No post abaixo já disse, a quente, o que pensava do resultado das eleições gregas. Escrevi-o enquanto ouvia o datado (datado, não dotado) Marcelo Rebelo de Sousa, sempre cheio de truques na argumentação, tacticismos puídos, habilidades verbais esfiapadas. Ouço-o e já me parece uma caricatura dele próprio. Para comentar a vitória do Syriza engendrou uma narrativa que metia amigos a telefonarem-lhe e mais a teoria do dominó e a teoria já nem me lembro de quê, mas é indiferente porque o Alexis Tsipras se está nas tintas para as teorias dos amigos do Marcelo e porque, a bem dizer, a gente já começa a estar farta de tanto rodriguinho opinativo. O mundo é outro, as pessoas estão fartas de tanta conversa fiada. Falo no plural e devia falar por mim mas a verdade é que acho que este é um sentimento generalizado.
Quem, como eu, sempre achou que a política seguida nos últimos três, quatro anos é uma palhaçada que só ia dar em pobreza e que só ia contribuir para aumentar a sacrossanta dívida, é com revolta que olha para o desperdício que foram estes tempos.
Para os incautos e ingénuos que acreditaram que era com uma dose cavalar que se ia curar a saúde nem sei do quê, deve ser uma decepção perceber como foram enganados.
Para todos que ao longo destes anos andámos a ouvir o que as televisões nos vêm impingindo, com justificações rocambolescas que justificam uma coisa e o seu contrário, acho que já chega.
Para todos que ao longo destes anos andámos a ouvir o que as televisões nos vêm impingindo, com justificações rocambolescas que justificam uma coisa e o seu contrário, acho que já chega.
Por isso, é mais do que tempo de virar a página e tomara que tenha mesmo sido a Grécia, a democrata e bela Grécia, a dar o primeiro passo.
Mas, enfim, sobre isso falo no post seguinte.
Aqui, agora, a conversa é outra. Rêveries.
Jardín de Monforte em Valencia, Espanha |
Se estiverem de acordo vamos com Sonia Wieder-Atherton
Song In Remembrance Of Schubert
Caminho sob um céu de flores e a rua está empedrada e as pedras já polidas de tão percorridas e a sombra está perfumada e a temperatura está amena e há um braço de homem que me ampara e não é de amparo que falo é de cumplicidade porque uma sombra perfumada numa rua empedrada convida a um abraço e eu quero percorrer todos os caminhos com um braço em volta dos meus ombros, uma presença que não precise de palavras e uma pressão dos dedos na minha anca e eu saberei sempre o que significa essa pressão e quero-a sempre junto a mim.
E eu não me lembro. Onde foi isto? Terá sido numa aldeia dos Picos da Europa, numa esplanada numa quente tarde de verão, ou em Saint-Malo, tanto que eu gostei de estar sentada à sombra junto às muralhas de Saint-Malo, ou no sul de França, quente, perante um mar azul, e o alfazema tão fresco e perfumado, ou naquela rua estreita de casas brancas onde no Balcon de la Virgen se bebia vinho e se ouviam histórias de todo o mundo? Não me lembro. Talvez tenha sido em todas. Mas, também, não me importa a geografia das memórias.
Não preciso de alibis para trazer a paixão para os dedos que escrevem estas palavras porque eles são livres tal como livres são as minhas memórias e os sonhos do que está ainda por ser vivido.
Não me detenho no passado. Se penso nele, logo quero que se mantenha presente e logo quero viver no futuro outras sensações, iguais ou ainda mais ternas.
Itália no verão. Florença. Quero lá estar num próximo verão. E Espanha. Voltar uma e outra vez a Donostia, San Sebastian, terra da felicidade, ou a Barcelona para comer pão com azeite e tomate à beira dos mares do sul. Ou a França. Comer ostras frescas, a saber a ondas salgadas, em Dinan. Ruas frescas, vasos suspensos nas pontes e nas paredes, flores, sorrisos, a leveza da aragem perfumada.
