segunda-feira, agosto 24, 2015

A vida vivida um dia de cada vez, e feliz sempre que possível


Tinha dito que logo daria notícias quando as coisas acalmassem. Tinha dito que estava a viver um momento de susto, de medo. Traiçoeira é, por vezes, a vida.

O espírito positivo vive dentro de mim e, felizmente, também dentro dos que me são mais queridos. No entanto, perante rasteiras tão inesperadas e assustadoras, por vezes uma pessoa vai-se um bocado abaixo.

Mas, enfim, parece que a própria vida que nos tira o tapete se encarrega, também, de o voltar a repôr - embora com algumas diferenças. E a gente vai-se adaptando a essas diferenças.

Desde o dia em que um exame trouxe a insólita e assustadora notícia, a cada semana, com novos exames que iam sendo requeridos, novos medos foram surgindo e, depois, face aos resultados, vieram notícias animadoras e novas esperanças (se é que, nisto, as notícias menos más se podem chamar de animadoras e se é que é inteligente ter esperança só porque as coisas não são tão más quanto poderiam ser). Mas, enfim, uma pessoa agarra-se a todos os sinais que parecem menos condenadores.

O médico disse, quando se começaram a fazer muitas perguntas: um dia de cada vez.

Já tantas vezes o ouvira dizer antes mas parece que só agora interiorizei o significado disto: um dia de cada vez.

Um dos dias, logo a seguir, estava na sala de espera para uma outra consulta e peguei creio que numa National Geographic que lá tinham. Sei que falava de Gandhi. Li: 'Aprenda como se você fosse viver para sempre. Viva como se fosse morrer amanhã'. Acho que sorri. Duas vezes, de seguida, a mesma recomendação: viver como se fosse morrer no dia seguinte. Pensei o que sempre penso: devemos estar agradecidos por estarmos a viver. E por, no dia seguinte, estarmos de novo a viver. Sempre. Todos os dias. Um a um.


Gracias a la vida



Depois veio a data da cirurgia e o cirurgião lá foi explicar, na véspera, que havia probabilidades de as coisas não correrem bem e que, correndo, ainda haveria probabilidades de haver complicações, e enunciou cada tipo de complicação. Queremos nós só pensar em coisas boas, vai correr bem, bocado a mais, bocado a menos que diferença faz?, e o cirurgião a fazer questão de alertar para tudo o que poderia correr mal. Sobre aquele optimismo permanente de que parece que somos feitos, uma nuvem escura sempre a ser desenhada sobre as nossas cabeças.

Mas, enfim, somos como somos, optimistas impenitentes, e, portanto, (embora a medo... - e ó senhores, quanto medo, só eu sei), logo concluímos: 'Vai correr bem' porque é o que acontece na maior parte dos casos; e que se lixem as probabilidades mínimas de alguma coisa dar para o torto. 

Depois foi a cirurgia. Nunca mais chegava a mensagem a dizer que a cirurgia tinha começado e logo os nervos miudinhos a roerem as entranhas, Mas depois lá veio. E depois lá veio a outra, a dizer que tinha terminado e que o familiar tinha ido para o recobro. Um suspiro de alívio que vem do interior da alma.

No recobro, mal tendo saído da cirurgia, o familiar mal nos conhecendo, as pupilas dilatadas, sem saber se a cirurgia ainda ia ocorrer, dizendo que não tinha dado por nada, adormecendo a cada palavra pronunciada.

Mais tarde, nos Cuidados Intensivos, ainda a soro e a oxigénio, já de olhos abertos, a voz empastelada, a dose de analgésico ou os efeitos da anestesia ainda a toldarem ao de leve a consciência.

Mas, algum tempo depois, de volta o sentido de humor, o sorriso.

À volta de nós, nos outros compartimentos, sons de equipamentos a soltarem sinais de alarme e nós nem aí, alheados dos dramas alheios (embora ali tão próximos). Assim é a natureza humana, com esta capacidade de se adaptar instantaneamente a cada circunstância. Há uns anos eu seria incapaz de entrar num sítio assim, tinha um pavor terrível de me aproximar de doenças, acidentes, casos difíceis. Era uma fobia que me vinha de criança, penso que da morte do meu avô materno. Mas agora, ali estava, tal como antes já tinha estado quando o meu pai teve o AVC - e sem problemas, apenas concentrada no estado de saúde de quem, sendo-me tão próximo e querido, está numa situação complicada.

O enfermeiro vinha espreitar e dizia 'Está tudo óptimo' e nós contentes, correu bem, correu bem, e vai correr tudo bem.

