segunda-feira, julho 07, 2014

Como salvar o capitalismo dos capitalistas? Responde Paul De Grauwe, no Expresso Economia: seguindo a recomendação do novo Marx que por aí anda, um tal Piketty, que analisa o Capital no Século XXI


No post abaixo já avancei com duas sugestões relacionadas com futebol. Não que seja muito entendida no assunto mas, desculpar-me-ão, há coisas que saltam à vista do mais ignorante (como é o meu caso). Não quero inventar a roda, quero apenas contribuir para ver se resolvemos a problemática vigente com a nossa selecção nacional que, fraca, fraquinha, teve uma participação tão pífia nesta Copa 2014. Ali deixo a sugestão para a entrada de sangue novo: alguém que irá desestabilizar a equipa adversária e um novo treinador e... verão: remédio santo.

Mas isso é mais abaixo. Aqui, agora, a conversa é outra. É conversa séria. A sério.




[E porque o capitalismo, o grande capitalismo da actualidade, é alimentado por gente de gostos sofisticados, que gosta de repousar de olhos fechados enquanto ouve a Bartoli ou a Netrebko e que, enquanto ouve a Casta Diva ou outras músicas maiores, pensa em como fazer 'o bem', pondo as suas empresas a dar dinheiro a fundações e etc. (coisa que dá benefícios fiscais, claro, mas isso é pormenor - 'o que importa mesmo é pôr em prática a velha máxima de give back to society') aqui deixo a dita Cecilia Bartoli interpretando a Norma de Bellini. E, se os meus Caros Leitores fecharem os olhos enquanto a ouvem e se puderem reclinar-se na penumbra e esquecer os pequenos problemas que não interessam para nada, talvez consigam experimentar as epifanias vividas por Bill Gates, Warren Buffett ou outros grandes beneméritos enquanto pensam nos seus múltiplos milhões ao som da Bartoli).





Leitor atento, a quem agradeço, já há tempos me tinha enviado referência a um autor que andava a dar que falar por todo o lado: Thomas Piketty. Nunca tinha ouvido falar mas fiquei atenta. Desde aí tenho tentado informar-me e, se a concordância com Piketty a nível de diagnóstico me parecia natural, já a resolução para o problema me parecia mais dúbia.

No outro dia o meu filho enviou-me o link para o artigo do Sérgio Aníbal no Público Anda por aí um novo Marx? e sugeriu-me que falasse nisto aqui. Mas outras coisas se meteram e, como tantos outros assuntos que me interessam e que acabam por ir ficando esquecidos, este ficou também em stand by.


Mas hoje, ao ler Paul de Grauwe, professor da Universidade de Lovaina que assina a coluna Torre De Marfim e que escreveu 'Como salvar o capitalismo dos capitalistas?' pensei que teria mesmo que falar no assunto.


Transcrevo da Wikipedia: Thomas Piketty (born May 7, 1971) is a French economist who works on wealth and income inequality. He is the director of studies at the École des hautes études en sciences sociales (EHESS) and professor at the Paris School of Economics.[1] He is the author of the best selling book Capital in the Twenty-First Century (2013),[2] which emphasizes the themes of his work on wealth concentrations and distribution over the past 250 years. The book argues that the rate of capital return in developed countries is persistently greater than the rate of economic growth, and that this will cause wealth inequality to increase in the future. To address this problem, he proposes redistribution through a global tax on wealth.

O artigo de Sérgio Aníbal, um belo artigo que vivamente recomendo, começava assim:

Anunciado por uns como o “novo Marx”, mas acusado por outros de ter renegado o trabalho do autor de O Capital, Thomas Piketty agitou o debate político e económico nos Estados Unidos e na Europa com um alerta: a actual sociedade capitalista está cada vez mais parecida com o mundo desigual do século XIX descrito por Jane Austen e Honoré de Balzac.


E, às linhas tantas, Sérgio Aníbal explica o raciocínio e a principal conclusão de Piketty:

No entanto, desde os anos 1980 até agora, assiste-se a um regresso em força da desigualdade. Nos Estados Unidos, o país onde esta tendência foi mais evidente, a parte do rendimento total que é detida pelos 1% mais ricos mais do que duplicou entre 1981 e 2012, quase chegando aos 20%. Essa pequena parte da população ganha tanto como a metade mais pobre. Este resultado é muito semelhante àquele que se registava na Europa antes da I Grande Guerra, no auge da desigualdade. Nas economias europeias, o agravamento da desigualdade não foi tão acentuado, mas também é notório nas últimas décadas.

