sábado, dezembro 06, 2014

O grande corruptor


No post a seguir falo da linda cegarrega que a Poia Madura arranjou com a RTP, um regabofe de falta de liderança que até dá dó. Dou por mim a querer que o Da Ponte dê uma lição a essa Pulga infeliz e ao chefe dele, outro infeliz que tal. Mais abaixo há humor: um casamento dos tempos modernos e a consequência para as criancinhas.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.




Eu sei que há Leitores que acham que uma pessoa deve pisar e cuspir em cima de quem se não gosta e em relação a quem os justiceiros já traçaram o destino. Eu sei que há muita gente que pensa como o João Miguel Tavares: se muitos olharem para uma mulher, ela há-de acabar por engravidar e, portanto, se o Correio da Manhã, a Felícia Cabrita e a malta do Sol, e os das campanhas negras da JSD e o tal do CDS que fizeram a denúncia anónima e as confessadas campanhas negras na blogosfera e se há tanta gente que acha há muito tempo que Sócrates tem um ar arrogante, e se houve tanto investimento público e tal e se uma nota foi lançada a um domingo e se, ainda por cima, era colérico e mais não sei o quê, então forçosamente é culpado de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal.


Eu sei também que acham que eu perco a minha isenção se achar que uma pessoa só é culpada se for condenada e a condenação confirmada. Eu sei que acham que eu deveria ser daquelas que, se muita gente disser que uma certa mulher é bruxa, então é porque é e deve mesmo é ser de imediato enviada para a fogueira - e eu deveria alinhar e achar muito bem (como na altura em que isso acontecia, em que eram mais os que aplaudiam e calavam do que os que protestavam).

Eu sei.

Sei também que há quem ache que a gente deve deixar que ele, que foi duas vezes primeiro-ministro deste país, fique esquecido a apodrecer na prisão apesar de ainda não ter sido julgado e de não haver perigo de fuga ou de alarme social porque senão, falando dele, as pessoas cansam a sua sensível paciência.

Eu sei que não acham bem que, se eu não fiz finca pé pelo Isaltino, então porque me achaca agora a prisão de Sócrates?
Mas, não tenho ideia de Isaltino andar a ser passeado de carro pela cidade ao longo de três dias como um animal aprisionado, nem tenho ideia de que o tivessem mantido preso preventivamente sem que ainda estivessem reunidas investigações que o justificassem com os jornais a deixarem sair a conta-gotas informações para a opinião pública. 

Sei também que acham que se eu digo que, de tudo o que li, ainda não li nada que me deixe de pulga atrás da orelha, então estou a desculpabilizar antes de tempo - como se o normal fosse suspeitar, punir, queimar (e, se afinal não houver culpa, olha paciência, a Justiça também falha e, se a pessoa viu a sua vida desgraçada, azarinho o dela).

Acontece que o que eu digo por Sócrates, diria por si, Caro Leitor que se enfada, se o soubesse detido em público, a sua vida devassada nos jornais e televisões, humilhado, câmaras à frente da cadeia a interrogarem desaforadamente quem o fosse visitar - ainda antes de ser julgado. Não gosto de julgamentos antecipados, precipitados. Não gosto. Não gosto mesmo. Não gosto da perspectiva de meio mundo andar a ser escutado, seguido. O motorista de Sócrates foi escutado durante meses. toda a gente que se aproxima de Sócrates parece cair nessa teia de suspeição que justifica todas as devassas. E isso incomoda-me muito e impede-me de ficar calada - que eu hei-de eu fazer?

Um regime democrático não deve perseguir, escutar, deter os cidadãos a menos que eles sejam condenados pela Justiça (não pela comunicação social e não pela opinião pública). Temo os regimes justicialistas, mas ó senhores, temo mesmo. 


Entretanto, estando em casa há uma semana, tenho lido as notícias e fico perplexa: os jornais dizem-no culpado de corromper mas também acusado de ter sido corrompido embora não se saiba por quem. E leio que entre corromper e ser corrompido há sete crimes. Geralmente uma pessoa ou é um corruptor e paga luvas a outrem para ser beneficiado na sua actividade ou é corrompido para fazer o que o corruptor quer. Agora, pasmo, este é acusado das duas coisas ao mesmo tempo e várias vezes.

Depois leio um artigo no Público em que o jornalista Cerejo enuncia uma lista de várias casas, vários apartamentos, armazéns, terrenos e dinheiro que a mãe de Sócrates recebeu de herança para concluir que afinal não é assim tanto como isso (!). Pasmo com isto, agora até a herança da senhora é desvalorizada e nem se percebe a que propósito.

E leio ainda que, ao que parece, o dito Eng. Carlos Silva, amigo de infância, terá servido de avalista na compra do monte alentejano da ex-mulher de Sócrates, onde ela vive com o actual companheiro. Vai daí, se o senhor foi avalista, toca de associar isso a Sócrates que, às tantas, está a lavar dinheiro apesar de não se perceber como a partir do que se lê. Poeira, poeira, poeira.


