Os dias andam incertos. Uns dias quentes de sol, e logo outros cinzentos, frios. Parece que isto deixa uma camada de desalento sobre as coisas, uma neurastenia que parece coalhar-se sobre tudo.
Lê-se os jornais e poucas notícias boas se encontram. Ainda lá aparece uma ou outra paródia mas coisa pouca que até parece deslocada.
As notícias falam de mulheres mortas por qualquer motivo. Não se percebe como é que toda a gente tem uma arma. E como é que tanta gente tem tanta violência dentro de si. Pode uma pessoa amar outra e, porque se sente contrariada, esquecer esse amor e deixar que o que antes era um bom sentimento se transforme em raiva, violência, desatino? A mim custa-me perceber isso, acho que temos que nos agarrar ao que temos de bom e não deixar que o que de pior aparece se sobreponha a tudo – mas a verdade é que a natureza humana tem buracos negros e, sem explicação, deles saem demónios acossados que, sem controlo, destroem tudo à sua passagem.
Marta Nogueira, 21 anos, Joana Nogueira, 23. Primas. Anteontem de manhã, na pastelaria onde trabalhavam, no Pinhão, Trás--os-Montes, um homem entrou e apontou a arma para matar, para apagar, para desfigurar: cara, pescoço, cabeça. Joana morreu, Marta está em coma. Os jornais - este jornal - titulam: "Ciúme levou Manuel a disparar." Manuel, parece, tivera namoro com Marta. O crime passa logo, então, à categoria "passional". Como quem diz de amor, de sentimento, "que levam a".
É sempre assim: homem mata mulher? Coitado, gostava demasiado dela, e ela ou o "deixou", ou ele tinha medo que ela o "deixasse", ou ela "portava-se mal", ou ele tinha medo que ela se "portasse mal". Mesmo, note-se, quando uma das mortas é prima do alegado objeto de amor; estamos perante o crime passional por afinidade. Porque será, então, que o homicídio do bebé de 5 meses que o pai esfaqueou há uma semana depois, diz-se, de ligar à mãe da criança a ameaçá-la, não é "de paixão"? Será porque a desculpabilização implícita, a "naturalização" e "contextualização" que induz, não é aceitável na morte de crianças? Porque nada pode justificar que se mate uma criança enquanto uma mulher, tantas mulheres, é outra coisa? (...)
A desculpabilização "passional" substituiu a da "honra"; subsiste a ideia de que "elas dão motivos" - como diziam os que à porta do tribunal aplaudiam Palito, o homem que há exatamente um ano, a 17 de abril de 2014, matou a ex-sogra e a irmã desta e feriu a ex-mulher e a própria filha: "Lá teve as suas razões." A própria justiça o admite, em acórdãos vergonhosos nos quais nunca se invoca isso que o Brasil no mês passado tipificou no Código Penal como feminicídio - o ódio às mulheres que mata. Cá não, é por amor. Em 15 semanas de 2015, já foram, de tão amadas, mortas onze. Somos assim românticos.
Este ano já vai em 11 mulheres. E crianças. Até contra crianças esta onda de violência se está a abater. E vizinhos que matam os que antes eram amigos. Ou mortes por engano. Não sei se as televisões e jornais deveriam divulgar isto. Esta violência quase parece uma praga que está a espalhar-se sobre as pessoas. Talvez se fosse ocultada fosse mais fácil contê-la.
E mesmo quando não há esta violência física levada ao extremo há violência verbal, escrita. E está por todo o lado, onde menos se espera.
Manuel Maria Carrilho nem sei a que propósito saíu do buraco em que, com as suas atitutes, se tinha enfiado para propor que o PS, o seu partido, expulse Sócrates, um seu correlegionário.
Fazendo-o, menoriza-se ainda mais perante a opinião pública, aparecendo a pretender exercer um ajuste de contas contra uma pessoa por quem sempre mostrou não ter apreço e que, estando presa, está numa posição de fragilidade.
Mas menorizam-se também as outras pessoas do partido - como, por exemplo, a deputada Isabel Moreira - que aparecem para o atacar a ele, como se também não fossem seus correlegionários, usando expressões relacionadas com o triste caso de violência doméstica em que ele está envolvido e usando outras expressões desagradáveis, deselegantes, com uma desconfortável carga de agressividade. E o que fica é o sarro da maldade humana que, a toda a hora, parece pronta a saltar cá para fora.
