Há dias em que tenho uma em mente mas que me custa tanto que faço de tudo para a evitar. Sei que não conseguirei o tom adequado, sei que posso parecer fútil, leviana, sei que há coisas para as quais não há palavras. Por isso, este é o quarto post de hoje e já andei pelo sex-appeal, pelo humor, pela poesia, pelo amor - tudo para resolver se fujo ao assunto ou se tento abordá-lo. E aqui estou a hesitar. Não sei como mostrar o que penso sem correr o risco de, emocionada que estou, me mostrar lamechas; também não quero parecer panfletária. Ou vulgar.
E, no entanto, já falei algumas vezes disto. Vou falando. Mas acho que me fico sempre pela rama.
Centenas de milhares de pessoas de todas as idades, condições sociais e raças e de ambos os sexos têm vindo a deixar as suas casas e, correndo todos os riscos e sofrendo todos os horrores possíveis e imaginários, põem-se a caminho, morrendo, deixando familiares mortos para trás, em busca de um mundo em que possam viver com dignidade e esperança. Para isso, entregando todas as suas economias e pertences, colocam-se nas mãos de contrabandistas e bandidos e, procurando a Europa - que julgam ser um bom destino - metem-se dentro de barcos ou camiões onde muitos nem respirar podem, ou põem-se a caminho, crianças e velhos ao colo. Imagens que não parecem deste mundo chegam-nos a casa dia após dia, uma sucessão infindável de horrores. O sofrimento daquela gente parece não ter fim. Todos os dias mais dezenas ou centenas de mortos. Afogados, asfixiados. E as estradas cheias, cheias de gente. E comboios pejados de gente assustada, suja, exausta. E acampamentos a deitar por fora. E muros que se erguem. E arame farpado que dilacera os corpos e as almas.
Andou a civilização a fazer-se, o mundo a desenvolver-se, a ciência e a tecnologia a superarem-se para que tantas centenas de milhares de pessoas passem por isto, como animais fugindo do fogo, como cães esfomeados percorrendo as ruas.
A cambada que ajudou a desestabilizar os países de onde esta gente foge não é agora capaz de ir para lá garantir um mínimo de ordem de modo a que as pessoas não tenham que fugir espavoridas, deixando as raízes para trás, correndo riscos de vida, pondo a vida dos filhos em risco. Ficam-se pelas palavras balofas e de circunstância. Quando foi para decidir ou apoiar as guerras ou os movimentos que provocaram isto, souberam tomar decisões. Agora que o inferno está lá instalado, lavam as mãos e entretêm o mundo com pífias considerações. Um asco de gente.
Não é com conversa que alguma coisa se fará: é indo para lá. Já lá deveriam estar tropas, Capacetes Azuis, não sei - gente que ajude a pôr cobro ao desatino e à crueldade sem rei nem roque que por lá impera.
Não é com conversa que alguma coisa se fará: é indo para lá. Já lá deveriam estar tropas, Capacetes Azuis, não sei - gente que ajude a pôr cobro ao desatino e à crueldade sem rei nem roque que por lá impera.
Não sou capaz de dizer mais que isto porque me faltam as palavras e porque o peito se me enche de angústia. Vou, pois, ficar-me apenas pelas imagens.
De que foge esta gente?
Fogem de situações como estas, na Síria
Uma criança síria (Hudea, 4 anos) teria levantado as mãos ao confundir uma câmara fotográfica com uma arma. (Foto: Osman Sargili) |
Homem sírio chora enquanto segura o corpo de seu filho perto de Dar El Shifa hospital em Aleppo , Síria. O menino foi morto pelo exército sírio. (Foto: Manu Brabo) |
Um menino chamado Ahmed lamenta a morte do pai (Abdulaziz Abu Ahmed Khrer, que foi morto por um atirador de elite do exército sírio) durante seu funeral em Ibid, norte da Síria. (Foto: Rodrigo Abd) |
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A favor da Síria, pela mão atenta e amorosa de Banksy
A favor da Síria, pela mão atenta e amorosa de Banksy
[Graffiti artist Banksy has reworked his Young Girl piece for the With Syria campaign, to mark three years since the crisis began. The campaign is a coalition of 115 humanitarian and human rights groups from 24 countries, including Save the Children, Oxfam and Amnesty International. According to the coalition their aim is to ensure this is the last anniversary of the Syrian crisis. At the Zaatari camp in Jordan 100 young refugees lit candle and released red balloons, inspired by Banksy to carry messages of hope to Syrians. Report by Genelle Aldred.]
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Obtive as primeiras fotografias, as que têm legenda em espanhol, no El País.
Obtive as últimas fotografias, da Síria, na Obvious
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Por indicação do Leitor ECD em comentário aqui abaixo fui ler e, de tal forma, me revejo no que ali está escrito que me permito transcrever o artigo quase na íntegra.
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Por indicação do Leitor ECD em comentário aqui abaixo fui ler e, de tal forma, me revejo no que ali está escrito que me permito transcrever o artigo quase na íntegra.