Tudo escarrapachado nos jornais, fugas e fugas de informação: qual segredo de justiça?, qual decoro? - mas tudo coisas que parecem brincadeiras. Lido isto nos jornais, tais as parvoíces e as contradições, só apetece parodiar e já mil vezes tive vontade de vir para aqui chalacear este filme todo.

Mas não o faço. Seria criticada pelos meus Leitores que achariam que eu estaria  a ser tendenciosa e que deveria ficar era caladinha e o Sócrates que se dane.

Por isso, vou limitar-me a mostrar um vídeo com um corruptor muito pouco habilidoso.

Se Sócrates vier a ser julgado e condenado concluiremos que deve ser deste género: uma falta de jeito de gargalhada, malas com dinheiro à pacóvio, cenas macacas, vivia a estudar (em vez de andar a curtir em iates e viagens milionárias, como o Ricardo Araújo Pereira escreveu há dias) e a viver em casas emprestadas ou alugadas, sponsorizava de forma indirecta a casa onde a ex-mulher vive com o actual companheiro, etc, só generosidades ou nabices incompreensíveis.

Ou seja, a ser verdade, teria dado cabo da vida para, afinal, nem se perceber para quê. Aparentemente os luxos que se lhe conhecem não passam de almoçar bem de vez em quando ou vestir bem de vez em quando (e digo de vez em quando, já que as fotografias o mostram em Paris de jeans e casacão). Mas, caraças, a mesquinhez e o espírito persecutório já vão ao ponto de andar a ver a marca das calças ou o restaurante onde uma pessoa vai para, daí, querer justificar a sua prisão?




Bom.  Adiante. Tempo de humor.

Suborno ou, melhor, O GRANDE CORRUPTOR segundo a Porta dos Fundos



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Finalmente, excertos de um texto que eu gostava de ter escrito.


Da Antologia do Esquecimento onde todos os textos são belos:


AS CARTAS DE SÓCRATES

Visitei o Jardim Zoológico algumas vezes. (...) Os leões do Jardim Zoológico de Lisboa já não são bem leões, terão dentro deles uma ferocidade instintiva amordaçada. Olhamo-los à distância e sentimos pena, são animais ferozes aos quais usurparam qualquer hipótese de exercício dessa ferocidade. São gigantes sem espaço. Mais recentemente, levei as minhas filhas ao Jardim Zoológico. Penso que já foram as duas. Uma das imagens que mais me impressionou foi a de um gorila enfiado numa câmara de vidro. Era uma câmara ampla, com uns troncos e muita palha, onde o gorila se deitava e olhava para nós com profundo desprezo. Foi isso que senti, o animal olhava para nós com profundo desprezo. Não sei se o leitor viu aquele filme em que o Anthony Hopkins se transforma num gorila. Instinct, salvo erro. Hopkins é um investigador que vive entre gorilas, conquista-lhes a confiança e adopta as regras dos primatas. Na sequência de um ataque, Hopkins defende os macacos como se fosse um deles. E era. O seu instinto tinha-se transformado, agia, actuava, como um gorila, deixara de ser humano. Ainda bem, invejo-o. Os humanos que ficam do lado de cá do vidro a acenar para o gorila enjaulado enojam-me, fazem-me sentir nojo de mim próprio e da minha espécie. Há uma dignidade no animal que nos despreza que é de uma nobreza inquestionável e invejável. Está encarcerado, cumpre a sua pena, foi capturado, mas não se curva nem cede, foi ferido nas suas forças, na sua honra, olha-nos com distância, observa-nos com indiferença, porventura com desconsideração, menosprezo, é um gigante sem espaço. Ao contrário dele, os felinos nas jaulas minimalistas com grades de ferro mostram-se inquietos. Andam de um lado para o outro até se cansarem, deitam-se e dormem quando têm a barriga cheia. Mas a presença dos humanos inquieta-os. Tigres e panteras ficam que nem loucos por detrás das grades. Andam de um lado para o outro num desassossego desenfreado. Incomoda-me vê-los assim, preferia que andassem à solta no seu habitat, que pudessem caçar e reproduzir-se. Devíamos ser nós por detrás daquelas grades, devíamos pagar para nos vermos a nós próprios por detrás daquelas grades. É só o que falta ao Estabelecimento Prisional de Évora para se transformar num Jardim Zoológico, cobrar as visitas.

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As fotografias que usei para acompanhar o texto são de Christopher Gilbert, um sujeito que faz fotografias invulgares.

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Relembro: sobre o fandango que a Pulga* Madura armou, correndo o risco de a vermos a rodopiar sob a capa do Alberto da Ponta que deve andar mais do divertido a fazer chicuelinas em volta destes totós, falo mais abaixo.

A seguir há ainda um vídeo humorístico e umas imagens que, vão por mim, são de rir embora tracem o perfeito retrato dos novos hábitos de vida.


[* - Pulga como um Leitor diz que chama à pequena Poia]

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.

...

7 comentários:

Anónimo disse...

José Sócrates está a ser julgado pelo Código de Processo Penal aprovado por ele próprio.
Haverá algo mais justo que isto?
Se há, não me ocorre.

