domingo, maio 31, 2015

E a Feira do Livro no Parque, pois claro. Apesar de tudo. Talvez já seja mais um ritual que outra coisa mas, enfim, os rituais são para se cumprir. [1º de 4 posts]


Quando eu era miúda ia à Feira do Livro com os meus pais. Era uma alegria. Já adolescente escolhia eu os livros, gostava de andar pelos alfarrabistas, e já nessa altura tendia para coisas pouco óbvias. Os meus pais surpreendiam-se, tentavam exercer alguma censura, mas era pouca a sua convicção e pouca a minha disponibilidade para lhes dar ouvidos.

A carta de alforria veio com a faculdade. Na altura, tinha um namorado todo dado às letras que me ultrapassava pela esquerda e pela direita nisto dos livros. Onde eu andava pelos autores portugueses e pelos clássicos estrangeiros (por clássicos leia-se, por exemplo, Steinbeck, Moravia, Camus, Dostoiévski, etc) e à descoberta de outros, mas à descoberta completamente ao acaso, já ele sabia de alguns de que eu nem suspeitava -- filósofos, linguistas, poetas estrangeiros. Ficava admirada com o que ele sabia e intrigada por não conseguir imaginar onde, como, quando descobria ele tudo o que sabia. (Este sábado, um dos livros que trouxe foi traduzido por ele, certamente mais uma excelente tradução).

Por isso, nessa altura, ir à Feira do Livro era um exercício que ele cumpria com disciplina e satisfação e um prazer cheio de surpresas para mim.

Depois, quando o namorado já era outro, a Feira do Livro era ainda uma alegria, mas uma alegria mais espontânea, éramos os dois à descoberta. 

Depois, pouco mais tarde, vieram os meninos e aí a coisa começou a fiar mais fino. Todos os anos, mais do que uma aventura, passou a ser uma odisseia. Começavam por querer tudo, escolhiam, queriam porque queriam mas, algum tempo depois, já estavam fartos. Ficava então o pai a vigiá-los para não se tresmalharem, enquanto eu me perdia em cada stand, sempre com eles a chamarem por mim, já desesperados.

Quando os meninos passaram a ter voz activa, passaram a ir por eles e eu recuperei a minha maior liberdade de movimentos. Houve uma altura em que trabalhei não muito longe dali e então, ao fim do dia, era por lá que deambulava, carregada de catálogos e sacos de livros.

Agora ainda lá vou mas tenho que confessar que já não sinto aquele velho apelo. Por um lado, os cartões das livrarias já permitem que se usufrua do desconto de 10% ao longo de todo o ano e, por outro, a feira mercantilizou-se e já não é bem uma feira do livro mas quase uma feira popular.

Admito que o mal seja meu que nisto de livros sou um bocado esquisita, exigente, nem sei. Acho que um livro é um livro é um livro. Custa-me escolher livros no meio da confusão entre cheiro a bifanas ou a filhoses ou a ouvir música para ginástica.

Seja como for, lá estive. E até gostei de me sentar a ouvir jazz, é sempre um prazer ouvir jazz numa tarde agradável entre árvores e livros.




(Aqui abaixo não é jazz porque hoje estou numa de Satie)



Tenho algumas saudades dos stands dos Livros do Brasil onde comprei tantos e tantos livros, ou da Guimarães, ou da Dom Quixote quando era mesmo Dom Quixote. Ou da Estampa. Ou de tantas outras. Eram stands discretos, os vendedores lá dentro e nós circulando à volta. Agora, nos maiores, entra-se, e é como se entrássemos dentro de escaparates, e depois vem pagar-se cá fora. Não tem mal mas chateia-me um bocado andar a ver livros em prateleiras que não são prateleiras, são expositores, e em que os produtos expostos podem ser livros ou brinquedos ou o que for. Prefiro os stands mais pequenos onde há pessoas lá dentro para responder às nossas perguntas.

