quinta-feira, outubro 02, 2014

O afecto puro dos animais. A saudade tão grande que ainda me impede de falar na minha caçulinha querida. E outros exemplos.


No post a seguir a este falei de moda comum, em especial de carteiras. Fala-se agora muito em Street Style e é disso que eu gosto, toilettes para todos os dias já que não desfilo na passerelle. Arranjei uma pequena selecção para poderem ver como é o meu gosto.

Mas isso é mais abaixo. Aqui, agora, a conversa é outra.


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Quando eu era pequena, uma das minhas avós tinha um cão. Chamava-se Pelé, era preto e estou em crer que era rafeiro. O nome deve ter sido obra do meu tio que, na altura, era um rapaz solteiro, divertido, que jogava voleibol e que chegava e saía de casa na sua grande e ruidosa mota cheia de cromados.

A minha avó gostava muito do cão, relatava as suas proezas e as provas da sua esperteza. Entrava e saía de casa quando queria mas preferia andar na rua, à solta. Contudo, tinha um ponto fraco: quando trovejava, desatava a correr, cheio de medo, a tremer, e ia esconder-se debaixo da cama da minha avó. Gozávamos muito com o Pelé por causa disso.

Um dia que tinha saído para as suas andanças, demorou, nunca mais voltava. A minha avó preocupou-se e deu o alerta. O meu tio foi à procura. As más notícias chegaram depois. Tinha ido para a estrada, fora atropelado. O desgosto de toda a família foi muito grande.

Perdi, então, o contacto directo com animais.

Não sei porquê acabei por ganhar medo a cães.

Uns bons anos mais tarde, uns amigos nossos tinham um cão daqueles peludos e malucos, acho que era um cocker spaniel.

Andava à vontade em casa, corria na nossa direcção, fazia toda a espécie de cabriolices e eu tinha medo. Quando eu lá ia, pedia para fecharem o cão na varanda porque tinha medo. Os miúdos adoravam-no, brincavam com ele e ninguém percebia como podia eu ter medo de um cão tão simpático, tão bem disposto, que só queria brincar. Mas medos assim não são racionais.

Mais tarde tiveram um labrador e era a mesma coisa. O cão uma doçura e eu cheia de medo.

Uns primos nossos sempre tiveram cão, um enorme e peludo pastor alemão. Eu também tinha medo, claro, e, por isso, quando ia lá casa, pedia para fecharem a porta que dava para o quintal. Se havia algum lapso e o enorme cão entrava em casa, eu ficava transida. Nem me mexia e tinha pavor que ele fizesse mal aos meus filhos.

Um dia a minha prima foi a correr atrás do filho, então miúdo, para lhe dar uma palmada, toda zangada com algum disparate que ele tinha feito. Então, sem que nunca nada antes o tivesse feito supor, o grande pastor alemão saltou-lhe ao encalço. Pôs-se entre ela e o filho, ao alto, de pé, e imobilizou-a pelo pescoço. Ela pensou que ia morrer. Foi parar ao hospital com uma enorme dentada no pescoço. Quis dar o cão mas o marido não consentiu, aliás, não conseguiu, o cão era um irmão para ele. Percebia-se que o cão quisera apenas defender o seu pequeno amigo, o menino que brincava tanto com ele. Mas, a partir daí, e apesar de perceber a razão do que tinha acontecido, a minha prima passou a sentir pânico se pensava que poderia estar perto do cão e, então, isolaram-no entre redes de forma a não poder estar junto dos miúdos ou entrar em casa.

O meu marido sempre desejou ter um cão mas, por causa do meu medo, isso não aconteceu. Contudo, não era só ele: os meus filhos também o queriam.

Quando o pastor alemão dos meus primos morreu, arranjaram logo outro cão mas a minha prima recusou-se a ter outro da mesma raça. Optaram por um boxer. O meu marido e os meus filhos derretiam-se com o pequeno boxer mas eu até do cão bebé tinha medo. Mas comecei a sentir alguma aproximação, uma coisa ao de leve.

Um dia disseram que, na senhora que tinha vendido o boxer, havia novos cães bebés. Convenceram-nos a ir lá ver. Reticente lá fui. No entanto, quando vi uma cadelinha bebé tive uma estranha vontade de a ter junto a mim.

Depois de alguma hesitação, convenceram-me mas, na verdade, eu tinha sido cativada por aquela bebé macia.

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Pensei que era hoje que ia conseguir falar da minha caçulinha, da minha menina querida. Mas ainda não consigo. Viveu connosco treze anos felizes, de amor absoluto, incondicional, de afecto, de ternura, de alegria. Nunca pensei sofrer tanto com a dor física de um animal. Até hoje me custa pensar nos seus últimos dias. Sofri e chorei como se sofre e chora por alguém a quem muito se ama. Há imagens que não saem de mim, imagens felizes e as imagens tão tristes dos últimos tempos.

