudo me entusiasma. Mais do que uma atitude racional, é, em mim, uma decorrência da minha natureza. Acho que tenho sorte por ser assim.
Por exemplo, no domingo, por causa das andanças acima referidas, só consegui almoçar depois das quatro da tarde. Almoçámos (ou melhor, petiscámos) numa esplanada, ao sol, depois passeámos à beira mar, vimos um magnífico pôr de sol sobre as águas suavemente ondulantes.
A Caparica no domingo ao entardecer |
E eu, apesar do peso que carregava no coração, senti-me tão bem ali. E depois, já tinha anoitecido, fui levar a casa do meu filho uma mantinha de lã, em crochet, feita pela minha mãe para a bisneta. E eles estavam a fazer pão e um bolo e a casa cheirava bem, e o ambiente era de uma paz tão boa, a minha menininha ajudando a mãe, o mais pequeno a dormir em cima de um grande puff, tapado por uma mantinha, e tudo ali tão acolhedor e feliz, e depois estive a ver a tijoleira que puseram na varanda e que está tão bonita e eles tão contentes com os melhoramentos que, aos poucos, vão trazendo à sua casa. E, no dia anterior, tinha estado com os outros meninos e com a minha filha, todos numa animação, e os meninos tão espertos, tão divertidos, brincalhões, irreverentes. E todos tão queridos, tudo boa gente, boa onda.
E depois, à noite, cá em casa, deitei-me no sofá a ler e, cansada que estava, adormeci mas soube-me tão bem adormecer, a sala acolhedora e eu em paz, tentando aceitar tudo o que me acontece (mas desejando que o que um dia terá inevitavelmente que acontecer não acontecesse ainda).
Hoje, quando cheguei, já de noite, ainda fui fazer a minha caminhada. Como a minha companhia já estava quase a terminar a sua mas se dispôs a acompanhar-me, fiz apenas uma mini-caminhada, pouco mais de meia-hora. Mas soube-me tão bem, já aliviada - face às boas notícias -, e por ali fui, conversando, rindo, contando proezas, ouvindo outras, descansados, tranquilos.
Escrevo isto e penso cá para mim: 'e não pensas tu, ó sua maria-desmiolada, nos que estão debaixo de fogo, sob perseguições, arriscando a vida?'. Penso. E penso com pesar. E penso na sorte que tenho. Mas também sei que há momentos em que uma pessoa tem que se resignar à sua triste condição de pequena partícula de coisa nenhuma. Haverá alturas em que nos sentimos capazes de tudo, de lutar por todas as causas, de mudar o mundo. Mas outras há em que não dá para mais do que isto.
E, afinal, se a felicidade passa também por partilhar os momentos bons, porque não falar aqui convosco destas pequenas coisas de nada, insignificâncias à toa, mas de que gosto de falar? Quem sabe, se lendo estas minhas palavras, vocês, meus Caros Leitores, não se sentem também bem, aquele bem pequenino e bom que nos faz sentir acompanhados e felizes? Gostava que isso acontecesse. Gostava que gostassem de estar aqui comigo.
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Mas então, afinal, o que é o hygge dinamarquês?
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O termo hygge deriva de uma palavra norueguesa que significa bem estar. Na Dinamarca apareceu no século XIX e evoluíu até ao significado actual. Há quem a relacione com hug, o abraço da língua inglesa, tanto mais que no fundo há uma correlação entre o bem estar que vem de uma boa companhia e o conforto e o calor humano que se conseguem com um abraço.
Leio no artigo Hygge: A heart-warming lesson from Denmark:
"The rest of the world seems to be slowly waking up to what Danes have been wise to for generations - that having a relaxed, cosy time with friends and family, often with coffee, cake or beer, can be good for the soul," says Helen Russell, author of The Year of Living Danishly: Uncovering the Secrets of the World's Happiest Country.
"Hygge seems to me to be about being kind to yourself - indulging, having a nice time, not punishing or denying yourself anything.
"Hygge seems to me to be about being kind to yourself - indulging, having a nice time, not punishing or denying yourself anything.
E, no artigo : Get cosy: why we should all embrace the Danish art of 'hygge'
It turns out Luther Vandross was right: the best things in life really are free – or at least needn’t set you back more than the price of a few Ikea tea lights. “Danes have been proven to be less materialistic than other cultures – and we appreciate low-cost activities and the simple things in life, like having a coffee and lighting some candles to create a cosy atmosphere,” says Wiking.
And Danes do “cosy” like no other nation. Your average home will look like something out of an ideal home supplement: lots of natural materials like wood and leather, lamps artfully positioned to create soothing pools of light.
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Sobre o bem estar em Portugal, apenas um breve apontamento, recomendando eu a consulta do site OECD Better Life na página dedicada a Portugal:
Portugal performs well in only few measures of well-being relative to most other countries in the Better Life Index. Portugal ranks above the average in housing, but below average in income and wealth, health status, social connections, civic engagement, education and skills, subjective well-being, and jobs and earnings.
In general, the Portuguese are less satisfied with their lives than the OECD average. When asked to rate their general satisfaction with life on a scale from 0 to 10, Portuguese people gave it a 5.1 grade, one of the lowest scores in the OECD, where average life satisfaction is 6.6.
Já, em relação à Dinamarca, pode ler-se como conclusão:
Denmark performs very well in many measures of well-being relative to most other countries in the Better Life Index.
Denmark ranks at the top in work-life balance. It ranks above the average in environmental quality, civic engagement, education and skills, jobs and earnings, income and wealth, and personal security.
Denmark ranks at the top in work-life balance. It ranks above the average in environmental quality, civic engagement, education and skills, jobs and earnings, income and wealth, and personal security.
In general, Danes are more satisfied with their lives than the OECD average.
When asked to rate their general satisfaction with life on a scale from 0 to 10, Danes gave it a 7.5 grade, one of the highest scores in the OECD, where average life satisfaction is 6.6.
When asked to rate their general satisfaction with life on a scale from 0 to 10, Danes gave it a 7.5 grade, one of the highest scores in the OECD, where average life satisfaction is 6.6.
Obviamente há uma correlação entre o sentir-se bem e o estar-se, de facto, bem. Mas, enfim, tudo conta e o saber dar importância aos pequenos nadas e gostar de partilhá-los com aqueles junto de quem nos sentimos bem também ajuda.
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Lá em cima Catrin Finch interpreta as Goldberg Variations
(pena é que o vídeo termine abruptamente)
(pena é que o vídeo termine abruptamente)
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma terça-feira muito feliz, com muito hygge.
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2 comentários:
Um dos poucos trabalhos feitos em Portugal sobre a questão da felicidade e do seu calculo
Rui Brites, Valores e Felicidade no século XXI: um retrato sociológico dos portugueses numa comparação europeia
https://www.academia.edu/2025384/Valores_e_Felicidade_na_Europa
Hygge...cocooning...conforme ...
Abraço
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