Com estes dados na mão, Thomas Piketty sentiu-se pronto para arriscar uma nova teoria para a evolução da desigualdade. Pode-se mesmo dizer uma nova teoria do capitalismo. Uma teoria que não partilha o optimismo de Kuznets de que, com o desenvolvimento económico, a distribuição de rendimentos tende a corrigir-se. “Não há qualquer processo natural e espontâneo que previna que forças desestabilizadoras e promotoras de desigualdades possam prevalecer permanentemente”, afirma.

Pelo contrário, o que o livro de Piketty diz é que aquilo que normalmente acontece é a taxa de retorno do capital (o que se consegue obter de lucro em percentagem do capital investido) ser mais alta do que a taxa de crescimento económico. E que quando isso acontece, não havendo qualquer intervenção exterior, o que temos é um aumento da desigualdade na distribuição de rendimentos.


A fórmula, a mais discutida no debate económico dos últimos meses, escreve-se como r>g, em que r é a taxa de retorno do capital e g é a taxa de crescimento da economia. A tendência de longo prazo, diz Piketty, é a de que r supera g. Durante os séculos XVIII e XIX, r manteve-se persistentemente entre 4% e 5% (as 10 mil libras garantidas anualmente por Mr. Darcy com as terras que herdou), enquanto g registou uma média próxima de zero.

Entre a I e a II Grande Guerra, r diminuiu fortemente, e, nos anos 50 e 60 do século XX, g subiu de forma excepcional, reduzindo a desigualdade. Mas nas últimas três décadas, apesar de o crescimento da economia não ser zero, o retorno obtido pelo capital voltou a ser sistematicamente mais alto, diz o livro. E o que isto significa é que aquilo que torna algumas pessoas mais ricas tem tendência a crescer mais rápido do que aquilo que torna a maior parte das pessoas mais ricas.


E está certo: é um facto. Os rendimentos de capital acumulam-se ao capital já detido a uma velocidade maior do que os ganhos resultantes da economia. Basta pensar nas taxas de juro dos depósitos que são sempre superiores aos do crescimento do PIB. 

Onde eu fico com mixed feelings é com a solução: impostos agravados sobre as grandes fortunas. 

Volto ao artigo do Público:

O livro sugere a aplicação de uma taxa de imposto de 80% sobre os rendimentos anuais acima de 500 mil dólares (cerca de 365 mil euros) e uma taxa de 10% sobre a riqueza, que torne mais difícil a perpetuação e aprofundamento das desigualdades. Para evitar fugas de capital de uns países para os outros, Piketty diz que a solução tinha de ser implementada à escala mundial.


Escrito assim parece fácil e justo. No entanto, fico em dúvida. Parece-me uma utopia. De facto, quem tem fortuna de muitos milhões tem forma de repartir o risco e pôr em prática eficientes optimizações fiscais. Ilhas obscuras, offshores, triangulações em cima de triangulações até que se perca o rasto do dinheiro: e, num instante, fortunas de muitos milhões desaparecem da alçada da máquina fiscal. Teria todo o mundo que se pôr de acordo. Mas como é isso possível...?

Pego agora no artigo de Paul De Grauwe. Diz ele: 

Os super-ricos podem, dada a sua grande riqueza, exercer muito mais influência política do que os cidadãos comuns, e obviamente muito mais do que o seu peso nas urnas de voto. Isto vem minar a credibilidade dos sistemas democráticos.

A grande desigualdade da riqueza devia portanto ser drasticamente reduzida. Isto é importante para a preservação da democracia. Também é importante para a sustentabilidade do capitalismo. Este é um sistema maravilhoso na medida em que gera dinâmicas de crescimento e inovação. Este sistema, contudo, está minado se não travarmos o crescimento da desigualdade. Isto pode ser alcançado com a introdução de uma taxa sobre a riqueza.

(...)

