Estavam 30º e um sol de verão. As glicínias estão a rebentar com aquela energia própria deste tempo de ressurreição. Os cachos lilases já estão quase formados e eu, quando os vejo, sinto sempre aquela alegria enorme de quando se reencontra alguém que julgávamos perdido. Esgueiram-se pela azinheira, envolvem-se com o loendro, enroscam-se nos portões. O seu perfume é discreto mas, ao entardecer, nestes dias de calor, o ar fica mais doce, com aquela suavidade que vem dos seres requintadamente delicados.
À porta da casa, os lírios do campo também já apareceram. Apetece-me tocar-lhes, sentir a sua pele macia, quase transparente, uma transparência azul, irisada. Gostava de os poder tornar eternos mas depois penso que, se fossem eternos, talvez perdessem este seu lado etéreo, efémero, e talvez a sua graciosidade venha também disso, de a todo o momento sabermos que podem desaparecer.
Vendo-os de perto, percebemos que são de uma beleza quase insuportável. Fotografo-os rendida, como se não conseguisse compreender como é possível que da terra nasça um ser vivo tão incrivelmente perfeito.
Por todo o lado as flores despontam, azuis, amarelas, cor de rosa. Não sei o nome de muitas delas.
Vendo-os de perto, percebemos que são de uma beleza quase insuportável. Fotografo-os rendida, como se não conseguisse compreender como é possível que da terra nasça um ser vivo tão incrivelmente perfeito.
Por todo o lado as flores despontam, azuis, amarelas, cor de rosa. Não sei o nome de muitas delas.
A minha mãe sabe, estas plantas são-lhe familiares, diz muitas vezes que a vegetação aqui é parecida com a da Arrábida. A ver se amanhã lhe pergunto qual o nome desta. Pensava que fosse sálvia mas fiz uma pesquisa e não me parece.
Aparecem por todo o lado, pés isolados junto ao tronco dos pinheiros ou em tufos no meio do tojo ou do alecrim ou, ainda, junto às figueiras.
E eu capto-as, como se fossem elegantes bailarinas, perfeitas, em frente de um cenário que se anula para as deixar brilhar.
Os pinheiros estão também numa euforia, lançam despudorados espigões dourados ao céu. Alegro-me, sei que isso corresponde à altura que vão ganhar, é de dar gosto ver como se desenvolvem de forma tão festiva.
Nestes dias de calor, o perfume dos pinheiros torna-se quase intenso mas é um intenso não agressivo, é suave, e, mais à frente, junto aos eucaliptos, o ar fica ainda mais perfumado, um cheiro tão bom a campo, a pureza, a bondade.
Quando aqui estou, tudo em mim é leveza, é disponibilidade para o encantamento. Maravilho-me com os caminhos cobertos de caruma, maravilho-me com as abelhas numa azáfama sobre o alecrim que é, por estes dias, uma manta florida, maravilho-me com o tom ocre das rochas, maravilho-me com o tomilho rasteiro e delicado, com o rosmaninho, com o ouro feérico das flores do tojo, maravilho-me com a luz dourada e com o desenho das sombras.
Peguei numa toalha turca macia e numa almofada e fui ler para um dos bancos de pedra que está sob o enorme pinheiro. Levei um livro. E senti-me imensamente feliz.
O chão está coberto de caruma, o muro tem desenhados os arabescos de sombra dos ramos do pinheiro, o calor aqui é suave, abrigado. Gosto tanto de aqui estar deitada, sentir o sol na minha pele. Dormir aqui é tão bom. Dormi. De facto, apenas li sobre a Biblioteca de Alexandria e Zenódoto, depois adormeci.
Sobre mim, lá bem alto, as ramagens do pinheiro. É como um tecto feito de céu e véus feitos de ramos de pinheiro. E pássaros. E como cantam...
Gosto de ali estar a ouvir os sons do campo: os pássaros, as abelhas, um cão que ladra ao longe, um sino que toca algures na serra ao fundo. Eu podia viver assim grande parte da minha vida, no campo, a ouvir os sons da natureza, a contemplar a beleza intocada.
Mas porque este domingo há outros afazeres, e vamos estar com os meus pais e a minha mãe vai poder estar outra vez divertida com as crianças, viemo-nos embora ao entardecer.
Na casa ao fundo da rua, os cavalos dourados passeavam devagar, felizes também.
São dóceis os cavalos, belos e dignos. Por vezes, à noite, ouço-os correndo na estrada e esse som arrepia-me, há qualquer coisa de misterioso no som de cavalos correndo na noite.