E é só disto. Em vão percorro os jornais tentando descobrir notícias boas. Mas só vejo coisas estranhas.
Volto a percorrer os jornais. Hei-de encontrar uma notícia boa. Mas não. Só coisas tristes que me deixam ainda mais triste.
Não encontrei boas notícias. Pode ser que esta sexta-feira alguma coisa boa surja. Milagres. Boas notícias. Tomara.
Até descobri que no outro dia foi o Dia do Beijo e nem dei por isso. Não ligo a isso de Dias de mas o Dia do Beijo talvez merecesse aqui uma celebraçãozita. Para tentar compensar, adocei este texto com uma canção que fala de um beijo. Não é a versão de Armstrong mas de Al Somma - A Kiss to build a dream on.
Também para não sobrecarregar ainda mais o texto, resolvi não usar imagens alusivas ao que lá se diz mas, sim, imagens sem nada a ver. Escolhi fotografias tiradas por Tim Walker para a Vogue. A vida já está suficientemente cinzenta para que tenhamos que contribuir ainda mais para isso. Um pouco de rêverie para introduzir aqui algum oxigénio, foi o que resolvi.
Agora é o Governo a fazer de conta que está a começar um mandato e a aparecer com medidas para os próximos quatro anos. Que nos próximos quatro anos repõe ordenados, que acaba com a taxa extraordinária, sei lá. Uma anormalidade. Uma demagogia completamente obnóxia que corrói a dignidade de quem assiste a isto. Como se não estivessem para ocorrer eleições dentro de meses. Mas depois quem é que eu vejo a denunciar a má fé desta gente? O PS...? Não, qual quê. O PS deixou de existir, só aparecem para dar pretextos de achincalhamento à coligação e aos comentadores. Quem eu vejo a fazer oposição a sério e este governo indigente é Manuela Ferreira Leite e Pacheco Pereira.
Volto a percorrer os jornais. Hei-de encontrar uma notícia boa. Mas não. Só coisas tristes que me deixam ainda mais triste.
Um barco vindo da Líbia com cerca de 100 emigrantes clandestinos chegou à Sicília. De África, para a Europa. Na viagem, de muito os desesperados não sabiam: se chegavam, e, se chegados, seriam recebidos, e, se recebidos, quanto tempo passariam num campo de trânsito, e, se um dia entrassem mesmo na Europa, encontrariam trabalho, direitos e vida normal que justificassem o risco... Mas sabiam que a viagem era de África para a Europa. Por favor, deixem-me ficar com esse dado simples, porque não tenho soluções para o grande drama que é a fuga de desesperados de África e para o problema que é chegada à Europa de imigrantes clandestinos. Sei o que é compaixão, mas não tenho soluções para os desesperados africanos, sei o que é bom senso, mas não tenho respostas para os assustados europeus - resumindo, para o grande problema não valho nada. Por isso não o trago para aqui. O que trago é aquele barco de 100 passageiros clandestinos entre a Líbia e a Sicília e um pormenor terrível que lhe aconteceu. Diziam os jornais italianos, ontem, que 15 passageiros foram presos por terem deitado ao mar 12 passageiros. E que quem matou era muçulmano e quem morreu era cristão. E que, segundo vários testemunhos, foram motivos religiosos que levaram aos assassínios. Volto ao pequeno saber por todos conhecido, incluindo os 15 alegados assassinos: o destino da viagem, a terra de acolho, era a Europa. Além das mortes, há nisto qualquer coisa extraordinária.
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Até descobri que no outro dia foi o Dia do Beijo e nem dei por isso. Não ligo a isso de Dias de mas o Dia do Beijo talvez merecesse aqui uma celebraçãozita. Para tentar compensar, adocei este texto com uma canção que fala de um beijo. Não é a versão de Armstrong mas de Al Somma - A Kiss to build a dream on.
Também para não sobrecarregar ainda mais o texto, resolvi não usar imagens alusivas ao que lá se diz mas, sim, imagens sem nada a ver. Escolhi fotografias tiradas por Tim Walker para a Vogue. A vida já está suficientemente cinzenta para que tenhamos que contribuir ainda mais para isso. Um pouco de rêverie para introduzir aqui algum oxigénio, foi o que resolvi.