E nos dias seguintes, já no quarto, a recuperação rápida*, já sem o soro, depois já de pé, a seguir já a alimentar-se. E sempre com a família em volta, palavras de ânimo, conversa leve, risos. Por estes dias, eu, embora exausta (física e emocionalmente), ia lá depois do almoço e depois do trabalho, ficando até à noite. A convalescença corre melhor, acho eu, se o doente se sentir acompanhado e acarinhado.

O cirurgião tinha avisado que era preciso esperar 3 a 4 dias pois poderia sobrevir uma complicação.

Ao 3º dia o estado óptimo, boa cara, boas cores, a andar, a alimentar-se, praticamente sem dores.

Dentro do corpo falta um bocadão mas diz que não dá pela falta, tudo parece bem.

Novas análises: boas. Veredicto: alta hospitalar.

Sabemos que o que foi removido foi para análise patológica, que vai demorar 3 a 4 semanas, e daí sairá a percepção sobre o grau de invasão das células nefastas e daí se concluirá também sobre o que se segue a nível terapêutico. Mas, enfim, até lá não nos doa a cabeça.

Ainda incrédulos com uma tal fantástica recuperação, lá saímos do hospital. A andar ainda devagar mas tudo bem.

No sábado de manhã, a sensação de alguma tontura ao andar mas depois já tudo normal.

A minha filha dizia ao cirurgião que se tratava de um corpo forte, fantástico, e o cirurgião com sorriso irónico: 'diga também que foi bem operado...!'. As duas coisas, sim. Bem haja o corpo resistente, bem haja o competente e sorridente cirurgião.

Esta etapa foi, pois, ultrapassada e, embora seja tudo tão recente, acho que já posso dizer que correu bem. Quero ser prudente no que digo e penso mas acho que, até ver, tudo parece estar a correr pelo melhor.

E a vida continua.

Este domingo, mais um aniversário. E dia de anos é dia de festa, dia de celebrar a vida, de desejar que se contem ainda muitos anos, e a festa faz-se com todos, mesmo com quem fez uma cirurgia complexa há menos de 1 semana.

Sendo o não fazer esforços o principal cuidado prescrito, por estes dias a recuperação está a decorrer num local com assistência médica pois, embora tudo pareça bem, há pensos a trocar, temperaturas a vigiar, e há que garantir o necessário repouso que, em casa, é mais difícil pois haveria sempre a tentação de fazer o que não devia. A convalescença num local assim decorre com maior tranquilidade e segurança, acho eu e, nestas coisas, podendo-se, faz-se o que se pensa ser melhor. 

Pois, foi lá mesmo que se juntou a tropa toda. As fotografias ilustram o evento.

Para não incomodar os outros hóspedes, foi mesmo no quarto que nos juntámos. Como quem está convalescente não está de cama (e até está com melhor cara que o resto do pessoal), a cama articulada estava disponível para servir de sofá e para toda a espécie de experimentações e cabriolices.



E foi o bom e o bonito. 

Desde lutas com pseudo-artes marciais até equilíbrismos, sapateados, brincadeiras de toda a espécie e feitio, e corridas e saltos e risotas e uma chinfineira que nos fez recear ser chamados ao gabinete da Direcção para nos dar ordem de expulsão - houve de tudo.

E, claro, tanta a energia gasta, que o calor já era muito e, como sempre, os pimentinhas acabaram a jornada praticamente despidos e descalços.

Mas, depois, houve também bolo, apagar de velas, cantoria, e todos sentados ou na cama ou no chão ou nas poucas cadeiras a comer o bolo e a festejar - incluindo quem ainda há dias estava com medo e agora já ali estava cantando na maior.

E houve presentes e ramos de rosas com rama de alfazema do jardim da casa ex-velha (agora nova e bonita) e os quadros (que estão lá mais acima) cheios de cor que a minha menininha mais linda e mais artista pintou para oferecer não apenas a quem fez anos mas também a quem, não o fazendo, também merece flores e mimos.

E, portanto, nesta lógica de um dia de cada vez, cá estamos todos animados e confiantes. A vida é assim mesmo, traiçoeira, efémera, mas também cheia de bons momentos e o que é preciso é que os saibamos aproveitar, instante a instante - antes que seja tarde demais.

...

* Penso que a rapidez da recuperação se deve ao método usado. A cirurgia decorreu pelo método da laparoscopia, que, segundo percebi, é muito menos invasivo do que os métodos mais tradicionais, que metem facalhão (este, pelo vestígios e pela descrição do médico, se bem compreendi, passa por fazer um furo maior para introduzir a ferramentaria e extrair as partes estragadas e adjacentes e outros três, mais pequenos, uns fuinhos, para as câmaras e a iluminação. Pelo que vejo na wikipedia, antes a laparoscopia circunscrevia-se a umas zonas do corpo e agora, pelos vistos, já serve para muito mais. 