Somos uma espécie que não merece viver. Destruímos muitas outras espécies, estamos a estragar o planeta. A nossa espécie será aniquilada pelos próprios actos que provocou. Mas descobri que as outras espécies são tão importantes como a minha, que as formigas são tão ou mais importantes no planeta que o ser humano; as baleias e os gaviões também. Estou dentro de uma escala de espécies, pertenço ao grupo dos animais. Que a minha espécie desapareça, não provoca nenhuma mudança má no planeta; pelo contrário, o planeta será reconstruído de uma outra forma, provavelmente melhor. Os dinossauros – outra espécie dominante e agressiva – durante 150 milhões de anos e desapareceram. (…) o planeta é muito sábio e é capaz de se refazer. Eu não acredito em Deus, sou ateu. Mas acredito numa ordem geral das coisas. Acredito que a inteligência que se desenvolveu nestes biliões de anos de evolução é uma inteligência maior e que a evolução é uma coisa fabulosa. (…)
Ao concentrarmo-nos nos centros urbanos, ao vivermos nas cidades, já nos retirámos do planeta. Não conhecemos mais os pássaros ou as árvores, não sabemos distinguir uma ave macho de uma ave fêmea, ignoramos o ciclo da vida.
Aparecem por todo o lado, pés isolados junto ao tronco dos pinheiros ou em tufos no meio do tojo ou do alecrim ou, ainda, junto às figueiras.
E eu capto-as, como se fossem elegantes bailarinas, perfeitas, em frente de um cenário que se anula para as deixar brilhar.
Os pinheiros estão também numa euforia, lançam despudorados espigões dourados ao céu. Alegro-me, sei que isso corresponde à altura que vão ganhar, é de dar gosto ver como se desenvolvem de forma tão festiva.
Nestes dias de calor, o perfume dos pinheiros torna-se quase intenso mas é um intenso não agressivo, é suave, e, mais à frente, junto aos eucaliptos, o ar fica ainda mais perfumado, um cheiro tão bom a campo, a pureza, a bondade.
Quando aqui estou, tudo em mim é leveza, é disponibilidade para o encantamento. Maravilho-me com os caminhos cobertos de caruma, maravilho-me com as abelhas numa azáfama sobre o alecrim que é, por estes dias, uma manta florida, maravilho-me com o tom ocre das rochas, maravilho-me com o tomilho rasteiro e delicado, com o rosmaninho, com o ouro feérico das flores do tojo, maravilho-me com a luz dourada e com o desenho das sombras.
Peguei numa toalha turca macia e numa almofada e fui ler para um dos bancos de pedra que está sob o enorme pinheiro. Levei um livro. E senti-me imensamente feliz.
O chão está coberto de caruma, o muro tem desenhados os arabescos de sombra dos ramos do pinheiro, o calor aqui é suave, abrigado. Gosto tanto de aqui estar deitada, sentir o sol na minha pele. Dormir aqui é tão bom. Dormi. De facto, apenas li sobre a Biblioteca de Alexandria e Zenódoto, depois adormeci.
Sobre mim, lá bem alto, as ramagens do pinheiro. É como um tecto feito de céu e véus feitos de ramos de pinheiro. E pássaros. E como cantam...
Gosto de ali estar a ouvir os sons do campo: os pássaros, as abelhas, um cão que ladra ao longe, um sino que toca algures na serra ao fundo. Eu podia viver assim grande parte da minha vida, no campo, a ouvir os sons da natureza, a contemplar a beleza intocada.
Mas porque este domingo há outros afazeres, e vamos estar com os meus pais e a minha mãe vai poder estar outra vez divertida com as crianças, viemo-nos embora ao entardecer.
Na casa ao fundo da rua, os cavalos dourados passeavam devagar, felizes também.
São dóceis os cavalos, belos e dignos. Por vezes, à noite, ouço-os correndo na estrada e esse som arrepia-me, há qualquer coisa de misterioso no som de cavalos correndo na noite.
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Agora, ao escrever, lembrei-me da magnífica entrevista que Sebastião Salgado concedeu a Jorge Calado e que apareceu na revista E (do Expresso) da semana passada a propósito da exposição Génesis que vai abrir a 10 de Abril na Cordoaria Nacional em Lisboa - e que, como ali se diz, é uma 'declaração de amor à natureza'.
Transcrevo um pouco:
Ao concentrarmo-nos nos centros urbanos, ao vivermos nas cidades, já nos retirámos do planeta. Não conhecemos mais os pássaros ou as árvores, não sabemos distinguir uma ave macho de uma ave fêmea, ignoramos o ciclo da vida.
Gaivota sobre o Tejo, Lisboa logo ali |
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Esse homem velhíssimo não se resignaria nunca a prescindir do amor. Amava as flores. No meio da sua solidão tinha vasos de orquídeas
[excerto de 'Estilo' de Herberto Helder e que faz parte do belo artigo de Ana Cristina Leonardo também da revista do Expresso da semana passada]
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As fotografias foram feitas este sábado - de tarde as do campo in heaven; de manhãzinha, a última no Ginjal.
A música é Veni Creator Spiritus - Hildegard von Bingen
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Permitam que vos diga que, descendo, encontrarão coelhões da páscoa, avozinhas maltratadas, religiões e humor à mistura.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo.
E que seja o início de um período de ressurreição, de esperança, de vida nova.
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2 comentários:
Lindíssimo texto e belas fotografias, estimada UJM.
Que Paraíso !
Bom Domingo de Páscoa para si e sua Família.
Melhores Cumprimentos
Vitor
e para quem renasce todas as primaveras...
Soneto de aniversário
Vinicius de Moraes
Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.
Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.
Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.
E eu te direi: amiga minha, esquece...
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.
(Rio, 1942)
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