domingo, abril 27, 2014

A propósito de um comentário que recebi no outro dia, eis o que eu acho do 25 de Abril de 74, o portal do tempo que os portugueses transpuseram numa manhã pura e limpa. E do 25 de Novembro. E também da intervenção de um dos seus grandes responsáveis, Otelo Saraiva de Carvalho.


Por estes dias tenho pegado no computador depois da meia noite, bem depois, e portanto não tenho conseguido tempo para responder aos comentários ou para falar de tudo aquilo de que gostaria de falar. Este sábado à noite, então, para além do adiantado da hora, ainda estive a ver o Eixo do Mal e o Downton Abbey, pelo que tenho mesmo que encurtar caminho, deixar de lado os agradecimentos aos Leitores ou alguns temas que bem mereciam a minha atenção, e resignar-me a falar apenas do inevitável.

E um comentário houve, que transcrevo, e que penso que não deve ficar sem resposta. Transcrevo o comentário:

O 25 de Abril marca a queda de um regime ditatorial e totalitário, regime este que não caiu do céu aos trambolhões, mas que surgiu dos escombros da anarquia e desgoverno total da falida primeira república. Não desejo nem um nem outro para o nosso querido país, embora receie que nos estejamos perigosamente a aproximar novamente do segundo.
A liberdade e democracia que vivemos só a devemos ao 25 de Novembro.
Acho que seria muito importante também não esquecer o que sucedeu após o 25 de Abril, as nacionalizações, os saneamentos, uma autentica caça à bruxas em que milhares de portugueses tiveram de fugir do país.
Já para não falar da organização terrorista das FP 25 liderada por quem…….
É bom não esquecer… ou saber a história….

I


A democracia é preciosa e tanto que toda a gente tem direito a expressar a sua opinião. Antes do 25 de Abril isso não acontecia.

Ontem à noite vi o Expresso da Meia-Noite no qual estavam quatro mulheres: Maria José Morgado, Joana Amaral Dias, Maria de Sousa e Hélia Correia.

Como sempre, gostei imenso de ouvir a Hélia Correia. Foi a que menos falou mas o que disse é sempre intenso. Dizia ela que quando alguém acha que se vivia melhor antes do 25 de Abril ela fica sem palavras, não consegue dizer nada porque acha que, quem diz isso, só pode ser ignorante ou estar de má fé, é alguém que se quer pôr do lado do mal, alguém em quem vive como que uma malignidade. Comigo também acontece isso. Custa-me rebater alguém que não gosta do 25 de Abril. 

Mas vou esforçar-me para que não fique a ideia de que o tema me é indiferente. Não é. Acho que há coisas que devem ser defendidas e eu defenderei sempre a liberdade e a democracia e o desenvolvimento porque é esse o País que quero para os meus filhos, netos, bisnetos, trinetos e por aí fora. E espero que eles sempre o defendam também. Só numa sociedade livre e desenvolvida a vida faz sentido.

Antes do 25 de Abril, o País era vergonhosamente antiquado, os outros países olhavam para Portugal como um país pobre e atrasado no qual vigorava uma incompreensível ditadura.

Li um texto de Rita Veloso, alguém que sofreu na pele o que era a vida das crianças cujos pais, por quererem lutar por um mundo melhor, eram perseguidos e ou eram presos, torturados, ou fugiam do país ou viviam na clandestinidade. 

Transcrevo uma parte:


Já por várias vezes escrevi textos com as minhas memórias do período da ditadura e da revolução. Neles, adoto sempre uma perspetiva feliz, dada pelos olhos da criança que era. O Sol e o mar de Peniche, as brincadeiras nas visitas ao meu pai, as ingenuidades de uma criança que tinha de lidar com termos confusos, como clandestinidade ou preso político. Afinal, se não guardarmos da infância memórias felizes, de quando guardaremos?
No entanto, é óbvio que essa perspetiva resulta de um filtro aplicado a uma realidade bem diferente.
Além de todas as misérias que afetavam a generalidade das crianças no período da ditadura – a subnutrição e a fome, o analfabetismo, o trabalho de sol a sol, as doenças vorazes – e que contrastavam brutalmente com as regalias das elites, havia as dificuldades específicas dos miúdos que nasciam em famílias de quem se atrevia a combater o regime, as quais se podiam somar ou não às anteriores.
Crescer na clandestinidade implicava estar-se privado de qualquer sociabilização fora do universo da família nuclear, à exceção de idas fugazes ao médico ou às compras de rotina. Não se usufruía de mimos e ensinamentos dos avós ou dos tios, não havia as brincadeiras com primos ou amigos, aspetos essenciais ao pleno desenvolvimento da personalidade do indivíduo, que se quer num ambiente seguro, carinhoso e estimulante, que questione o intrigante mundo dos outros. Em contrapartida, convivia-se vinte e quatro horas por dia com pais e irmãos. Desenganem-se os que pensam que isso era um privilégio: a tensão em que estas famílias viviam, resultante não só da situação de foragidos como também do convívio forçado e anatural, era sufocante e repercutia-se inevitavelmente nas suas crianças. Vivia-se numa bolha hiperprotegida e asfixiante. A isso juntava-se a instabilidade da contínua troca de casa, com mudanças feitas à pressa, que deixavam para trás as nossas referências físicas afetivas.
 Quando chegava a idade escolar, o mais tardar, tudo mudava inexplicavelmente. Com mais ou menos conversas incompreensíveis, as crianças eram subitamente entregues a alguém da família, para poderem ir à escola sem levantar suspeitas e de forma estável. Não é preciso explicar o quão dolorosa era para pais e filhos esta separação. Em muitos casos, o contacto só foi reestabelecido na idade adulta, resultando, geralmente, em mágoas e acusações imperdoáveis. Muitos filhos questionaram o direito dos seus pais a constituir família naquelas condições, agravando ainda mais a dor que os pais já sentiam com o afastamento forçado.
O que levava tantos homens e tantas mulheres a optar por uma forma de vida que, de previsível, só tinha o dinheiro contado, a insegurança, a prisão e a tortura, o isolamento da família? Não seria, certamente, a sede de protagonismo, nem se tratava de semideuses ou heróis.
Serão, porém, seres com um profundo sentido de justiça e uma imensa capacidade de abnegação; indivíduos para quem o bem-estar próprio ou dos filhos vale tanto quanto o bem-estar de todos e para quem o primeiro não existe sem o segundo. Nem sequer se trata de abdicar de uma vida tranquila em prol dos outros; são indivíduos para quem a vida não é tranquila enquanto não houver justiça, igualdade e liberdade.

Tempos sombrios. Pessoas que, por quererem um país livre e melhor, se viam privados de toda a liberdade, incluindo da liberdade de poder acompanhar o crescimento dos filhos.

Em 48 anos de ditadura, cerca de 29.000 pessoas foram presas por motivos políticos. Uma vergonha que nunca deveremos esquecer.

Não há números exactos para o número de pessoas que tiveram que fugir do país para não serem presas mas foram milhares. Li no Expresso que, por alturas de Abril de 74, estariam exilados cerca de 100.000 jovens que queriam escapar à guerra colonial, essa guerra absurda, condenada à derrota e que tantas vidas estropiou.

A vida antes de Abril de 74 era boa para a minoria que se adaptava bem ao regime medieval, classista e iníquo que então imperava mas era insuportável para as pessoas que tinham alguns interesses intelectuais, que prezavam a liberdade de expressão, os valores democráticos, o desenvolvimento, o direito à igualdade de oportunidades, à justiça, à saúde, à educação e que queriam viver num País moderno e não numa ditadura ultramontana. 


II


Até que, numa madrugada, aconteceu o que todos (ou melhor: quase todos) esperavam. Depois de 48 anos de repressão o que se esperava? Destape-se uma panela cheia de pressão...

Pois bem, apesar de alguns excessos, a revolução em Portugal nem foi bem uma revolução. Os portugueses são gentis, afáveis, tratam bem mesmo os inimigos. Um ou outro excesso? Claro que sim. Seria impossível pretender que um povo estava a viver reprimido e que, pouco escolarizado e pouco informado, de repente se tornasse culto, informado, preparado para regras democráticas que nunca tinha conhecido.