Rui Silva

irene alves disse...

Minha amiga, desejo muito que se
encontre bem melhor.
Tenho seguido atentamente os seus
posts sobre o caso Sócrates e estou
100% de acordo com os seus textos.
Temo muito pela Justiça do meu país,
penso que já estamos "um pouco em
ditadura" e que as forças(?)que mandam
em Portugal querem derrubar tudo o que
tenha a ver com Esquerda/com Social...
com dignidade!!!
Já condenaram Sócrates, essa é que é a
verdadde!!! E perseguem tdos aqueles
que algum dia estiveram próximos de
Sócrates, até ex-namorada...É uma
perseguição diabólica...
Bjs.
Irene Alves e bom fim de semana

Um Jeito Manso disse...

Caro Rui Silva,

O problema nunca está nos Códigos, está na forma como eles são aplicados.

Toda a gente que anda na estrada guia segundo o Código e, no entanto, cada um o interpreta à sua maneira.

Para além disso:

1. O Código manda que se prenda para se poder investigar à vontadinha, nas calmas, sem a chatice da pessoa à solta?

2. O Código Penal manda que, enquanto a pessoa esteja presa, bocados da investigação saiam a conta-gotas para a comunicação social?

3. O Código manda que se passeie uma pessoa no carro da polícia com os vidros transparentes enquanto as televisões filmam à vontade?

Etc, etc

Olhe, Meu Caro, não sou jurista, não sabia.

Um bom dia para si!

Anónimo disse...

O "Código" é isso mesmo, regulamentar a aplicação da justiça. Evitar que se cometam atropelos ou violações dos direitos dos “regulados”. Quer dizer que o “Código” existe para evitar que cada um interprete á sua maneira a aplicação da justiça.
Se não é isso, devia ser. Isto digo eu, mas nada pode fazer para que assim seja, pois sou um simples cidadão.
No caso de JS já é diferente, pois se pensava que o “Código” não cumpria este desígnio, teve a oportunidade de assim o exigir. Se não fez melhor, é porque pensou que assim estava bem. Pelo menos pensava que estava bem quando é aplicado aos outros. É neste sentido que acho que existe aqui uma situação sublime de perfeita justiça – “Alguém ser julgado pela lei que o próprio aprovou”.
Quanto ao Reality Show que as pessoas gostam, nada a acrescentar e muito menos julgar. Não tenho a arrogância de julgar se aquilo que algumas pessoas gostam é ou não recomendável segundo os meus padrões. Cada um tem direito aos seus padrões, aos seus gostos. É a isso que eu chamo liberdade. A liberdade de cada um, é viver a vida ao seu modo, não é viver segundo o que eu acho ser o padrão correcto (quem sou eu ….).
E qualquer pessoa que aspire a posições públicas sabe disso. Não pode querer tirar de cada situação aquilo que há de positivo e rejeitar o que tem de negativo. Só faltava agora a justiça ter a obrigação de esconder as pessoas quando estas estão a ser transportadas de A para B.
As pessoas públicas já se deviam sentir agradecidas pela descriminação positiva (tratamento obviamente injusto em relação ao cidadão comum) em relação á prisão onde são colocados.

Bom Fim de Semana

Rui Silva

Um Jeito Manso disse...

Caro Rui Silva,

O que descreve faz sentido e tenho até dificuldade em rebater. Lendo-o, se me permite (e, por favor, não se ofenda pois não é minha intenção), fez-me lembrar os burocratas que pegam num procedimento e o aplicam acriticamente, despojados de emoção ou opinião.

Ora não sei de leis o que quer que seja para poder colocar a minha conversa nesse plano: falo sim focando-me em aspectos basilares do que considero dever ser a vida em democracia e liberdade, num espaço que seja o do respeito pelos outros.

Se o Código veio do tempo em que ele era primeiro-ministro ou se isto, aquilo ou outro, não sei. O que sei é que eu defendo um regime em que haja respeito pela presunção de inocência, pelo direito ao bom nome por parte de quem não foi condenado por qualquer crime.

E, mesmo tendo-o sido, acho que um cidadão que tenha, de facto, cometido um crime deve ter direito ao respeito devido a um ser humano.

E mais não sei do que isto: se o Código estabelece não sei o quê no capítulo ou na alínea, isso não sei.

E se o dito Código possibilita que o estado aja em prepotência, então que se reflicta e se veja a melhor forma de o evitar.

Nota: Estas cores que arranjei para o blogue fazem com que os comentários, ao aparecerem sob fundo escuro, se vejam mal. Mas não consigo alterar, a menos que mude quase tudo. A ver se um dia destes altero. No entanto, peço desculpa pela dificuldade causada na leitura.

Desejo-lhe um bom domingo e comente sempre que o seu comentar tem graça - e eu aprecio ter alguém que me dê luta!

Anónimo disse...

Tem toda a razão. Obrigada por não se calar.
Cumprimentos.

Maria Luísa

Anónimo disse...

Ok, fica combinado.
Eu também aprecio conversas com boa argumentação.

Até á próxima

Rui Silva