domingo, fevereiro 01, 2015

Volúpia de ser o sonho de alguém









rosa, pura contradição,
volúpia de ser o sonho de ninguém
sob tantas pálpebras

rainer maria rilke

entre o sol e a lua, as gardénias e as sombras,
entre as voltas que o mundo dá e as voltas que há-de dar,
o correr alvoroçado das monções,
e uma moldura radiante do arco-íris,

entre tudo e nada, uma emoção de penumbras, uma arte
do conhecimento do mundo e o perecível
bater do coração, do impaciente coração alerta, entre
medida e desmedida, lembrança e deslembrança,

entre o que se insinua estremecendo, entrecortando,
entrelaçando vista, gosto, tacto, ouvido,
cheiro, saliva e sexo e as lágrimas e as cigarras obstinadas
de uma noite de verão, às altas horas marteladas

em dobras de veludo, tépidas, morosas,
horas furtivas do fantástico esfuziar das plantas,
ao som rouco de um blues, entre o modelar
das palavras comovidas em lilás e azul e de todas as

rosas emaranhadas, rodopiando na húmida volúpia
da sua pura contradição, dos seus
sonhos de ninguém sob tantas
pálpebras, entre tanta incandescência

e tanto doce encantamento e tanta intensa expectativa, para
se caminhar nas nuvens, meu amor, entre
viver e morrer, entre lamentos e destino, percorrer
um caminho de ardósia por entre os limoeiros e ficar lá,

onde as arcadas se multiplicam ao sabor dos citrinos e do vento,
a ouvir nina simone até ao âmago das sílabas de agosto,
sabendo que começa aí a liberdade
na sua terna e frágil segurança,




____


O poema é 'ouvir nina simone' de Vasco Graça Moura in 'O Caderno da Casa das Nuvens'

Nina Simone interpreta Little girl blue

Fotografias de James Houston

...

1 comentário:

Rosa Pinto disse...

Volúpia
No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

Beijinho