Ando um bocado afastada do dia a dia noticioso e acho que pouco tenho perdido. Grande parte da comunicação social portuguesa está tomada por gente cuja actuação me desagrada. Não se percebe se são jornalistas (supostamente isentos, factuais) ou se são comentadores e opinadores (e, portanto, parciais). Acontece que, como comentadores, muitas vezes não lhes reconheço qualificações ou aptidões para ali estarem a emitir opiniões sobre tudo o que calha. Tenho-lhes ouvido barbaridades, imprecisões, juízos de valor ridículos sobre questões técnicas. E, como jornalistas, pouco os vejo: tomam partido, atiram-se por vezes àqueles sobre quem escrevem como se de adversários ou inimigos se tratassem e, por outro lado, estendem tapetes a outros, promovendo a sua imagem, abrindo-lhes caminho.
Penso que grande parte da intoxicação da opinião pública - que, face a tal incontinência opinativa, desiste de os ouvir, desinteressa-se disto tudo, deixa-os a brincarem uns com os outros ou sozinhos, como a eles lhes souber melhor - se deve a esta gente, papagaios a soldo, avençados, gente desqualificada.
Estão por todo o lado: nas televisões, nas rádios, nos jornais e revistas. Claro que nem todos são maus. Há alguns com quem se aprende, que pensam bem, que introduzem diversidade de análise e, portanto, não sou radical na minha apreciação. Não. Mas os que se aproveitam são uma minoria. Os restantes, com a sua cacafonia insalubre, estão a minar a credibilidade da comunicação social. Pelo menos, é o que eu penso.
Vem isto a propósito da atitude de João Vieira Pereira, do Expresso. Recebeu o seguinte SMS de António Costa:
"Senhor João Vieira Pereira. Saberá que, em tempos, o jornalismo foi uma profissão de gente séria, informada, que informava, culta, que comentava. Hoje, a coberto da confusão entre liberdade de opinar e a imunidade de insultar, essa profissão respeitável é degradada por desqualificados, incapazes de terem uma opinião e discutirem as dos outros, que têm de recorrer ao insulto reles e cobarde para preencher as colunas que lhes estão reservadas. Quem se julga para se arrogar a legitimidade de julgar o carácter de quem nem conhece? Como não vale a pena processá-lo, envio-lhe este SMS para que não tenha a ilusão que lhe admito julgamentos de carácter, nem tenha dúvidas sobre o que penso a seu respeito.
António Costa"
Diz João Vieira Pereira, no jornal, depois de ter transcrito o dito sms: Confesso que a primeira reação foi a de pensar que era um engano e dá ao artigo o título É a liberdade, António Costa.
Pois bem.
Há uns meses, na sequência de um texto que aqui escrevi, recebi de um membro da Direcção do Expresso um mail em que corrigia o meu texto, invocando a sua própria actuação a propósito do tema sobre o qual eu escrevia. No final, pedia que eu mantivesse sigilo sobre o seu mail.
Não precisava de o fazer já que eu, pela ética pela qual me rejo, não revelaria um mail recebido a título pessoal mesmo que o dito profissional assinasse subscrevendo-se com o cargo profissional e mesmo que versasse temas relativos à sua actividade profissional.
Não revelei na altura, não revelo agora e não revelarei no futuro.
Talvez por isso, me desagradasse tanto a forma quase prepotente, deselegante mesmo, como João Vieira Pereira divulga no jornal o sms que recebeu de António Costa e a invocação da liberdade, talvez a liberdade de imprensa, que usa para se desculpabilizar (quer deste acto quer das palavras que antes tinha proferido). Desagrada-me, é mais uma manifestação do vale-tudo em que a comunicação social portuguesa parece estar transformada. Podem alguns comentadores ou bloggers entrar em delírio com isto mas a minha sensação é que assim se vai exaurindo a apetência da população pelo consumo de jornais ou de programas de comentário político e, portanto, a prazo isto reduzirá a rentabilidade dos ditos órgãos de comunicação social - e, assim também, se enfraquece o verdadeiro exercício da democracia em liberdade.
3 comentários:
Muito Bem , estimada UJM !
Gente " desavergonhada" merece mais esta certeira flecha .
Melhores Cumprimentos e um Bom Dia da Mãe para si que, como sabemos , o é .
Vitor Manuel
Muito bom!
Um jeito manso, de pôr os pontos nos is.
Certeiro e mortífero.
Bem haja!
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