quarta-feira, fevereiro 04, 2015

Não rir ou ter rugas? - São opções antagónicas? Não sabia mas a verdade é que Tess Christian optou pela primeira opção: há 40 anos que não ri. Tem o ar de uma mulher de meia idade infeliz mas, afinal, parece que está feliz porque, diz ela, não tem rugas. Ele há com cada maluco, caraças!


No post abaixo já falei das respostas de Sócrates, a partir da prisão de Évora, às perguntas da SIC. Se era necessário o homem estar detido... Estamos a aproximar-nos do Carnaval e o que o Procurador Rosarinho e o Super Jugde Alex estão a conseguir é demonstrar à saciedade como é fácil, em Portugal, transformar o exercício da justiça num desfile alegórico à palhaçada. Sócrates não se cala e faz ele muito bem. A pouca vergonha nos jornais com fugas de informação não pára e é mais do que razoável que ele se sinta no direito de se defender. 

Mas, enfim, sobre isso falo no post a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.




E música, e da boa, que é para o post valer a pena

The Brian Blade Fellowship - Lifeline




Quando comecei a trabalhar numa empresa estranhei muito todo aquele mundo. Já aqui falei algumas vezes. Saída da faculdade e vinda de dar aulas no ensino secundário, toda eu era informalidade. Não tinha apenas que ver com a minha idade já que em todas as idades e meios há pessoas que têm um porte formal; mas eu não, eu sou naturalmente informal. 

Espanto-me quando me dizem que, antes de me conhecerem, me acham distante, inacessível mesmo, mas que essa ideia se esbate quando começam a conviver comigo. Não me vejo distante e inacessível para ninguém mas talvez seja porque sou também naturalmente desprendida ou distraída pelo que acho que não reparo em quem não conheço ou não me desperta atenção.

Portanto, comecei a trabalhar num edifício enorme, com muitos andares, muitas secretárias (de duas pernas), muito pessoal administrativo, chefes e sub-chefes de secção, quadros superiores e não quadros, e toda essas categorias profissionais cuja nomenclatura me era estranha. Os administradores, directores e praticamente quase todos os quadros superiores eram homens. Eu jovem mulher informal fui uma avezita que ali caíu.

Nunca fiz qualquer esforço para ser aceite nem nunca tentei formatar-me para melhor me ajustar. De certa forma, era ave rara. Curiosamente sempre fui bem aceite. Mas a história de que vou falar, se é que lhe posso chamar história, não tem a ver com isso. A história tem a ver com as senhoras que lá encontrei. Grande parte delas parecia ter idade para ser minha mãe ou para lá caminhar e, mesmo que mais novas, parecia-me que tentavam parecer-se todas umas com as outras.

Anos depois, já eu tinha sido nomeada directora, uma jovem mulher entre tantos homens maduros, já a coisa era diferente. Numa grande sala em open space em que trabalhava parte da minha equipa, eu tinha criado zonas de trabalho com mesas de reunião e era frequente juntar-se lá mais gente para além dos meus. Nessa altura trabalhavam comigo umas três mulheres da minha idade e essas já não pertenciam à geração das bem-vestidas todas iguais. Estas, pelo contrário, eram todas modernaças, uma delas a atirar para o vamp, toda ela hollywood e glamour. Usavam, então, mini-saias, vestidos justos, alguns bem decotados. Costumava também lá estar uma estagiária que mais tarde ingressou nos quadros e que era uma coisa do outro mundo. Usava umas saias ultra curtas de lycra que lhe amarinhavam pelas nádegas acima e que a obrigavam a ter que estar sempre a tentar compor-se, puxando a saia pela bainha a ver se cobria ao menos as virilhas. Outras vezes usava um vestido amarelo, igualmente curto, com decote atrás, em V, aberto até à cintura, uma coisa que deixava os homens com vontade de espreitar pelos lados, por cima e por baixo, tal o aparato. Havia um chefe da Contabilidade, senhor quase a reformar-se, que dizia que gostava de ir trabalhar ou ter reuniões para aquela sala pois era quase como se estivesse no Meco (para quem não sabe, é uma praia em que se pratica nudismo). Imaginam, vocês, portanto, o que era aquilo. No verão vinham bronzeadas, descascadas, a cheirar a protector solar. Eram tempos em que não passava pela cabeça impor um dress code. Valia tudo. E trabalhava-se a sério, com motivação. Era a verdadeira alegria no trabalho.