...

E, para um outro momento feliz, queiram, por favor, descer até ao post seguinte onde mostro uma obra em processo de construção: a arte de rua em festa ali para os lados de Alcântara.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira. 
E que os vossos dias tenham muitos momentos felizes.

...

8 comentários:

Silenciosamente ouvindo... disse...

Pois amiga, o ue lhe posso dizer é mesmo
"um dia de cada vez", e como felizmente
parece que está tudo a correr satisfatoriamente
é o que eu desejo. Que tenha sido apenas um
mau momento e que tudo seja ultrapassado.
Um bj.
Irene Alves

Rosa Pinto disse...

Um beijo.

ECD disse...

Tiro o chapéu a este post e claro à sua autora que, como se vê, fez das tripas coração. As boas noticias continuarão

Anónimo disse...

Ainda bem que tudo acabou por correr pelo melhor! Recordo-me de ler um seu anterior mail sobre o assunto e a angústia que deixou transpareceu. Abracemos a vida, sobretudo...quando recomeça! Como é o caso desta sua tão especial familiar.
A vida é muito mais preciosa do que muitas vezes imaginamos e nada como os afectos dos outros para ajudar nestas ocasiões. Como aqui nos transmite.
Abç,
P.Rufino

Humberto disse...

Caríssima UJM
Fico feliz por tudo ter corrido bem.
E claro está que tudo continuará a correr muito bem.
E como disse o leitor ECD , tiro-lhe o chapéu pela sua força.
Uma boa noite e um abraço
HB

Um Jeito Manso disse...

A Todos,

O meu agradecimento pelas vossas palavras. A gente vai ouvindo dizer que o cancro será, cada vez mais, uma doença crónica e não fatal. E vai sabendo que, com o aumento da longevidade, com o sedentarismo e com sabe-se lá o quê, a tendência será que haja um número crescente de cancros. O pior é quando a coisa começa a bater-nos à porta.

Quando eu ia ao médico, e os médicos perguntavam se havia casos na minha família eu, feliz da vida, dizia sempre que não. E, no entanto, a verdade é que entre família de sangue e família por afinidade conjugal, nos últimos anos já são 4 casos (e esses fatais e rápidos, pois foram todos descobertos muito tarde, em estado avançado - e, excepto um, sem sintomas) e agora mais este.

Mas estou esperançada que, neste caso, por ter sido descoberto relativamente no início (acho eu...), tenha sido tudo extirpado até porque o que foi tirado foi muito mais do que o tumor. Enfim. Falo nisto tudo, com este pormenor, porque acho que as coisas devem ser encaradas de frente, sem meias palavras e que temos que dar força e esperança uns aos outros.

Nesta coisa das doenças não há 'uns' e 'outros' pois, quando toca a ser afectados, a doença não escolhe. Julgamos que estamos bem e, afinal, podemos estar a caminho de uma vida completamente virada do avesso. Mas não temos que o esconder ou achar-nos mais infelizes do que os outros. Todos podemos estar doentes e todos temos que arranjar forças para lidar com a situação.

Eu, pelo menos, no meio dos meus medos, penso assim. A gente tem medo do sofrimento que pode estar para vir mas, quando estamos perante a situação, temos que encontrar força para acreditar que vamos saber lidar com ela e para querer que, enquanto formos vivendo, a vida seja o melhor possível.

Estou a escrever e a pensar que, se calhar, isto soa a conversa fiada. Mas não é. É mesmo o que penso.

E agradeço, sensibilizada, as vossas palavras.

Um abraço a todos.

Pôr do Sol disse...

Querida Jeitinho,

Sei bem do que fala e o que se sente nestas situações.
Longe de ser conversa fiada, é assim que devemos pensar.A fé move montanhas e pensamentos positivos chamam boas energias, tornam tudo mais fácil.

O seu familiar percisa da sua força e Deus(olhe que ele existe mesmo), vai ajudar-vos a dar-lhe esperança e vontade de vencer. Em tempos idos, as suas palavras ajudaram a fazer de mim um Sol Nascente.

Um abraço cheio de ternura.

Um Jeito Manso disse...

Querida Pôr do Sol,

Tanto que tenho pensado em si...! E no seu exemplo e na forma como deu a volta e em como aí está, cheia de viço, cheia de energia, de alegria, de força para lutar e para se indignar. Tenho pensado muito em si.

Por isso, gostei imenso de ler as suas palavras. Mil vezes obrigada.

Um abraço e um beijinho comovido, querida Sol Nascente!