Os animais têm inteligência, compreendem a fala humana, eu dizia vai buscar o pau e ela ia e aparecia com um pau, dizia vai buscar a bolinha pequenina e ela olhava para mim, a cabeça inclinada, a pensar, e depois vinha com a bolinha, a pequenina, ou vai buscar o brinquedo e ela olhava em volta, procurava, andava à procura e eu às vezes esquecia-me e, passado um bocado, lá vinha ela feliz, com o brinquedo. E tinha emoções e sentimentos, alegria, ciúmes, zanga, desconfiança, saudades, ressentimento, perdão. 

Para os meus filhos era uma amiguinha do coração, uma caçulita, uma companhia. Com o meu filho ela queria brincadeira, desafiava-o, sabia que ele a provocava, queria brincar às lutas. Com a minha filha queria festas, mimo, deitar-se ao lado dela, nos quentinhos.

Com ela aprendi tantas coisas. Com ela aprendi a compreender melhor os animais e, compreendendo-os, aprendi a aceitá-los como nossos iguais e, aceitando-os assim, aprendi a sentir o dever do respeito absoluto por eles, pela sua imensa dignidade.

Não é hoje que vou conseguir falar da minha menina linda, com quem eu me deitava no chão, no maior chamego, beijinhos, abracinhos, que vinha a correr, a saltar e a rir para mim, que me dedicava um amor sem igual.

Lembrei-me dela hoje quando vi um vídeo que parece que já se tornou viral: Sirga, assim se chama a leoa, abraça de forma afectuosa o homem que a salvou quando era uma cria, Valentin Gruener, um investigador da vida selvagem que sempre sonhou trabalhar com grandes felinos.







Uma ternura.

Fui à procura de mais vídeos que mostrem como são afectuosos os animais e encontrei vários. Escolhi este entre um veado e um cão. Uma doçura, um afecto sem mácula, perdurando no tempo. Assim deve ser o afecto de verdade, sem condições,  coexistindo com a liberdade do outro.






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A minha amiga Margarida que é completamente defensora dos direitos dos animais e que, muito justamente, os ama de paixão, envia-me vídeos sobre a tortura dos animais que vivem em quintas de criação mas eu não consigo vê-los. Não suporto ver animais a sofrerem. Cada vez como menos carne e é também por isso.

E foi em nome da defesa dos direitos dos animais e em nome do afecto e respeito que nos devem merecer que eu escrevi isto. Mais do que mostrar animais a serem humilhados e maltratados, quero mostrar como são gente como nós. A dor e o medo que eles sentem deveriam encher-nos a nós de vergonha e de dor.


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A música lá em cima é O sonho dos outros de Bernardo Sassetti.

As fotografias foram obtidas por aí, sem que eu saiba a sua autoria.

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Relembro: moda de rua em Paris é já a seguir. Carteiras, cores, elegâncias.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quinta-feira muito feliz.



3 comentários:

Anónimo disse...

Lá diz um velho ditado: “quanto mais conheço os homens (as pessoas), mais gosto dos cães!”
Quando aqui há pouco mais de um par de anos nos morreu um ficámos tristíssimos, todos lá em casa. Quando chego a casa, hoje, os nossos dois whippets vêm saudar-nos com uma alegria que só quem tem cães pode compreender. E passear com eles é sempre uma forma de acalmar a tensão do dia de trabalho.
Há várias histórias de relações entre animais e pessoas e entre animais de espécies diferentes, nestas, as mais incríveis que vi foi de uma leoa (que tinha perdido as crias) com um pequeno veado e de um leopardo fêmea com um bebé macaco, que nascera no exacto momento em que o felino que matara a mãe se preparava para a comer.
E entre cães e pessoas algumas são comoventes.
O nosso neto adora os nossos cãezitos. Dá-lhes cada abraço!
Resto de bom dia de trabalho!
P.Rufino
PS: Vou dar ao dente!

Concha disse...

Hoje excepcionalmente comento duas vezes.Neste post para me congratular com a lei sobre a violência nos animais.
De um modo muito especial dizer também o quanto me agrada sempre escutar Bernardo Sasseti, porque gosto imenso de piano e pelo modo como ele se entregava sempre que actuava.Beijinho e obrigada pelas óptimas partilhas.

margarida disse...

Um dos mais lindos posts de todos, vê, querida UJM...?
O site Mercy for Animals http://www.mercyforanimals.org/
ajuda a percebermos porque ingerir carne não é um hábito normal e saudável ou, sobretudo, justo e caridoso. E daí se parte. Porque amarmos os nossos cães e gatos e comermos porcos, galinhas, coelhos, vacas, carneiros, ovelhas...
Também eles sentem, sofrem, 'são'.
Obrigada pelas suas palavras. :)

... e 'P', espero que 'dar ao dente' tenha sido, digamos, numa bela e farta saladinha... ;)