quinta-feira, junho 05, 2014

Quase summertime in heaven. A minha casa, as minhas coisas, a minha vida. 'Em que histórias as pessoas transformam a vida', escreve Zuckerman, isto é, Philip Roth.


No post abaixo já falei de uma criatura que, pelo menos a nível de conversa, consegue ser tão mau ou pior que o Passos Coelho e o Paulo Portas: um tal Bruno de Carvalho a quem ouvi umas declarações completamente descabidas. 

Falei disso e falei dos outros que por aí andam a fazer e a dizer parvoíces que, como bem sabemos, felizmente não chegam ao céu. Mas, apesar de não chegarem ao céu, são suficientes para criarem instabilidade no funcionamento regular das instituições e criarem incerteza na nossa vida.

Mas isso será a seguir, lá mais para baixo. Aqui, agora, a conversa é outra.


Summertime por Melody Gardot




Numa semana repleta que nem um ovo, daquelas que não me deixa um minuto de sossego, chego aqui para ver se limpo a cabeça de maçadas para amanhã estar pronta para outra e só dou com notícias que não ajudam, é que não ajudam mesmo nada.

Por isso, que se lixe a actualidade.

_ _ _


Se me permitem, vou deslocar-me mentalmente até ao meu ninho no meio da passarada. 


Gosto de andar descalça, tal como gosto de mexer nas coisas com a pele nua, e depois acontecem-me percalços. 

Espetou-se-me um pico qualquer na sola do pé que me anda aqui a incomodar um bocado. O organismo acabará por absorvê-lo, o corpo sempre incorpora o que vem do exterior.

Adiante.

Entremos, pois, no meu pedaço de paraíso. Entremos descalços para melhor sentir o chão que pisamos.


No fim de semana que passou estive descansada, o tempo estava de verão, o sol entrava pela casa toda. 

Cada pequeno recanto da casa me agrada, há sempre por ali um pouco de mim, há a natureza que entra pela casa e que se mistura com as minhas coisas. 

O meu marido queixa-se, diz que ocupo todos os espaços. Tem razão mas não consigo evitar.

Tirei a fotografia aqui ao lado quando estava a varrer e o sol entrava e dourava os chapéus e, de dentro da casa, as árvores que se viam pela janela quase pareciam dentro de casa. Mas, nessa altura, ao ir afastar a cadeira para varrer por baixo, dei com a balança que ali podem ver. Fiquei espantada. O que é que estava a balança ali a fazer? A balança é antiquíssima, trouxe-a de casa de uma tia do meu marido quando ela morreu. Gosto de ficar com coisas assim e nem sei explicar porquê. Por baixo do prato da balança estava uma receita escrita com a bonita letra da tia. A balança estava na cozinha em cima do micro-ondas e por algum motivo a tirei e por algum motivo ali foi parar. Ou então não fui eu. Não tenho boa memória para este tipo de coisas. Varri o chão e deixei-a ali ficar. Parece que não destoa. Ao pé da cadeira tenho uma pequena mala de viagem também antiga, e um galo de chapa e uns tamancos de madeira que trouxe dos Picos da Europa. Ao pé da janela está também uma daquelas mesinhas altas que veio de casa de uma das minhas avós. Esta por acaso é a mais baixa do conjunto de três que trouxe. Parece que preciso da harmonia que vem da mistura de memórias, da natureza, das minhas coisas, de alguma desarrumação.

Misturo velas de vários feitios (gosto de uma que tem feitio de ovelha de pé), com galinhas de papier machê, santas artesanais de madeira, quadros que pinto, bancos que desenho e que mando fazer, azulejos que mando pintar e faço embutir na parede, cortinas que sobreponho, tapetes que faço, molduras com fotografias da família, livros que não acabo de ler, tintas, cestos com pinhas.

Depois o difícil é manter isto tudo limpo. 

Uma casa assim, em que se entra e sai por todo o lado, está sempre a precisar de ser varrida. Há bichos de conta e teias de aranha que aparecem de uma semana para a outra. O que vale é que se há coisa que gosto de fazer é varrer. Varrer ou lavar o chão.

Um dia destes vou lavar os tapetes todos. Gosto de fazer grandes barrelas. Se passasse um rio aqui à beira de casa, haveria de levar a roupa numa cesta e pôr-me-ia a lavar roupa na beira do rio.


