sábado, setembro 12, 2015

Os desencantos e as aspirações políticas de um jovem de esquerda
- um grande texto do meu filho [modéstia à parte, claro]






A governação de um país deveria ser fundamentalmente o exercício de praticar o que está correcto, sendo que, para o efeito, quem governa teria antes de mais de viabilizar a criação dos recursos necessários. À luz deste princípio, o desenvolvimento económico e a sustentabilidade financeira serão em si não um fim da governação mas antes um meio para se alcançar o supremo objectivo de assegurar uma crescente felicidade da população em todos os seus planos – social, material e cultural.

Identificar o que está correcto é uma questão fundamentalmente ideológica, mas há valores universais que inevitavelmente conduzirão a princípios de governação universais – reduzir a pobreza, diminuir as desigualdades entre pobres e ricos, elevar o nível cultural da população, pôr ao dispor das pessoas os bens materiais necessários para uma vida digna e satisfatória, garantir a segurança por meios de justiça e protecção, assegurar o apoio na doença e na velhice.




Não há nenhum ser individual bem formado, seja de que partido for, que negará estes princípios. No entanto, o que se verifica é que a governação do nosso país é concretizada por identidades colectivas, os chamados partidos de poder, que governam de uma forma tal que, em geral, concretizam medidas que não só não conduzem ao que está correcto, mas sim a caminhos avessos desses objectivos.

É claro que volvidos 40 anos do 25 de abril todos os princípios universais que indiquei foram alcançados, em determinada medida. No entanto, é igualmente verdade que o país partiu de uma situação particularmente atrasada sobre todos os pontos de vista. Estamos hoje melhor, mas, em geral, com os piores índices de desenvolvimento, para qualquer indicador que se pretenda escolher. Temos 20% da população abaixo do limiar da pobreza, um enorme fosso entre ricos e pobres, baixos níveis de escolaridade e alta taxa de abandono escolar, baixos rendimentos, sérias dificuldades no acesso à justiça e uma saúde pública, que embora de qualidade, se deteriora rapidamente a favor de um sistema de saúde privado elitista e exclusivo.




Em geral, avalio com nota negativa os anos de governação do PS e do PSD e, para uma amostra pouco fina dos principais eixos de governação, encontro-lhes poucas diferenças. A minha visão pessoal é que, de forma geral, estes partidos são máquinas gordas, egoístas e profundamente egocêntricas, ainda que as pessoas que os constituem possam ou não sê-lo. Em geral, a sua governação, nos seus mais diversos níveis, tem-se tratado fundamentalmente de um exercício de sobrevivência e de busca de poder. Perder as eleições representa remover milhares de militantes de cargos de governação, assessoria ou direcção, que não só pagam os ordenados (sobrevivência) como permitem a criação de uma manta de influências (poder) tentacular, que permite beneficiar os milhares de empresários, fundos, fundações, que, de uma forma ou outra, alimentam e são alimentados pelo nosso Estado.

Temos, por um isso, um estado de compadrio, interdependente, simbiótico. Os partidos do PS e PSD são, eles próprios, beneficiários e beneficiantes deste sistema. A única condição é ganhar as eleições. Dito isto, vivem não para governar pelo princípio do correcto, mas sim pelo princípio do ciclo eleitoral, governam para ganhar as eleições.




Na forma e conteúdo existem diferenças concretas entre as propostas do PS e do PSD, e, sendo eu de esquerda, deveria, por princípio, ter maiores afinidades com o PS. Mas, na essência, sinto-os fundamentalmente iguais. Sinto que a governação nunca será realmente focada na felicidade das pessoas. Se assim não fosse, debateriam ideias, propostas, aproximar-se-iam onde estivessem de acordo e esgrimiram argumentos técnicos e ideológicos onde estivessem em desacordo. Ao invés, gastam uma hora de tempo de antena a repetir as mesmas acusações de baixo calibre, respondendo vagamente e sem detalhe às questões fundamentais para o nosso país.

