No post abaixo já falei do nariz do Portas em aumento galopante e com um par de valentes adenóides em perigosa exposição, já falei do Salgado a vender bolas de berlim na Comporta e, para ter aqui qualquer coisa de profundo, referi também o caso verídico da holandesa que quer casar com o cão.
Mas isso é a seguir. Aqui, agora, com vossa licença, haja contenção que se vai falar de gente grande.
As mulheres têm horror a gente assim. A coisa com que mais embirram é ficar despenteadas. Não se importam de ficar desonradas, mas despenteadas é que nunca. E Camilo era um homem desses, um vendaval, um ciclone do alfabeto, uma barafunda de pretextos para arrepiar os cabelos das famílias na sala de baile.
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Ele era o que todos nós sabemos, um Voltaire à moda do Porto, com mais tripas do que carne do lombo. Eu cá, parece-me bem assim. É um monstro a retalho, o que produz grandes obras.
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Há homens que, perdidos nas maiores contravenções do decoro, mantêm o espírito do desmentido, sobretudo quando estão em causa os anátemas do sexo. Um deles foi Oscar Wilde. Não inspirou ele o seguinte verso: 'De todas as doces paixões, o pudor é a mais adorável'? A pouca vergonha de Camilo estava apoiada em certo culto britânico do cavalheiro, para quem ser insolente é uma honra refinada. Nunca é, na verdade, impudico; mas sim arrogante como forma de valentia.
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Camilo não é um dândi; mas gostava do risco mundano que é escandalizar a norma. É por isso que é punido, e não pelas suas travessias eróticas ou outras.
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Na verdade, não sei o que lhe deu a Camilo para escrever este romance ['A enjeitada'], a não ser o desprezo pela sua actividade face a um público que lhe exigia emoções calculadas, e para quem o melodramático se confunde com o sério. Como hoje ainda acontece em vários quadrantes da sociedade. Basta ver o estilo dos jornais. Quanto às contravenções históricas, acho que devem ser usadas em família e dentro das nossas fronteiras; como quem quebra uma xícara lá em casa ou dá um pontapé ao gato. Mas fazer isso na casa dos outros é má-criação e abuso. Eu espero fazer um romance histórico tão cheio de desacertos e charadas que será uma delícia para os estudiosos revelarem. Além de que errar de propósito nos absolve de errar sem esforço.
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Camilo não é um dândi; mas gostava do risco mundano que é escandalizar a norma. É por isso que é punido, e não pelas suas travessias eróticas ou outras.
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Na verdade, não sei o que lhe deu a Camilo para escrever este romance ['A enjeitada'], a não ser o desprezo pela sua actividade face a um público que lhe exigia emoções calculadas, e para quem o melodramático se confunde com o sério. Como hoje ainda acontece em vários quadrantes da sociedade. Basta ver o estilo dos jornais. Quanto às contravenções históricas, acho que devem ser usadas em família e dentro das nossas fronteiras; como quem quebra uma xícara lá em casa ou dá um pontapé ao gato. Mas fazer isso na casa dos outros é má-criação e abuso. Eu espero fazer um romance histórico tão cheio de desacertos e charadas que será uma delícia para os estudiosos revelarem. Além de que errar de propósito nos absolve de errar sem esforço.
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O que acima puderem ler são excertos um pouco ao acaso das primeiras páginas do magnífico Camilo, Génio e figura de Agustina Bessa-Luís, da Casa das Letras.
- Agustina Bessa-Luís nasceu em Amarante, Vila Meã em 15 de Outubro de 1922.
De toda sua vida,
qual é o instante, o fragmento,
o pontinho de luz que mais vezes
lhe ocorre para dizer
que viver vale a pena?
Ter a capacidade
de amar alguém ou algo na vida.
Ser capaz de pôr nisso todas as forças,
toda a capacidade que,
no fim de contas
é a capacidade para viver.
[LER, Outono 2003]
- Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa a 16 de março de 1825 e morreu em São Miguel de Seidea 1 de junho de 1890)
Ris-te?... Se queres ser feliz abdica da inteligência, convence-te, e convence os outras de que és um pária do senso commum, entra nesses camarotes, e diz que a letra do «Barbeiro de Sevilha» é de Voltaire, e a composição do maestro Spinosa; vira-te para a vítima predestinada, e diz-lhe que a música é a voz mística dos anjos confidentes das paixões delirantes, que dos olhos dela deviam partir as inspirações que arrebataram Raphael d'Urbino, que farás autor da «Norma». Se ouvires uma gargalhada insofrida, deixa-os rir; continua; faz-te vítima interessante, acolhe-te à piedade da dama, e fala-me depois...
Camilo Castelo Branco, in 'Mistérios de Lisboa (1853)'
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A música é de Nicola Porpora: Alto Giove, de Polifemo numa interpretação de Philippe Jaroussky,
Alto Giove, è tua grazia,
è tuo vanto il gran dono
di vita immortale
che il tuo cenno sovrano mi fa.
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As fotografias pertencem ao conjunto A bouquet of burning roses e são uma produção da agência Ars Thanea e descobri-as, é claro, no Bored Panda.
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Relembro que, para coisas do além (o nariz crescente de Portas, as bolas de Berlim do Salgado e a mulher que quer casar com o cão), é só descer até ao post seguinte.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma terça-feira com boas notícias, sorte, saúde e alegria.
Be happy.
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1 comentário:
Calhou passar por aqui, partilho os meus blogs. Obrigada!
www.meditacaoparaasaude.blogspot.com
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