Mas tudo se passava em festa, movimentos para escolarizar um povo analfabeto, médicos enviados para as aldeias onde antes nunca tinha havido cuidados de saúde, comissões de trabalhadores, comissões de moradores, uma euforia, uma alegria. Em pouco tempo tentava-se recuperar todo o atraso. Claro, as nacionalizações, claro algumas injustiças, claro. Gente que foi presa injustificadamente. Mas ninguém lhes fez mal e foi por pouco tempo. Mas claro que não devia ter acontecido. Mas são as imperfeições da natureza humana. Houve depois as famílias mais abastadas, algumas, as que tiveram medo e fugiram, colocando os seus bens fora do país, saindo com a família. Se foi por medo ou prudência, não sei. Mas terão sido uma minoria, minoria essa que depois voltou e encontrou os seus bens intactos.

Houve saneamentos? Houve. Alguns justos, outros injustos. 

Mas os excessos regulam-se e, de facto, regularam-se. No ano seguinte já as coisas estavam mais calmas, a democracia em moldes europeias começou a desenhar-se, a constituição ganhou forma, as eleições corriam normalmente e, assim, o 25 de Abril provou ser essencialmente uma revolução romântica, em que a população dava cravos que os soldados punham na ponta das armas, que atraíu intelectuais do mundo inteiro, toda a gente queria ver este povo saindo de 48 anos de repressão e de atraso.


III


Quanto a Otelo. Otelo foi o grande organizador das operações militares e o mérito da contenção e precisão da operação cabe-lhe a ele tal como cabe a Salgueiro Maia a coragem para servir de isco, pondo-se a caminho, por estrada, de Santarém a Lisboa. O País deve a Otelo, a Salgueiro Maia e a tantos outros a libertação. Como dizia a Hélia Correia, o 25 de Abril foi como um portal através do qual as pessoas saíam do passado e entravam directamente num outro tempo, num tempo prenhe de esperança, no futuro.

Otelo quis depois afastar-se, voltar às suas anteriores funções-  mas Otelo é um líder. As tropas gostavam dele, quiseram-no por mais algum tempo. Espírito truculento, um enfant terrible, formação militar, habituado a decisões rápidas em tempo de guerra, nesse período eufórico e intenso logo a seguir ao 25 de Abril, perdeu a mão em relação a mandados que assinava em branco e outros disparates. Foram meses, talvez, em que durou algum desse desatino mas que apenas alguns o sentiam, os pides sobretudo, informadores, gente de quem se dizia ter colaborado com o regime salazarista.

Depois os militares saíram de cena, voluntariamente o fizerem, oficiais e cavalheiros.

De entre os que se retiraram, um manteve-se activo. Otelo, claro. Concorreu à Presidência da República. Depois deixou-se envolver por um movimento extremista. A justiça julgou-o por pertencer a um movimento terrorista, esteve preso, pagou pelo que fez. Continua a dizer que não esteve envolvido nas mortes.

Mas o facto de um dos principais agentes do 25 de Abril, anos depois, ter dado um mau passo, não deve esbater a grandiosidade do que foi o movimento que derrubou um regime obscurantista.

Apenas para que o Leitor que escreveu o comentário perceba melhor o que digo, deixe-me tentar ficcionar uma situação com algum paralelismo embora, claro, em escalas de importância completamente díspares.

Imagine que o Caro Leitor - sendo um excelente profissional, responsável por um projecto fantástico com benefícios para toda a organização - um dia, tempos depois, tem um deslize e se envolve com uma outra mulher que não a sua, negligenciando a sua própria mulher e filhos. Seria justo que, sempre que alguém louvasse a sua intervenção no projecto fantástico em que esteve envolvido, viesse outra pessoa dizer: convém não esquecer a forma como ele descurava a família quando andava de cabeça virada do avesso...?

Não seria justo, pois não? 

IV


Em minha opinião o dia luminoso a celebrar é o 25 de Abril de 74 e o 25 de Novembro foi o travão que veio refrear alguns ímpetos mais afobados.