Mas não é só dentro de casa. À volta da casa, todo aquele chão precisa de ser varrido mas, nestes fins de semana curtos, o tempo não me chega.

A caruma cobre todo o chão. E há ervas por todo o lado e as árvores estão todas a precisar de um belo desbaste. As pequenas azinheiras parecem umas adolescentes despenteadas.

Claro que os muros também precisam de ser pintados mas, se nos metemos nós a fazer isso, acabamos os fins de semana mais cansados do que para lá fomos. Se contratamos alguém, custar-nos-á os olhos da cara. Mas eu gosto de ver os muros com a patine com que o tempo os vai cobrindo.

A natureza e o tempo são extraordinários: moldam o mundo. 

E eu já não sei se fui eu que imaginei e fiz tudo isto ou se isto já existia há muito tempo, antes de eu sequer o ter imaginado, se apenas esperava oportunidade para se materializar. Não sei mesmo.

Gosto de me deitar naquele branco comprido que puderam ver lá mais acima. Levo o colchão de uma espreguiçadeira, almofadas, livros, o Expresso.

O banco está encostado a um muro alto no qual se projectam as sombras que o grande pinheiro desenha. Ao longo da tarde, as sombras vão mudando e eu vou contemplando a sua evolução como se estivesse a ver um filme. Como estou ali imóvel, os pássaros aceitam a minha presença e por isso voam e pousam nos ramos por cima de mim e eu fico a vê-los e a ouvi-los. Não me mexo para não os perturbar. A paz absoluta é preciosa, não se deve perturbar por motivos fúteis. Os pássaros cantam, brincam. Talvez estejam  a divertir-se ou a comunicar uns com os outros. Não sei se reparam em mim e percebem que sou uma deles ou se nem me vêem.

Mais para o fim do dia começou a levantar-se uma aragem que foi ganhando força. A aragem vem perfumada. O pinheiro, os cedros, o alecrim, o rosmaninho, toda essa flora solta os seus perfumes com este sol que prenuncia o verão. Por fim já estava mesmo uma ventania. Como o banco é abrigado, apenas ouço o vento a vejo a copa das árvores numa dança agitada, mas ali em baixo não sinto o frio que o vento de fim de tarde já traz.

Estou a ler 'Os factos', autobiografia de um romancista, de Philip Roth. Estou a gostar de ler.

É claro que os factos nunca vêm ter connosco assim, sem mais nem menos, antes são incorporados por uma imaginação que é formada pela nossa experiência anterior. As recordações do passado não são recordações de factos mas recordações da nossa imaginação dos factos.
(leio na introdução do livro) 

É bem verdade isto.

De vez em quando os meus filhos (especialmente ela que é toda romântica) recordam coisas da sua infância ou adolescência e eu fico muito admirada porque não tenho ideia de que tivesse sido nada daquilo. No entanto, não consigo dizer de certeza absoluta que a minha versão é que seja a correcta pois cada um de nós vê as coisas pelo seu prisma, faltando-nos sempre outras perspectivas e mesmo alguns factos que, para nós, podem ter sido acessórios, para os outros podem ter sido fundamentais.

Gosto de ler autobiografias. São recordações que tentam ser fiéis à realidade mas que, certamente, estão moldadas pela emoção com que foram vividas, suavizadas pelo tempo.

Se calhar, quando a vivência foi má, o tempo produz o efeito contrário, adensa-as. Não sei.

Li há bocado uma notícia terrível passada há décadas, mas terrível mesmo, e ainda pensei escrever sobre isso mas não consegui.

Pergunto-me: quem passou por aquilo e sobreviveu, como recordará agora esses tempo? Será que as pessoas que vivem amarguradas passaram por experiências más quando eram pequenas?

Serei tão descontraída por ter crescido no meio da natureza, a brincar na rua, à solta?

Ou procurarei com tanta necessidade e urgência a natureza, como se fosse um alimento e eu faminta, porque preciso disso para manter o equilíbrio face a uma vida feita entre reuniões, situações desgastantes, enervantes mesmo, e trânsito e mais trânsito, e elevadores cheios de gente desconhecida?

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Bem. Já estou para aqui a divagar e a noite já vai longa e daqui a nada tenho que estar a pé para mais uma maratona de sol a sol. Por isso, fico-me por aqui e não vos maço mais.