Uma delas veio a embeiçar-se pelo que era o meu melhor amigo e que ia lá ter comigo frequentemente. Tiveram um caso muito sério e agora vivem juntos e serão, com certeza, felizes para sempre.

Mas também não era disto que eu queria falar.

Queria falar de uma Secção, como então se chamava, que era só de senhoras, todas elas uma simpatia, quase maternais para comigo. Anos mais tarde, eu já noutras funções, vim a chefiá-las. Uma reformou-se pouco depois, outra uns anos a seguir e outras continuaram. Mas aquela de quem quero falar saíu antes de eu as chefiar (acho eu, já foi há algum tempo e tanta gente tem passado pela minha vida que há pormenores que já não retenho). 

A senhora de quem quero falar tinha um curso superior (e ainda deve ter pois presumo que esteja viva e igual ao que era à data). Tinha um filho e uma neta. 

Mãe e filha

Era uma pessoa de uma elegância superlativa. Fisicamente elegante, nem um grama a mais, roupa e calçado sempre impecável, daquelas mulheres de quem se diz que é ‘fina’. Sempre com carteiras do mais chique que se podia imaginar, sempre muito bem maquilhada, os lábios sempre como que acabados de pintar, unhas sempre pintadas de fresco, cabelo sempre inalteravelmente arranjado. Sempre admiti que todos os dias, antes de ir trabalhar, ela passasse por um salão de beleza. 

Quando comecei a trabalhar eu diria que ela devia andar perto dos cinquenta mas muito bem conservada. Muitos anos depois eu diria que tinha exactamente a mesma idade.

Nem uma ruga, a pele translúcida, lisa.

Mas tinha uma particularidade - e por isso me lembrei dela hoje. Nunca se ria para não ficar com rugas. Tinha, até, algum sentido de humor mas não passava de um leve esboço de sorriso. Também não se baixava para não incentivar a força da gravidade. Se alguma coisa lhe caía ao chão, ou pedia ajuda ou arranjava uma curiosa posição de lado para as carnes da cara não despencarem. Mas nem havia esse risco pois quase não tinha carne na cara. Não sendo magra, era seca de carnes e era de cara miúda.

Por essa altura eu tinha um colega que era um pândego, que me levava às lágrimas e que era o chefe delas. Aconteceu-me estar por lá, ele dizer das dele, toda a gente se desmanchar a rir e ela, quase aflita, apenas vagamente sorrindo, com a mão à frente da boca como que a impedir a boca de se abrir numa gargalhada.

Toda a gente gozava abertamente com ela mas nada que a atrapalhasse. Dizia claramente que tudo faria para evitar ter cara de velha, que a assustava a perspectiva de se ver com pele engelhada, papos, rugas de expressão.  Por mais que toda a gente lhe perguntasse que graça tinha a vida sem a alegria de uma boa gargalhada, ela nunca vacilou. Parecia querer ficar congelada no tempo. As feições foram-se alterando, via-se que não era uma menina mas ela olhava-se ao espelho e via-se com pele de adolescente, achando que o esforço que fazia era largamente compensado.

Ora bem, vem isto a propósito de uma notícia que li: Tess Christian, agora com 50 anos, há 40 anos que não se ri para não ter rugas. Diz que nem quando a filha nasceu se riu. As fotografias que aqui coloquei são dela. Diria eu que deve ter tido uma vida bem desconsolada para estar no estado em que a vemos mas, enfim, ela lá sabe. É que a gente olha e o que vê é uma mulher triste de meia idade. No entanto ela, ao ver-se ao espelho, deve ver uma menina de quinze, deve achar que tem valido a pena não rir para estar como está. Tal como aquela outra minha colega. Há gente para tudo. Fazer o quê?


Eu, cá por mim, vou continuar a rir que nem uma perdida que é como me sinto feliz. Quero lá eu saber das rugas, ora.
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Para ler sobre Sócrates e as respostas que enviou para a SIC a partir da Cadeia de Évora é descer até ao post já a seguir.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quarta-feira.

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2 comentários:

Anónimo disse...

Estas tipinhas não batem bem da bola!
P.Rufino

ECD disse...

... e Catherine Deneuve há seguramente 60 anos!