Os campos, novamente
ANTÓNIO GUERREIRO in Público
Os campos, sob a forma de centros e lugares de retenção, voltaram à Europa e disseminaram-se por toda a fronteira do Sul da União Europeia. São espaços geridos pela polícia, subtraídos à ordem jurídica normal, que funcionam como diques para reter o enorme caudal dos “fluxos migratórios”. A situação está fora de controlo e assemelha-se àquela “explosão” que se deu no coração do continente europeu entre as duas guerras mundiais, assim descrita por Hannah Arendt em O Imperialismo, num capítulo em que a filósofa analisa o declínio do Estado-nação e o fim dos direitos do homem: “[As guerras civis] desencadearam a emigração de grupos que, menos felizes do que os seus predecessores das guerras de religião, não foram acolhidos em nenhum sítio. Tendo fugido da sua pátria, viram-se sem pátria; tendo abandonado o seu Estado, tornaram-se apátridas; tendo sido privados dos direitos que a sua humanidade lhes conferia, ficaram desprovidos de direitos”. E num artigo de 1943, We Refugees, escrito para um jornal judeu de língua inglesa, Arendt terminava em tom de exaltação, como se tivesse acabado de identificar um novo sujeito da história: “Os refugiados representam a vanguarda dos seus povos”. Mas o refugiado que Arendt definiu a partir do modelo do apátrida — produto de uma dissociação entre as fronteiras administrativas do Estado e a realidade política dos homens — implicava, como o nome indica, a ideia de refúgio, tanto geográfico como jurídico: os refugiados judeus que, no início da Segunda Guerra Mundial, conseguiram embarcar para a América tinham um destino que os orientava à partida e contavam com a vontade política de uma protecção. Os actuais “migrantes” que se lançam ao mar para alcançarem o território europeu são, pura e simplesmente, “deslocados”, fogem da guerra e da miséria, na esperança de conseguirem encontrar um lugar, uma direcção, um sentido. Verdadeiros refugiados na Europa, no sentido jurídico da Convenção de Genebra de 1951, são uma ínfima parte deste fluxo de forçados migrantes que, mal entram em território europeu, são ainda menos do que párias: são uma massa incontrolada de indesejáveis estrangeiros, assaltantes contra os quais a fortaleza europeia não consegue erguer muros eficazes nem fazer valer as suas armas de dissuasão. À nossa frente, está a passar-se algo que não queremos olhar: o regresso a formas de brutalização e barbárie, a instauração de espaços anómicos onde, novamente, “tudo é possível”. Sem conseguirmos vislumbrar soluções para o problema, desistimos também de uma vigilância capaz de nos lançar este alerta: os campos que regressaram à Europa, em grande número e por todo o lado, muito embora não sejam regidos pelo regime de excepção que presidiu à tanatopolítica — à política da morte — dos regimes totalitários, não nos dão garantias de que nenhum descarrilamento terá lugar e nenhuma inclinação criminosa latente poderá seguir o seu curso. Não podemos hoje ignorar que há uma lógica terrível imanente ao campo como figura: ele acaba por desenvolver uma zona cinzenta onde todas as situações-limite, à margem de todos os direitos, se tornam possíveis. (...)
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Permitam que vos informe que a seguir há mais três posts, leves, levezinhos
(uma tentativa de aliviar a consciência)
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom sábado.
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4 comentários:
É o espanto a tomar conta de nós na sua forma mais trágica.
Penso que não há palavras que possam descrever isto.
O meu coração confrange-se de dor perante tanto sofrimento.
Tem razão, é indo lá e ver o que passa, é atacando o cerne
daquilo de que esta gente foge e ver também o negócio que
estará por detrás disto tudo.
Bj
Olinda
Sobre os "campos" - uma das "produções" a jusante desta situação - o melhor texto na imprensa portuguesa (e não só) é o de Antonio Guerreiro ontem no Ipsilon.
http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/os-campos-novamente-1706014
Este seu Post é muito oportuno, tal como um anterior e subscrevo inteiramente o que aqui diz, designadamente quando aponta o dedo aos verdadeiros culpados por esta tragédia humana. Os EUA e a UE contribuiram para o derrube daqueles regimes, sem ajudarem, posteriormente, os respectivos países a criarem uma alternativa sustentável que evitasse, a posteriori, esta situação actual.
É confrangedor e chocante as imagens que nos vão chegando pelas TVs.
E não existe um plano sério para a resolução do problema. Nem sequer por parte das N.U. Morrem regularmente dezenas de civis indefesos, muitas delas crianças. Emociona qualquer um de nós! Morrem afogados, naufragados, sufocados, famintos, etc.
O Ocidente não compreendeu, nem aceita, que a Democracia tal como a conhecemos e vivemos não é exportável para outras civilizações e regiões deste Mundo. Mas, infelizmente, a realidade é essa. Quando vivi, em tempos, na Ásia, tive essa noção. O importante era aquelas populações terem os seus direitos básicos resolvidos, como o direito á habitação, educação, saúde, alimentação, justiça, reforma, etc.
Entretanto, com a total destabilização daqueles países, do Afeganistão, Iraque, Síria, Egipto, Líbia, etc permitiu o aparecimente e, pior, o crescimento de uma ameaça bem pior, como é o caso do chamado “Estado” Islâmico. Que, se um dia alastrar e se consolidar, do Afeganistão até, quem sabe, Marrocos, a Europa terá um inimigo fanático à porta, cujas consequências serão imprevisíveis, até porque não temem morrer pela sua causa. E, nessa altura, o número de refugiados ainda será muito pior, podendo atingir dimensões impensáveis.
Aos poucos, o Ocidente poderá vir a ter de se confrontar com uma situação humanitária e político-militar, no futuro, cujo desfecho poderá ter consequências que nem quero imaginar.
Ficam as perguntas: até quando iremos assistir a esta crise, ou melhor, tragédia, que hoje vemos, diariamente, nas nossas TVs? E qual a solução? De onde partirá uma eventual iniciativa para a sua solução? E em que termos? E será viável?
P.Rufino
Estas imagens de sofrimento humano...sem palavras e que vergonha.
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