Não acredito que a solução esteja nos princípios de austeridade propostos pelo PSD. Cumpre-se o objectivo de equilíbrio da balança externa com medidas que substituem a inexistente política cambial. Por um lado, por via da redução dos custos de produção, associados à redução do custo do trabalho (aumento da exportação por redução dos preços), e por outro lado, por redução do poder de compra por via do aumento da carga fiscal e perda de rendimento das famílias (diminuição das importações). O problema é que esta medida conduz à promoção de um meio e não de um fim. O meio alcançado é a melhoria do desempenho da economia, mas às custas de um empobrecimento significativo das pessoas, que, de acordo com o que o Costa diz, corresponde a um retrocesso de 13 anos. A destruição de riqueza, de postos de trabalho, de prespectivas de futuro, a degradação das condições sociais, justifica a persecução deste caminho? Duvido, mas mantenho a dúvida, se neste sistema, com Euro, com União Europeia, com a economia de mercado, com capitalismo, existe de facto outra via? Há outra forma de concretizar os recursos necessários para a governação correcta?




Custa-me muito a encontrar essa via no programa do PS. Compreendo e concordo que o enriquecimento da classe média por alívio fiscal, e a criação de emprego para a mão de obra menos qualificada, por via da redução do IVA da restauração (empregados de mesa a receber o ordenando mínimo) e por aposta na reabilitação urbana (operários de construção a receber menos que o ordenado mínimo) seja uma forma de obter uns pontos percentuais imediatos de crescimento económico e alguma redução no desemprego… mas, no longo prazo, que riqueza é que a restauração gera ao país? E a reabilitação urbana? Ambos são necessários, mas não estão na base da economia. Não são os alicerces da máquina produtiva que um país tem de ser.

No debate televisivo António Costa - Passos Coelho ficou fora da discussão:

  • A produção agrícola. 
  • O desenvolvimento industrial. 
  • A inovação tecnológica. 
  • Os fundos para modernizar linhas de produção e formar trabalhadores. 
  • A obrigatoriedade de investimento dos lucros nas empresas ao invés da recolha de dividendos. 
  • A subordinação da banca aos interesses do país. 
  • A disponibilização da energia e infraestruturas ao desenvolvimento económico. 
  • A utilização do capital académico em favor do desenvolvimento das empresas. 
  • O controlo efectivo por parte do Estado das empresas que ainda detém. 
  • O fim da corrupção no poder local. 
  • A liquidação das barreiras que limitam a nossa soberania económica. 


  • E tudo o que mais que, estando errado, não dá ainda lugar ao que está tão obviamente correcto.



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- O título do post é da minha responsabilidade já que o meu filho me enviou o texto por mail com o simples título 'comentário'.

- Usei, para ilustrar o texto, imagens que não têm nada a ver com o que o meu filho aqui diz. Mas são imagens do nosso heaven, lugar de que ele também tanto gosta.

- A música é de Ennio Morricone: Le vent, le cri

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Sobre o formato destes debates que, de facto, não permite qualquer aprofundamento do que quer que seja nem que os entrevistados possam seleccionar temas, parece-me interessante e merece a minha concordância o texto da Estrela Serrano Não se peça aos debates que sejam o que eles não podem ser

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E, para uma divertida rábula da autoria do Leitor P. Rufino, que mete o novo parente dos humanos, um que tem um cérebro do tamanho de uma laranja, e o nosso tão bem conhecido Passos Coelho, desçam, por favor, até ao post seguinte.

Dali, em breve nota no final, envio um conselhozito de amiga ao António Costa a propósito da sua entrevista na RTP1. Não é por nada mas acho que era bom que ele fosse por mim.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela e tranquila sexta-feira.
Peace and Love.

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3 comentários:

ECd disse...

Sem dúvida uma muita boa reflexão. Agora é dar o outro passo! A política precisa como pão para a boca de boas cabeças a funcionarem no terreno

Anónimo disse...

Uma boa cabeça a deste seu filho! E tem toda a razão no que escreve e aponta! Não custa nada subscrever o que disse. Quanto ao debate, o problema foi o formato. Errado. Prefiro os do tipo que nos foi oferecido nos debates entre Catarina versus portas e Catarina versus Passos. Ainda bem que há muita malta jovem, como o seu filho. Oxalá hajam mais.
P.Rufino

Rosa Pinto disse...

Parabéns ao filho. Costuma dizer-se "filho de peixe sabe nadar"...e neste caso para competição.