O primeiro texto em itálico é parte da crónica de Fernanda Câncio para o DN, Ódio de Estimação.
O segundo é a crónica de Ferreira Fernandes para o mesmo DN, intitulada Há nisto qualquer coisa extraordinária.
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Permitam que vos diga que, no post abaixo, há um poema dito pela voz que melhor os diz: "A Psalm of Life" de Henry Wadsworth Longfellow (lido por Tom O'Bedlam)
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta-feira.
Vivida em paz e harmonia.
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4 comentários:
Tem toda a razão, estimada UJM !
Melhores Cumprimentos,
Vitor
Estas tragédias são preocupantes e chocam-me. Não sei se estamos a ficar um povo mais violento, ou se sempre assim fomos embora agora se dê mais publicidade mórbida a estes casos para vender jornais e tempo de antena das TVs. Creio também que alguns valores se foram perdendo, desde há umas 3 décadas, ou menos, a esta parte. Há menos cultura, menos educação, mais futebol (desporto onde a boçalidade é maior), mais programas tipo Teresa Guilherme, mais novelas, tudo o que é do mais apelativo para este povo que se afunda culturalmente ao apreciar estes espectáculos, etc. Aquilo que Fernanda Câncio escreveu é não só verdade, esse Código Penal era assim mesmo (o Salazarismo foi muito mais do que uma Ditadura, foi uma monstruosidade de desigualdades, como esta no plano da Mulher e Familiar), como muito pertinente. Quanto às medidas anunciadas pelo abjecto governo são de uma demagogia insultuosa, uma provocação à inteligência dos eleitores. Como se não bastasse, leio ainda que estes ordinários, como o Passos, Portas, Albuquerque, Mota Soares, se preparam para propor ainda mais cortes nas pensões. Um Parido como o CDS que se diz (mentirosamente) defender os tais pensionistas, era dar uma potente bofetada na cara do Portas e Mota Soares. Permite-se que banqueiros, como foi o caso recente da administração do BPI, encham os bolsos com mais uns tantos milhões (no que deveriam ter sido taxados em 70% pelo fisco, sobre esses rendimentos), embora reduzam salários aos funcionários, e mantenham um IRC baixo, o Estado retire 600 milhões à Saúde para entregar cerca de 500m aos hospitais privados. Este governo, para além de canalha, é um governo de gente cobarde. Atacar os rendimentos dos mais debilitados e fragilizados, económica e socialmente, é de biltre, que é o que este governo é. Mas, o povo tem o que merece. O PSD já subiu e quer Passos, quer Portas subiram também. Apetece é um tipo embarcar de avião e manda-lo à bardamerda! E o PS existe? A intervenção de Ferro Rodrigues na AR até meteu pena, de brando. Valha-nos a Catarina Martins e o Jerónimo de Sousa, naquele parlamento!
P.Rufino
Que post assertivo. Parabéns!
É verdade, querida Jeitinho, atravessamos uma fase muito dificil. Se não nos acautelarmos acabamos numa profunda depressão.
Nos jornais não encontramos nada de animador, nas tvs mastigam-se maioritariamente medidas governamentais estupidas e facistas em interminaveis debates que nada elucidam ou adiantam.
Em reuniões de amigos comentam-se doenças e as condições dos nossos SNS, cujos profissionais fazem das tripas coração e lutam todos os dias com reduções de custos, mesmo que isso implique que todos os doentes intervencionados venham para casa lutar contra bacterias apanhadas nos blocos operatorios.
As medidas dos nossos governantes são de uma inconsciencia criminosa ou melhor, querem objectivamente matar-nos a todos.
Depois de ter fugido dele, peguei a sério no livro sobre o Clube Secreto dos Poderosos, os Planos Ocultos de Bilderberg de Cristina Martin Jiménez e encontro tantas verdades que já não lhe chamo especulação de jornalista.
Resta-nos arranjar forças para dar às crianças e jovens a ideia de que vale a pena, de que tudo vai correr bem e muitas vezes com isto encontramos esperança para continuar a acreditar num mundo melhor.
Um bom fim de semana na companhia de todos os seus e carregue baterias desfrutando dos alegres pimentinhas.
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