Recordo: abaixo falo de criaturas horrorosas e de situações periclitantes. Por isso, pensem bem se querem aventurar-se por temas bem longe da paz que se vive quando a conversa decorre in heaven.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quinta feira. 
Saúde e alegria. E boa sorte a quem dela precisar.

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9 comentários:

bob marley disse...

como é que ele faz isto - http://www.flixxy.com/darcy-oakes-jaw-dropping-dove-illusions-britains-got-talent-2014.htm?utm_source=nl

Anónimo disse...

Olá UJM,
Não sou uma daquelas pessoas que não conseguiria viver fora da cidade. Pelo contrário, sou muito dada a reflexões interiores, a observar durante muito tempo o desenrolar do tempo no mesmo sítio, gosto muito da quietude do campo. Sempre gostei muito de ir a casa dos meus avós no Ribatejo. É uma terra feia, há que admiti-lo, sem nada de muito interessante. Mas gosto muito de sentir o cheiro da terra, mexer nela, ver os animais, subir às árvores. Sempre fui uma excelente trepadora de árvores.
Os livros sempre foram a minha porta para o mundo. Vou muito pouco a teatros, espetáculos, de dança, de música, etc. Muito por causa da luta que é o dia a dia, o sofoco que tem sido para os meus pais manter o barco ao de cima: não há predisposição para grandes convívios. Não, não somos de grandes convívios, mas, de todos cá de casa, quem é menos dada a atividades sociais, sou eu. Não me entenda mal: gosto muito de falar. De tudo: política, futebol, agora direito, livros, filmes. Sobretudo, política. Com todo o tipo de gente. Do que não sinto é vontade de andar por aí, com colegas, com amigos, a combinar encontros, a lembrar-me de que fazem anos, a conversar no chat do facebook, etc. Que seca! Com pessoas desinteressantes. Todos os dias, vejo as mesmas pessoas e falo com elas. Esperava encontrar gente com mais ideias, com mais cultura, com mais vida, na faculdade. Nesse aspeto, foi uma desilusão. Muitas têm ideias pré-concebidas, parvas, parecem velhos, mas têm a mania de que "pensam fora da caixinha" com as suas originalidades absurdas. Depois, há umas pessoas simples e boas, que se contentam com pouco. Falo muito com uns e outros. Falo mais do que ouço. Uma vez o meu pai disse-me que quem fala bem e é inteligente, deve observar as reações dos outros às nossas conversas, mais do que deixá-los falar, se eles não têm nada de jeito para nos dizer.
As raparigas estão preocupadas, acima de tudo, em preparar a sua vidinha de mulher casadoira. A grande preocupação é fazer o curso, umas mal feito, outras com uma média razoável, outras com uma média boa, e encontrar namorado. E quando têm namorado, parece que são casados. É uma seca! Querem fazer-se de muito certinhas. E os rapazes não são muito melhores. Muitos são pedantes, com muita mania, com ideias absurdas para serem diferentes, mas vê-se que é gente perigosa, que tem boas notas e vai andar por aí a fazer muito mal. E há os médios, uns mais simpáticos, outros mais afetados, etc. Não querem fazer-se passar por certinhos, querem mostrar ou que, apesar da sua displicência, são melhores do que muitos dos outros, ou que só não fazem mais, porque não estão para isso, pois se quisessem... Fingem-se rebeldes e são mais conservadores do que elas. Não têm honestidade intelectual.
O que não há é um D. Juan, que vá para a cama com todas. O jeito que um tipo desses não dá! Não há um anarquista. São todos muito burgueses. Bom, não conheço toda a gente, é verdade.
Sinto-me muito livre. Livre disso tudo. Tenho responsabilidades e não faço muitas coisas que jovens da minha idade fazem, mas sinto-me livre, intelectual e espiritualmente. Todos temos as nossas pancadas, inseguranças e complexos. Mas há formas imperdoáveis de as combater: o pedantismo é uma delas.
Às vezes imagino-me velha, a mudar-me para uma casa no campo, com o dinheiro suficiente para viver confortavelmente, agarrada ao meu Bécquer, como o Werther à Odisseia. Mas acho que gostava mesmo era de trabalhar até ao fim. Não sei. Gosto tanto de Lisboa, acho que não a conseguiria deixar, mas também não me imagino na cidade sem fazer nada. Para não fazer nada mais vale ir para o campo.
Não sei se isto é coisa minha, mas Lisboa não tem um maravilhoso cheiro à noite, diferente de todas as outras cidades ou terras? É uma coisa que sempre me impressionou. E é uma cidade tão calminha. Ainda ontem estava um enorme bando de andorinhas a passar mesmo junto a mim, na varanda da minha casa. Imensas, pequeninas. Foi extraordinário.