Mas quero ainda exprimir em números uma pequena parte do muito que devemos ao 25 de Abril (e vou citar parte dos números que Daniel Oliveira refere no Expresso desta semana):
  • Em 1970 apenas 15.000 crianças frequentavam o ensino pré-escolar. Em 1990 já eram 161.000
  • Em 1970 25,7% da população era analfabeta. Em 1990 já era apenas 11% e hoje o número já desceu para 5%
  • Em 1970 a mortalidade infantil era 77.5%. Em 1990 já era 10,9%
  • Em 1970 apenas 47,4% das casas tinham água canalizada. Em 1990 já eram 86,8%
Uma verdadeira revolução. Tranquilamente Portugal transformou-se por dentro, modernizou-se, tornou-se digno.

Por muito que façamos, nunca agradeceremos suficientemente aos Capitães que ajudaram Portugal a transpor o portal do tempo de que Hélia Correia fala. 

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As fotografias foram feitas no dia 25 de Abril em Lisboa

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5 comentários:

Anónimo disse...

Caro UJM,
Sigo o seu Blog há vários anos é a primeira vez que vejo um comentário originar um Post. Se não me engano de ter sido a resposta mais longa que deve ter dado a um comentário. Desde já peço as minhas sinceras desculpas pois não era minha intenção consumir mais das suas poucas horas de sono.
Gostei muito do seu post, mas acho, que está a confundir um puco as coisas. Sabe, este período é muito dado a isso. Diz que defende a Liberdade e a democracia. Optimo! Eu também! Nunca escrevi que defendia outra coisa.
Deste período da nossa história, como de qualquer outro, o que importa são os factos e não a interpretação pessoal de uma realidade.
A descrição que faz da realidade antes do 25 Abril não é rigorosa, no sentido histórico, pelo menos. Não entenda mal o que estou a dizer. Estamos hoje muito melhor relativamente ao que estávamos antes do 25 de Abril. Tudo isto se deve à democracia e a Liberdade. Estamos de acordo neste ponto. Mas o que também é um facto é que Portugal nos anos 50 e 60 estava muito melhor do que o país nos anos 30 e nos anos 20. Temos que olhar para os factos. Portugal em todo a sua história nunca teve um crescimento económico tão grande e sustentável como no período do estado novo. Repare que a própria abertura à Europa com a adesão à EFTA começo com Salazar.
Mas uma vez digo, não estou a defender o Estado Novo, estou a cingir-me a factos. Se estou a defender alguma coisa estou a defender e a dar algum crédito a inteligência colectiva do nosso povo por ter “suportado” este regime durante um período de 4 décadas. Aliás, um dos períodos mais instável, conflituoso e tumultuoso da história da humanidade. É curioso ainda hoje ouvi, na radio, o Manuel Alegre a dizer que o antigo regime não era um regime sanguinário, e próprio Mário Soares elogiou a gestão dos dinheiros públicos de Salazar. Não deixa de ser curioso, mas verdadeiro.
O que não concordo de todo é com a parte do seu texto sobre descrição do que se passou a seguir ao 25 de Abril. O verão quente, o PREC, a reforma agrária, as nacionalizações, não foram “coisa pequena”. Como diz o novo presidente da camara do Porto, Rui Moreira, “ não devemos confundir o 25 de Abril com o que se passou depois”. Concordo totalmente.
O que se passou foi grave, foi grande, prejudicou muita gente e prejudicou principalmente o país durante muitos anos. Não foram “alguns” Excessos” como diz. Não vou dizer o que factualmente aconteceu. Todos o sabemos, basta olhar com uma visão não deturpada por qualquer ideologia ou fanatismo. Basta dizer que se tudo estivesse bem, se o que aconteceu apenas fossem alguns excessos como diz, o 25 de Novembro nunca tinha acontecido. O racional da lógica é imbatível.
Quanto ao Otelo….
Não me atrevo a comparar Otelo com Salgueiro Maia. Um um herói, outro um assassino.
Peço desculpa pelo que vou dizer, pois acho-a uma pessoa muito inteligente e gosto muito das análises que faz e da paixão que pões nas suas causas, mas a comparação que faz e a tentativa de justificação e desculpabilização das acções de Otelo são ridículas. Não as vou comentar. Apenas vou, mais uma vez, cingir-me aos factos. Otelo Saraiva de Carvalho liderou uma organização terrorista que assassinou mais de uma dezena de inocentes. Foi julgado e condenado, mas não pagou pelo que fez pois sofreu uma amnistia e um indulto.
Por fim, que realmente isto já vai longo e eu não sou dado a grandes textos, termino como comecei.
“O 25 de Abril marca a queda de um regime ditatorial e totalitário, regime este que não caiu do céu aos trambolhões, mas que surgiu dos escombros da anarquia e desgoverno total da falida primeira república. Não desejo nem um nem outro para o nosso querido país, embora receie que nos estejamos perigosamente a aproximar novamente do segundo.
A liberdade e democracia que vivemos só a devemos ao 25 de Novembro”.
Tenha um bom domingo.

