quarta-feira, maio 06, 2015

Amigas até que a vida nos separe


Abaixo falo do Dom Quixote e, tocando neste assunto, sinto que há uma respiração que vem de um mundo em que as palavras respiravam como gente.

Mas para isso, desçam, por favor, até ao post seguinte. Aqui, agora, a conversa é tão outra que até deve fazer impressão a muito boa gente. Mas a vida por aqui é assim mesmo: parece que a coisa vai encarreirada num sentido e logo a ela guina para o lado contrário. Fazer o quê?


Nota: As 'Amigas até que a vida as separe' de que vou falar não são o Paulo Portas e o Passos Coelho, essas duas comadres desavindas. Não. Não me meto em brigas de rua entre vizinhas.


Estas são outras. E, assim sendo, vamos lá.






As meninas cresceram juntas, histórias partilhadas, segredos, o corpo a desenvolver-se e elas a olharem-se ao espelho, a olharem-se ao espelho umas nas outras, e a trocarem roupas, a pentearem-se umas às outras, tranças, ganchinhos com florzinhas, a enfeitarem-se com brinquinhos coloridos, a experimentarem sombras dos olhos, batons, saltos altos da mãe.

E depois veio o primeiro sangue, o sobressalto, a entrada num novo tempo, a idade adulta que despontava, e a ansiedade das que nunca mais menstruavam, mulherzinhas mais tardias, e o orgulho das mais precoces, a explicarem às outras, e a falarem das dores no ventre e a dizerem que sentiam as maminhas inchadas, os pequenos seios que despontavam, os mamilos como pequenos carocinhos, e os soutiens de rendinhas, presentes das avós, e as meninas riam, cúmplices. Segredos que os rapazes não podiam saber, coisas só delas.

Vieram depois os amores, os ciúmes inocentes, os primeiros beijos que logo eram contados entre elas, e a curiosidade, a novidade absoluta, E ele, como foi? Conta... E fecharam os olhos? E a língua? Conta, conta... E as meninas contavam, rubores, vergonhas, nervosismos, mãos suadas de pudor, o pequeno coração num desalinho, tanto amor para viver.

E uma menina dizia, Os lábios dele são quentes, parece que ardem, e ele afasta devagar o meu cabelo e beija-me no pescoço, na nuca, e, quando afasta o meu cabelo, eu arrepio-me, e ele, depois de me beijar, os lábios tão quentes, volta a cobrir o meu pescoço com o meu cabelo, e depois beija-me o rosto e os lábios são tão quentes e eu sinto que os lábios dele se aproximam dos meus lábios e eu fico com o coração a bater tanto, tanto, nem queiram saber. E as outras: Sim? E depois? E tu? Conta. - e eu contava e elas ouviam com atenção, ouviam sobre os lábios quentes daquele que o meu coração amava, ouviam sobre o meu coração que batia tanto quando sentia os lábios dele, e que batia também descompassadamente quando eu lhes contava a elas aqueles meus apaixonados amores.

E os amores mudavam - porque nestas idades os amores são intensos e efémeros, e os desgostos definitivos e passageiros, e consolavam-se umas às outras e incentivavam-se umas às outras, e limpavam lágrimas e riam e suspiravam e depois trocavam livros lidos às escondidas, descobertas clandestinas, o corpo dos rapazes, o que já sabiam, o que suspeitavam, e aprendiam, e, tantos os segredos que já tinham que esconder umas das outras, mas depois tinham que contar, mais confidentes de umas que de outras, pequenas intrigas ou ciúmes mortais, mas tudo inocente, tudo ainda tão no início. 

E depois as meninas já eram grandes e os segredos maiores e os beijos de que falavam já eram mais carnais e as descobertas mais secretas e gostosas, e a intimidade mais protegida mas logo desvendada, até que um dia a primeira trouxe um grande segredo e logo as outras numa revoada de dúvidas e medos e excitação, Conta? Doeu? Foi bom? Deitou sangue? E ele? E tu? Gostaste? Conta - amigas para sempre, sem segredos, as meninas já mulheres, o corpo já feito, as vontades mais definidas, os sonhos mais elaborados e sempre a amizade forte, os momentos de cumplicidade mais marcantes, memórias que se desenhavam, e sabiam que logo, logo, iria cada uma seguir a sua vida e já sentiam saudades e faziam promessas de cartas, telefonemas, nunca se iriam separar, nunca, nunca e já riam a pensar nas confidências que se seguiriam, e abraçavam-se, amigas para sempre.

E depois veio o dia da primeira delas se casar e todas lá, os sorrisos, os segredos, as alegrias, a preparação do grande momento, a liga de renda, as meias de seda com liga de renda, o soutien de renda, as cuequinhas pequeninas de renda, uma transparência quase provocante, e a cumplicidade de sempre, Agora sou eu e a seguir és tu, e nunca nos separaremos, vão ver, sempre juntas, e, olha, ajuda-me aqui, achas que está bem assim? Sim, estás tão bonita, e olha, já sabes, quero que sejas muito feliz - mas já a perceberem que nunca mais iria ser como dantes, que a separação estava já ali a começar.

Mas fingiram que não, e sorriram todas e cantaram e dançaram e bateram palmas e abraçaram-se e fizeram de conta que acreditavam que iriam estar próximas para o resto da vida. E, em segredo, esconderam as lágrimas.








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As imagens e o filme Hotel Madrid de Gordon von Steiner fazem parte da campanha de publicidade de noivas de primavera de Vera Wang 2016


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Permitam que relembre que descendo até ao post seguinte falo da razão que me levou a comprar - pela segunda vez - o Dom Quixote de la Mancha e poderão ouvir o seu primeiro capítulo. 

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quarta-feira 
- se possível rodeados de afecto e, se o não tiverem perto de vós, procurem-no, encontrem-no em quem passa, sorriam para quem se cruzar convosco, para as crianças, para os velhos, telefonem aos vossos amigos, qualquer coisa.

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1 comentário:

Anónimo disse...

Esta natural da Georgia, Katie Melua, é uma excelente cantora! Tenho uns CDs dela e ás vezes lá a escuto no “Smooth FM”. Em tempos deu um concerto numa plataforma de petróleo na Noruega. Um espectáculo!
P.Rufino