Abraço,
JV

bob marley disse...

que ajude a perceber os 66% para as europeias, e eles não sabem disto , ai se soubessem - https://www.youtube.com/embed/dTGU6bL50QE?rel=0&autoplay=1

Anónimo disse...

Gostei bastante do comentário, genuíno, de JV.
Só não sinto é essa empatia por Lisboa, uma cidade que está a ficar demasiado grande, com muita gente, muito ruído, muita confusão e na qual eu era absolutamente incapaz de viver hoje em dia. Trabalhar sim, viver não. A 30/40 klm de Lisboa (entre Sintra ou Cascais, ou da Outra Banda), ou a cerca de 1 hora encontram-se locais encantadores para se viver em descanso e longe da capital, que aos poucos se vai "desfigurando", na tal qualidade de vida. Felizmente que pelo menos a beleza de certas zonas da parte antiga sobretudo a Baixa ribeirinha está cada vez melhor.
Eu diria que Lisboa é uma excelente cidade para se visitar, mas não para se viver. Mas, enfim, cada um sabe de si.
UJM, este seu "heaven" deve ser um encanto! Ao que me apercebo, tem todos os ingredientes para tal. E o sossego. Tenho aqui as fotos da tal estante de "mercearia", a ver se as consigo enviar.
Cordialidade, JV e UJM,
P.Rufino

Um Jeito Manso disse...

Olá Bob,

As coisas que você desencanta. Este mágico é do além!

Obrigada.

Um Jeito Manso disse...

Olá JV,

Adorei ler o que escreveu. Fantástico.

Mas estou cada vez mais intrigada. Não é que esteja a chamá-la de sénior, velhinha, idosa, ou o que quer que seja... Mas desfaça a minha curiosidade: quantos anos tem?

E, se tiver menos que 30, diga-me: qual o seu QI?

E, se o seu QI, for normal, confesse: quem é que escreve estes comentários?

E se for você mesmo, confidencie aqui connosco: de onde lhe vem tanta sabedoria, cabeça organizada, ideias bem estruturadas, fluência, etc, etc, etc?

Qualquer mistério a rodeia, confesse.

Um abraço, JV!

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

também gostei imenso de ler o que a JV escreveu.

O meu 'heaven' é mesmo uma coisa boa. Era uma casa no meio de um mato rasteiro e, aos poucos, foi-se transformando naquilo que eu ia imaginando. Nada de ostentação, muita simplicidade mas todo o espaço tem recantos ou caminhos que me encantam e emocionam pois são como desejei. A natureza tem correspondido aos meus sonhos. E a casa está cheia de coisas variadas que poderiam parecer uma misturada maluca mas que, pelo menos na minha opinião, foram um conjunto harmonioso. Sinto que há afectos em cada canto. Não é daquelas casas milagrosamente arrumadas e com móveis de 'estilo'. É uma casa onde toda a gente se sente bem, porque não dá medo de desarrumar e de usar.

Lisboa está linda, os jacarandás floridos, as ruas atapetadas de lilás, das flores que caem, e está perfumada, e há imensos turistas que tornam a cidade aberta e alegre e eu adoro Lisboa. É uma cidade sem igual, de uma beleza imensa.

Mas é no meu 'heaven' que eu encontro uma paz absoluta, uma quase fusão com a natureza.

A sua casa também deve ser uma maravilha. Quando uma pessoa tem um lugar onde se sente muito bem, tem muita sorte.

Uma boa noite - ou um bom dia, consoante a hora a que leia isto!

Anónimo disse...