Hei-de visitar outras cidades e logo procurar pelos seus jardins e passear sob as sombras das suas grandes árvores porque é nas árvores que se guardam as memórias do tempo que passa e hei-de procurar as ruas estreitas, e as casas antigas em cujo coração se guardam segredos e tesouros, e os caminhos gastos porque por ali passaram aqueles que, como eu, querem da vida o mel, o riso, os abraços e beijos, as palavras partilhadas, ou simplesmente intuídas, adivinhadas. E hei-de olhar as janelas entreabertas onde se vivem mistérios, amores clandestinos, ou onde famílias se sentam em volta de grandes mesas, conversando alto, rindo, fazendo planos, recordando outros tempos.
Hei-de esperar por cartas, por palavras desconhecidas, hei-de conhecer o que a vida tem guardado para mim, hei-de ir lá, aos quartos frescos e perfumados, às esplanadas que se escondem sob um céu de flores, onde uma mão sobre a mesa agarrará a minha, onde um olhar se afogará no meu, cúmplice, tão cúmplice.
Molyvos, Lesvos, Greece |
E eu, que não sei soletrar a palavra saudade, bebo a água fresca do tempo presente querendo sempre que ele me leve até aos caminhos onde hei-de descobrir um sopro ainda mais suave, um arrepio gostoso na base da nuca, um afago doce no braço, um deslizar de dedos pelas costas, um indecente roçar a pele sob o cabelo que se espalha nos ombros, e que esses gestos se gravem em mim até ao fim dos meus dias e que a palavra mais limpa me apareça escrita como se tivesse sido inventada só para mim.
Para encontrar essa felicidade tão simples percorrerei todos os caminhos, irei até onde a brisa me traga notícias de ruas cobertas por flores, de esplanadas afáveis, de pedras do chão polidas por muitas mulheres procurando palavras, mulheres sonhadoras como eu, ou por desconhecidos solitários procurando um abrigo para os seus sonhos.
Para encontrar essa felicidade tão simples percorrerei todos os caminhos, irei até onde a brisa me traga notícias de ruas cobertas por flores, de esplanadas afáveis, de pedras do chão polidas por muitas mulheres procurando palavras, mulheres sonhadoras como eu, ou por desconhecidos solitários procurando um abrigo para os seus sonhos.
Nafplio, Peloponnese, Grécia |
Para receber a palavra mais sentida, a lágrima mais verdadeira, o abraço mais amigo, o beijo mais verdadeiro percorrerei todos os caminhos, procurarei a sombra de todas as ruas cobertas por glicínias lilases ou buganvílias de cores indecentes, espreitarei os mais secretos jardins, ouvirei contar histórias de anjos inventados e amantes voadores, sonharei os mais loucos sonhos, soltarei palavras ao vento, deixarei que se vão os pássaros loucos, que se apaguem tristezas, saudades, sentar-me-ei com um livro, com mil livros se necessário for, escutarei as vozes de quem passa ao longe e esperarei que se acerque de mim quem venha com palavras limpas, verdadeiras com a alma de uma criança.
Jerez, Espanha |
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As fotografias foram obtidas aqui numa página onde se podem ver as 15+ Of The World’s Most Magical Streets Shaded By Flowers And Trees.
The Japanese observe the spring blossoms as a part of hanami - the appreciation of the transient beauty, pode ler-se lá.
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Relembro: sobre a vitória do Syriza falo no post seguinte.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.
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3 comentários:
Que magníficas fotografias, de uma beleza extraordinária!
No Japão, por exemplo, a flor de cerejeira é um símbolo. Para quem ainda não foi lá e o puder fazer um dia, vale a pena uma visita àquele encantador país no início da Primavera, com as flores de cerejeira no seu esplendor.
Deixo aqui uma passagem da poesia de Machado de Assis, a propósito da flor:
“Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?”
P.Rufino
Lindas imagens.
Para Além da Curva da Estrada
Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Beijinho
vou levar o link deste post, para o meu facebook.
Obrigada pela partilha de tanta beleza.
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