E, por todo o lado, há esplanadas, lojas a vender comida, queijadas de Sintra, ginja de Óbidos, sandes de leitão, bifanas, cachorros de toda a espécie, pizzas, farturas, churros.




E há zonas onde há instrutoras de ginástica a fazer (não me lembro do nome da) dança e tudo aquilo é uma chinfrineira, faz lembrar a animação de beira de piscina de alguns hotéis no verão, uma coisa meio insuportável.




Mas, seja como for, o que eu sei é que até a mim aqueles cheiros já me estavam a dar fome, só via gente a comer e a comprar comida. Às tantas, já dizíamos um para o outro: onde é que vamos mas é jantar? E até já púnhamos a hipótese de ficar por ali. Mas começou a esfriar e resolvemos concentrar-nos nos livros e irmos jantar a outro lado.




E a verdade é que, apesar daquilo já não ser bem a minha praia, ainda trouxe de lá uns quantos livros (incluindo um para cada um dos pimentinhas que, felizmente, têm sido criados seguindo o mandamento de que um livro é um bem de primeira necessidade).




A maior quantidade que trouxe proveio dos saldos da Relógio d'Água, uns poucos a 5 euros cada, e bons. É por oportunidades destas que ainda talvez valha a pena vir à Feira. Se não estivesse já um bocado fatigada e, sobretudo, a ser pressionada para me despachar, ainda garimparia melhor porque também há lá livros a 3 e a 2 euros mas nesses já não andei à pesca.




Talvez ainda lá volte, talvez para o fim de semana que vem lá vá com a maltinha, pelo menos com parte dela, talvez. 

Mas com estas grandes editoras que engoliram outras, com a transumância de escritores entre editoras, já não sei bem onde é que eles estão, tenho uma certa dificuldade em orientar-me da forma espontânea como dantes o fazia.
Aliás, tinha um costume que era, na primeira vez que lá ia em cada ano, fazer uma recolha geral de catálogos. Depois estudava-os em casa e fazia uma pré-selecção. Depois fazia contas e ia cortando. Quando voltava à feira, já tinha um roteiro, por editora/escritor. Agora acho que, em alguns casos, mesmo que quisesse, nem saberia a quem pedir os catálogos, muito daquilo ficou impessoal, mercantilizado em excesso.

Mas, enfim, é o que é. E, se lhes dá mais lucro, é assim que certamente ficará. São os tempos.

Como habitualmente, não pedi autógrafos e até me deu pena ver alguns escritores meio abandonados, lendo um livro para se entreterem, numa mesita triste entre stands. Ou estão ligados a uma daquelas big editoras ou é aquilo.


Feira do Livro de Lisboa no Parque Eduardo VII

com o Marquês de Pombal a olhar o Tejo e a outra banda


E depois, a sombra cobrindo já parte do espaço, viemo-nos embora -- não sem antes eu me deleitar, uma vez mais, com a beleza do lugar e pensar no quão privilegiados somos por podermos usufruir de uma Feira do Livro a céu aberto, num jardim com o rio em fundo, nesta cidade tão luminosa e afável.

-----

A música é de Erik Satie - Gnossienne No.5

-----

E, convidando-vos a percorrerem os outros três posts abaixo caso queiram saber das minhas andanças ao longo do dia, por aqui me despeço.

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo. 
Sejam felizes -- também com livros.

...

1 comentário:

Anónimo disse...

Já não vou à Feira do Livro há muito tempo. Pela simples razão de que durante a semana me é difícil e ao fim de semana, só de pensar em voltar a Lisboa e percorrer uns 70 klm de ida e volta, no meio de uma confusão de trânsito e depois não ter lugar para estacionar é coisa, para mim, do Além!
Não sabia que já estava numa de bifanas. Mas, se calhar até dá jeito, estando ali, a andar e a ver os livros.
Gostei de Satie!
Voltando á Feira do Livro, que aqui nos fala, ainda bem que hé muita gente a visitá-la! Fico satisfeito.
P.Rufino