Olá UJM,

Não me diga essas coisas que me fazem mal!
Daqui a uns meses faço 20 anos, portanto já vou bem encaminhada para a cova: se tudo correr bem e morrer aí com 80 anos, já vivi 1/4 da minha vida. Dá que pensar.
QI? Olhe, só lhe posso dizer que nunca me dei bem com aqueles testes com bolinhas dentro de quadrados para adivinharmos que imagem vem a seguir na sequência. Não tenho disposição mental para decifrar coisas dessas, o meu cérebro fica muito preguiçoso. Acho que nunca completei nenhum desses testes. Sabe que há sociedades de advogados que requerem que os candidatos façam testes de QI? "Quantas bolas de golfe cabem num estádio?" e perguntas assim, variadas, soltas. Já não são só as empresas de tecnologias e afins. Recuso-me a sujeitar-me a isso. Era o que faltava, colarem-me um n.º que dizem corresponder à minha inteligência baseado numa coisa dessas!
Sei que não sou nenhum génio e não tenho muita pena disso. Mas já tenho alguma de não ter a mínima "nota artística". Sou uma naba a desenhar, a dançar, a cantar, e imagino que a tocar instrumentos, ainda que só tenha tocado flauta na escola. Disso tenho pena. Até porque na minha família há artistas enormes (nela é quase tudo jurista ou artista).

Abrangência de espírito. Tenho a mania desta expressão. Gosto muito de enveredar por "grandes" pensamentos filosóficos, mas gosto ainda mais de encontrar soluções para problemas. Direito é mesmo a minha cara. Gosto muito de ter a minha dogmática toda bem organizada, ter um enquadramento mental claro, os conceitos bem definidos, gosto de pensar sobre as questões mais filosóficas, mas, acima de tudo, gosto de pensar sobre os problemas concretos e a melhor forma de os resolver. É um trabalho muito complicado: depende muito da forma como valoramos mais umas coisas do que outras, portanto, há um risco de arbitrariedade, de acharmos que somos donos da verdade muito grande. Principalmente, quando se é muito determinado, se fala bem, clara e diretamente, sem engonhar, e tem uma boa capacidade de persuasão como sei que tenho. É preciso termos muita confiança de que a nossa escala de valores é adequada. A resolução de um pequenino problema tem de ser integrada em todo esse enquadramento global e é preciso muita humildade. Há uns meses defendi, numa aula, uma coisa completamente parva, com uma veemência que nem imagina, e depois fui ler uns acórdãos sobre o tema e fiquei estarrecida a ler aquilo e a ver que o que estava a defender era uma injustiça de todo o tamanho. Foi uma vergonha! Não vale a pena contar a forma como me penitenciei perante a professora, mas foi duro, detesto admitir que estou errada, só que não consigo deixar o assunto passar, esquecê-lo. Se não der a mão à palmatória, sinto que estou em falta, que me podem atirar com aquilo à cara a qualquer momento. Não aguento estar nesse estado.

Bom, devo mesmo achar que tenho mais importância do que certamente terei, para me por aqui a dissertar sobre mim própria. E eu que detesto autobiografias.

Abraço,
JV

Um Jeito Manso disse...

JV, é sempre um prazer lê-la.

E uma vez mais fico a pensar cá para mim: esta rapariga alguma coisa deve ter. Começo a pensar que não pode ser tão perfeita assim. Será que, então, é feia? Muito feia? Assustadoramente feia?

Ainda não tem 20 anos e já tem a cabeça assim tão bem organizada...? E já sabe tantas coisas?

Que mistério.

Mas uma coisa lhe quero dizer. Eu que não sou burra de todo também não dou uma para a caixa nesses testes absurdos. E também é isso: não estou para esforçar a cabeça com coisas que não interessam nem ao menino jesus. Zero. Põem-me uma treta dessas à frente e digo logo que não faço.

Também sempre li muito e os livros foram parte da minha escola, do meu mundo novo.

Mas diz que convive pouco e isso é que já não me parece bem. A vida é uma maravilha, não deixe de a viver. Saia, passeie, conviva, namore, ria-se. Mesmo que grande parte das pessoas esteja uns furos abaixo de si do ponto de vista cultural ou intelectual, não se importe. E é bom aprender a ser paciente e tolerante.

O que vai ficando da vida são os bons momentos que se vão vivendo. A parte dos livros é fundamental mas as gargalhadas, os passeios de mão dada, estar deitada no chão dos jardins (já experimentou o relvado inclinado junto ao Terreiro de Paço? É uma maravilha!), isso não é substituível por outras coisas.

Mas, tirando isso, mantenha-se afirmativa, determinada, vibrante, entusiasta - e humilde, e franca.

Um abraço JV!