No post abaixo falei dos gregos, dos croatas, da Merkel que está toda tef-tef-margarida, com medo de enfrentar o Alexis a solo, e dos croatas que também fizeram uma que não lembrava ao careca (quanto mais aos láparos desta vida).
Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.
Hoje tive na mão um pequeno livro mas não era bem um livro, era uma folha dobrada com pequenas gravuras. As gravuras eram delicadas, acho que eram japonesas, flores, pequenos montes, um rio, um pequeno barco, a sombra de uma árvore. O verso dessa grande folha dobrada era branco e eu pensei que poderia aproveitá-lo para escrever coisas. Mas depois pensei que não poderiam ser coisas minhas porque eu escrevo demais e para caberem ali tinham que ser aforismos, palavras sopradas, pequenos poemas. Pensei que poderia escolher palavras lidas por aí mas teria que as transcrever e ali ficaria bem uma escrita a caneta de aparo e lembrei-me das canetas de aparo mas não sei se ainda tenho alguma, talvez na escrivaninha ainda as haja, mas não tenho tinta, aqueles pequenos tinteiros, e o que eu gostava da cor azul, tão alegre mas, ao mesmo tempo, como que suave. Nem tenho uma letra desenhada. A minha mãe sabe fazer letra desenhada mas eu não. Depois pensei que poderia deixar o papel branco, assim mesmo.
Essa folha estava dentro de uma pequena caixa dourada em papel muito suave. E eu pensei que a caixa era tão bonita que nem deveria tirar o papel das gravuras lá de dentro, deveria ser uma caixa dourada com um papel com gravuras lá dentro.
Depois pensei, mas para que quero eu uma caixa dourada com um papel dobrado com gravuras? e não trouxe. Custava vinte euros e eu pensei que tenho andado a gastar tanto dinheiro em livros e logo este que nem era um livro a sério, que mais valia não o trazer. Voltei atrás e fui lá colocá-lo de novo. Mas agora tanto que eu queria sentir a seda dourada da caixa e ver as gravuras de jardins de bétulas, lagos com suaves barquinhos, cores inocentes, desenhos tão delicados, uma filigrana colorida e elegante, e não posso. Achei que não valia a pena, que não valia os vinte euros, e agora acho que eu é que não mereci aquela caixinha tão preciosa.
Acontece isto por vezes, atravessamos apressadamente os dias, presos aos hábitos, não nos desviando do que nos é familiar, não arriscando no que é diferente, não valorizando o que é simples. Tanto que eu gostava de agora estar a escrever e a ver o desenho de um jardim, de um lago, de um barco, de uma nuvem e depois levantar as mãos do teclado e ir acariciar a seda dourada da caixinha.
Gostava de esta noite sonhar que de manhã ia acordar junto a um lago transparente, onde se reflectiriam árvores transparentes, e que teria à minha volta muitas caixinhas douradas, umas com gravuras, outras com palavras, outras com pássaros inventados, outras com o reflexo de árvores transparentes numa água muito azul, outras, muitas, com sonhos.
Pode ser. Quem sabe? Tenho sempre sonhos tão bons.
e havia os canaviais em seu estouvamento
agitava-os a brisa num ondular mais lento
e às vezes desgrenhava-os um furioso vento
e era além dessa margem que tu tinhas assento
lá onde te buscava o meu contentamento.
eu estou na casa das nuvens
do terraço faço cais
passa uma nuvem e outra
e mais outra e vêm mais
quero apanhar uma delas
mas não sei em qual tu vais
chega a uma das janelas
e daí faz-me sinais
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O primeiro poema (incompleto - porque não quis aqui transcrever a parte do desalento com que termina) é 'allegretto' e o segundo é 'sinais', ambos de Vasco Graça Moura in O caderno da Casa das Nuvens.
A música é Après un Rêve de Gabriel Fauré.
As fotografias são de Kent Shiraishi
A cena da caixa dourada não é história, infelizmente é mesmo verdade.
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Permitam que relembre: sobre as rajadas de suão que assolam a empoeirada casa europeia, deixando assustada a bardajona e seu fiel séquito de láparos e papagaios mortos falo já a seguir.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira.
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1 comentário:
A Merkel tem fala de sentido de Estado. Além de ser arrogante. Está habituada ao tapete que é o Passos.
P.Rufino
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