quarta-feira, outubro 07, 2015

Imaginemos


No post abaixo já falei da conversa do Cavaco e do que acho que se deve passar a seguir. Não é tema agradável, como é bom de ver. Parece uma pessoa que fica com um visco cagarral nas mãos, uma coisa assim, nem sei bem. Por isso, ou ia agora lavar as mãos e, daí, seguia mas era para a caminha ou, em vez disso, fico-me mais um pouco e escrevo para aqui uma coisa qualquer que funcione como desinfectante das mãos e da cabeça.

Com vossa licença, opto pela segunda hipótese.





Imaginemos, por um momento, que vivíamos num mundo em que as casas fossem simples cabanas, não mais que isso, cabanas sem nada de supérfluo, apenas o conforto necessário, e que estivessem em volta de lagos onde vogassem cisnes brancos e patos às cores e que houvesse grandes árvores, e pássaros exuberantes, soltando cantos escandalosos. E que, por todo o lado, houvesse bibliotecas de vidro e portas abertas, e muitos jardins, com bancos serenos onde nos pudéssemos sentar a ler ou deitar a olhar o céu, e que houvesse longos espaços de relva onde nos pudéssemos estender ao sol, encostados ao peito do nosso bem amado, e que, se nos apetecesse abraçá-lo ou beijá-lo, ninguém estranhasse, e que, ao fundo, passasse um rio sonhador a caminho do mar e nele deslizassem veleiros e que, ainda mais ao fundo, houvesse um mar selvagem, muito limpo, com rochas verdes e cobertas de conchas inventadas, transparentes.

Imaginemos que, de tarde ou ao anoitecer, nos sentávamos a contar histórias, ou a ouvir ler, ou a ouvir música. E imaginemos que havia também casas imensas sempre abertas, cheias, cheias de luz, onde os pintores e os escultores trabalhariam e ofereceriam o seu trabalho a troco de poesia, de peixes, de feijão verde e batatas e muitos abraços.




Imaginemos que as crianças cresceriam ao pé dos pais e dos avós, que nenhuma mulher estivesse longe de quem o seu coração ama, que nenhum homem tivesse que lutar pelo olhar daquela por quem o seu coração bate em silêncio, que ninguém se sentisse sozinho neste mundo, que todos recebessem pelo menos um sorriso, um beijo e um abraço por dia. Imaginemos que, em festa, todos fariam pão, cultivariam a terra, pescariam, sonhariam, fariam amor, olhariam o céu. Que haveria tempo para tudo, para ver o tempo a passar devagar. 

Que, de mãos dadas, pudéssemos olhar as folhas cor de fogo e disséssemos, isto é o ocaso e o cheiro da chuva é bom. Depois, olharíamos as árvores nuas e o fogo nas lareiras e diríamos, parece que é o fim mas não é e vamos abraçar-nos para sentirmos menos frio. E, a seguir, veríamos as árvores e as ervas e as flores a rebentarem numa exuberância adolescente e riríamos perante tanta inocência, e os homens colocariam flores nos cabelos das mulheres e as mulheres mostrariam os seus seios para que os homens pudessem ver que nos seios também florescem botões carnudos. E depois viria o calor, os frutos maduros, os corpos sequiosos, e as mãos sentiriam como é quente a pele e o amor de quem é amado.



E, assim, viveríamos. 

Imaginemos. Imaginemos que isso fosse possível. 

Imaginemos que poderíamos reinventar as cidades, desenhá-las, torná-las simples, lugares de vida, de alegria. Imaginemos que, enquanto dormíssemos, ouvíamos o cantar sussurrado e louco daqueles que sonham com lobos, tigres azuis, pássaros cor de noite, imaginemos que, quando acordássemos de manhã e nos espreguiçássemos à porta das nossas cabanas, víamos passar raposas ariscas, felpudas, e gatos subtis, silenciosos como poetas apaixonados, e que os galos cantavam, orgulhosos, e que as crianças saíam à rua, a jogar à bola, a brincar às escondidas ou ao lencinho queimado e que os pais os olhassem e se sentiam descansados, realizados. Imaginemos que as flores cresceriam vibrantes, luminosas, que as sombras desenhavam figuras nunca vistas e rectas límpidas, que os ventos sopravam perfumes, que as nuvens transportavam indecentes anjos nus, e que o mundo seria todo assim, simples, possível.

E imagina tu, tu aí que me lês, que poderias ver o meu rosto, ver as minhas mãos que gostam de conversar, que poderias sentar-te perto de mim e ver como sorrio, como fica o sol quando brilha no meu cabelo, como gosto de ficar sossegada a pensar em ti, aí, longe de mim. Imagina que me poderias fazer perguntas, todas as que quisesses e que a todas eu responderia sem segredos, porque não tenho segredos, e que me contarias de ti, do que pensas, do que temes, do que desejas e que eu te escutaria com toda a atenção do mundo e tu sentirias como é grande o afecto que sinto por ti, sabendo-te aí, lendo as minhas palavras, tocando-as com as tuas mãos generosas.

Imagina. Imagina por um momento que se abre à tua volta uma clareira de luz. Imagina. Imagina que aí poderiam viver como pássaros livres as minhas palavras, as tuas palavras, os nossos sonhos vadios, as nossas asas indómitas. Imagina. Imagina.



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As fotografias são de Christian Coigny. Antony and the Johnsons trazem-nos Imagine.

(Tenho sérias dúvidas de que os tempos dos verbos do que acabei de escrever estejam coerentes mas, juro, estou com a cabeça feita em água, já não consigo pensar. Fica assim mesmo e amanhã, se tiver tempo, logo vejo se me soa bem)

...

No post abaixo falo de Cavaco - e, se forem até lá, depois não venham queixar-se de que não avisei.

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1 comentário:

Rosa Pinto disse...

"Imagine"

Imagine there's no heaven
It's easy if you try
No hell below us
Above us only sky
Imagine all the people
Living for today...

Imagine there's no countries
It isn't hard to do
Nothing to kill or die for
And no religion too
Imagine all the people
Living life in peace...

You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope someday you'll join us
And the world will be as one

Imagine no possessions
I wonder if you can
No need for greed or hunger
A brotherhood of man
Imagine all the people
Sharing all the world...

You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope someday you'll join us
And the world will live as one