Um possível esquema: isentamos o primeiro milhão de euros da taxa sobre a riqueza. À medida que a riqueza cresce acima de um milhão aplicamos uma taxa crescente. Por exemplo, a taxa entre 1 e 5 milhões de euros é taxada a 0,5%; entre 5 e 10 milhões, a taxa sobre para 1%; acima de 10 milhões de euros, passa a 2%, etc. A dado ponto aplicamos uma taxa de 4%. Este é apenas um exemplo. Muitos outros esquemas são possíveis. A questão está em que querermos evitar que a riqueza ociosa cresça tanto que mine os próprios alicerces da democracia e do capitalismo.

Assim, uma taxa progressiva sobre a riqueza pode ser a melhor forma de salvar o capitalismo da garra dos capitalistas.


Reconsidero: uma taxa baixa, muito progressiva, e a começar em fortunas bastante altas talvez faça sentido.

0.5% num montante entre 1 e 5 milhões é muito para os cofres do Estado e nada para quem tem uma imensa fortuna e, por uma percentagem tão baixa, os super-ricos pensarão se compensa correr o risco de andar com o dinheiro em bolandas e a pagar dinheiro (vivo, provavelmente) para o esconder.

Este é certamente um assunto em que vale a pena pensar - desde que haja o bom senso de perceber o que é um super-rico para não se fazer o disparate que estes anormais de cá têm feito que é achar que ricos são os remediados, cortando ordenados e pensões a eito e aumentando os impostos à tripa-forra, espoliando a classe média e arrasando a economia.


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Entretanto, para quem gosta de se rir ao ouvir um francês a falar inglês ou, para os sisudos que passam por cima disso e conseguem prestar atenção ao que eles dizem, aqui deixo um vídeo interessante.


[Um à parte: há uns anos eu tinha reuniões regulares com um francês que vinha de Paris para se reunir comigo, que ficava num dos bons hotéis da capital, que media quase 2 metros de altura e que chegava ao meu gabinete a cheirar a transpiração. Sempre se ouviu dizer que os franceses têm um problema de higiene, coisa que me custa a repetir, mas a verdade é que com este, apesar de ser pessoa viajada e de certamente tomar banho no hotel, acontecia esta situação desagradável. Se a reunião era só comigo e no meu gabinete, mal ele saía do meu gabinete eu arranjava maneira de sair também, não fosse alguém entrar lá e sentir aquele desagradável odor, ainda pensando que podia vir de mim, credo. Mas adiante que não era disso que eu queria falar. A questão é que ele, se estivesse só comigo, falava em francês mas, se calhava estar mais alguém e que não percebesse bem a língua francesa, falava em inglês. E era uma coisa de ir às lágrimas. Eu quase rogava que ele falasse só em francês porque já sabia que, se avançasse para o inglês, a reunião ia ser um suplício, eu o tempo toda a esforçar-me para não me atirar para o chão a rebolar a rir à gargalhada. Assim é o Piketty aqui em baixo.]



The Huffington Post Live - Elizabeth Warren & Thomas Piketty Discuss Nature & Income Inequality.



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Recordo: para conhecerem as minhas recomendações relativas à Selecção desçam, por favor, até ao post seguinte. Um Leitor fez o favor de simpaticamente catalogar a minha conversa como 'converseta da treta' e, sabem que mais?, é capaz de ter razão. 

Mas qual seria a graça da vida se não a polvilhássemos, aqui e ali, com converseta da treta...? Alguém me diz...?

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1 comentário:

Anónimo disse...

Ainda não comprei esse livro do Thomas Piketty. Já me disseram que iria gostar de ler. Talvez. Vou ver se um dia me disponho a ler o tipo. Ao que vejo aqui da sua parte, quer ele, quer o Paul Grauwe, têm ideias interessantes e até simples de como se poderia “domar” o capitalismo, que é indiscutivelmente o sistema que “gera as tais dinâmicas de crescimento e inovação”, tornando-o mais democrático. Agora, o problema é que governos estarão dispostos a isso? Por cá e lá por fora? É pena, pois as soluções que aqui se apontam seguramente que tornariam as sociedades mais justas e menos desiguais socialmente. Lamento que muitos economistas, sobretudo da nossa praça, não concebam uma economia associada aos aspectos socias.
Um Post muito interessante, sem dúvida!
P.Rufino