quinta-feira, julho 03, 2014

'Nunca mais amarei quem não possa viver sempre, porque eu amei como se fossem eternos a glória, a luz e o brilho do teu ser'. 'Nunca mais servirei senhor que possa morrer'. Assim escreveu Sophia, a eterna.


No post abaixo, a propósito do comentário de uma Leitora, já falei de amor. De amor impuro, terreno, imenso, frágil, egoísta. Ou generoso, forte, incondicional, condicionado. Ou tudo misturado. Mas eu não sei o que é o amor. 
Mil vezes descrito, cantado, discutido e, no entanto, tão indecifrável e tão variado. 
Por isso, mais do que enunciar o que é, pergunto-me: o que é o amor? E dou o meu contributo para uma possível definição, tentando descrever como é, para mim, o meu amor pelos que mais amo.

Mas isso é a seguir. Agora, aqui, a conversa é outra. 


Aqui falo de Sophia, a senhora das palavras cheias de luz, a senhora dos rios correndo azuis entre as palavras, a senhora da verdade justa e limpa.


Não ligo a isso do Panteão. Nunca lá fui. Não são os restos mortais dentro da pedra que me dizem alguma coisa. Para mim são mesmo as palavras que importam. 




Mandei gravar vários poemas de Sophia em azulejos que cobrem os meus muros silenciosos in heaven

Entre árvores cobertas de verde e de pássaros, há recantos onde quase se pode ouvir a voz ciciada de Sophia dizendo por mim que pudesse eu não ter laços nem limites ó vida de mil faces transbordantes, ou que este é o amor das palavras demoradas, moradas habitadas ou que há sempre um deus fantástico nas casas em que eu vivo ou a perguntar, por mim, quem como eu em silêncio tece bailados, jardins e harmonias? 

E mais.

Para a fotografia, virei a salva de pernas para o ar
(Precisa de ser areada, é certo, mas, de facto, não está como aqui a vêem:
tive que escurecer a imagem e saturar as cores para que a fotografia tivesse
o contraste suficiente para se conseguir perceber mais ou menos o poema)

Há tempos, num Abril especial para nós, ofereci-me a mim e ao meu marido uma espécie de salva de prata com pés, que tenho aqui ao pé de mim, na mesa onde escrevo, e onde mandei gravar por trás o poema 

És tu a Primavera que eu esperava
a vida multiplicada e brilhante
em que é pleno e perfeito cada instante


porque, para nós, Abril não é apenas o mês da liberdade mas, na nossa petite histoire, o mês do nosso casamento.


Sophia, para mim, é, pois, uma presença muito física: posso ver as suas palavras, posso passar as mãos pelas superfícies onde fiz inscrever a luz imensa das suas palavras. Quando me sento à sombra fresca e perfumada de uma grande figueira, leio a sua poesia e as suas palavras misturam-se com a paz do lugar, com o perfume do rosmaninho, dos orégãos e das estevas, com o sabor carnudo dos figos pingo de mel.


Por isso, tenho a poesia de Sophia no meu coração, nas minhas mãos, em todo o meu corpo. Cerimónias, efemérides, prebendas, rapapés  não são para mim quando se trata de poetas e, em especial, de Sophia.

Mas ouvi na rádio o discurso de José Manuel dos Santos aquando da transladação dos restos mortais de Sophia para o Panteão e gostei muito. José Manuel dos Santos escreve bem e é um Senhor. 


Gostava de ter aqui esse discurso na íntegra. Tomara que o tenham gravado e que o coloquem o vídeo no youtube.

Procurei e apenas encontrei excertos. Transcrevo uma parte do artigo do i online:


José Manuel dos Santos citou amiúde a poetisa, cujo “nome lhe foi dado como uma predestinação: Sophia, Sabedoria”, e afirmou que “não é ela que precisa de nós, somos nós que precisamos dela”.

Sobre a poesia de Sophia, afirmou que “há nela a liberdade livre, a vida viva, a grandeza nua, o fogo firme que não a deixa ser senão de quem nela encontra o que ela é”.

“A poesia de Sophia, que deu à língua portuguesa a soberania da sua exatidão, é uma arte do ser, uma mnemónica do mundo, um vértice da vida”, afirmou o orador, acrescentado: “O fio que a percorre, feito de claridade e de assombro, tem três nós de escuridão: o nó da noite, o nó do nada, o nó do não”.

Sobre a poesia de Sophia, o orador voltou a suportar-se das palavras da poetisa para afirmar: “Podemos dizer dela o que ela disse de Cesário: ‘Às vezes, algo de rouco, de alucinado e de visionário atravessa a lucidez dos seus poemas’”.

“Na vida de Sofia, os livros sucederam-se como as sílabas da primeira palavra dita no mundo. Foi dessa palavra que ela fez nascer todas as palavras da sua poesia”.


As eternas e luminosas palavras de Sophia. A poesia de Sophia. O amor de quem ama as palavras de Sophia. O amor das palavras demoradas. A beleza imaterial das palavras materiais de Sophia.


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[Volto a este post em 8 de Julho para deixar aqui o link para o discurso completo que pode ser visto no blogue Chove]

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Mostro agora o filme de João César Monteiro (que então ainda não se assinava exactamente assim) com Sophia. Um gosto.




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E, para terminar, o poema de onde extraí o título deste post, Meditação do Duque de Gandia sobre a morte de Isabel de Portugal, dito por João de Villaret.




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Relembro: sobre o amor tal como o vejo, em toda a sua fantástica impureza, falo a seguir, no post abaixo deste.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta feira. 
Saúde, sorte e muito amor é o que desejo a todos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Concordo consigo. Um gosto esse do filme de João César Monteiro. Dá-nos uma Sophia mais próxima, mais simples, extraordinária. Que mulher! Quanto ao JCM sempre lhe achei imensa piada, pois diverti-me com alguns dos seus filmes e sobretudo com as entrevistas que concedeu. Mas, voltando a Sophia, que poetisa memorável e que grande ser humano!
P.Rufino

Olinda Melo disse...


Também acho que o Panteão, espaço frio, não acrescenta nada a Sophia. Até penso que ela apreciaria mais estar em contacto com os elementos da natureza que ela tanto cantou.

Um belo post em sua homenagem.

Bjs

Olinda