anónimo disse...

efectivamente, se não tivessem metido cravos nas espingardas, mas sim usado, para o que servem, não havia o 25 de novembro, mas sim o 1 de novembro, pelo menos até o ano passado.

Um Jeito Manso disse...

Caro Anónimo,

Não é a primeira vez que um comentário dá origem a um post: já aconteceu várias vezes. Creio também que não terá sido a resposta mais longa mas isso não interessa. Quando os assuntos me interessam, discuto-os com gosto.

E gosto que provoquem a minha vontade de discutir sobre assuntos que me interessam.

Por isso, apesar de não concordar consigo, agradeço a vivacidade da sua argumentação e o seu contributo para o exercício do contraditório. É falando que todos aprendemos.

Por isso, obrigada.

Bob Marley disse...

não esquecer os heróis que prepararam o 25 de abril - http://www.rtp.pt/play/p1534/e151801/o-imp?rio-e-os-rom?nticos-armados

Anónimo disse...

Olá, UJM,

Também me faz confusão ouvir pessoas dizer que antes do 25 de abril estávamos melhor do que agora e que com o Salazar é que isto funcionava bem. O 25 de abril pos termo a um regime ditatorial que mantinha o país numa bolha isolada do resto do mundo, um país subdesenvolvido, com gente triste e feia. É claro que em 1970, o país era mais desenvolvido do que em 1926: os meus avós têm 80 anos e posso garantir-lhe que a qualidade de vida deles foi sempre em crescendo. A minha mãe foi a 3ª e última filha e a única não só a ir para a faculdade, mas a estudar para lá do 4º ano. Só que isso é pouco. Muito pouco.

O 25 de abril foi uma coisa boa, disso não se pode ter dúvidas. E parece-me normal o PREC, as nacionalizações, o que se passou antes do 25 de novembro: vivíamos um período transitório, com diferentes fações a querer tomar o poder, é normal que um período desses traga dissabores a algumas pessoas. O meu pai, que se lembra bem do medo que a família dele teve de se calhar não conseguir passar a fronteira para Espanha em 75 e chegou a pertencer às juventudes nacionalistas do regime franquista (embora cedo se tenha libertado de vários condicionamentos educacionais, desde os extremismos de direita à religião), dizia no outro dia que em casa dele parecia que a Revolução Francesa ainda era algo que tinha acontecido à pouco tempo, como se tivesse sido à 20 anos e não à 150, e que se gostava era dos ingleses por serem contra ela. De facto, antes do 25 de abril vivíamos ainda no Antigo Regime.

Agora outra coisa é dizer que o 25 de abril foi uma revolução popular, do povo. Não foi. Foi a tomada do poder por maia dúzia de capitães que estavam zangados porque, como havia falta de militares para enviar para a guerra, se promoviam a oficiais pessoas requisitadas civilmente, com uma formação de um ano, e não de 3 anos como os militares de carreira, aos quais eram, desta forma, equiparados. Não sou eu que sou cética; diz isto o Mário Tomé e dizia um militar no outro dia no programa "A 5ª essência" da antena 2. O 25 de abril deve-se a motivos profissionais dos militares de carreira.
É claro que, no meio dos militares, havia algumas ideologias, uns tipos radicais, comunistas, e antes do 25 de abril já se tinha pensado no golpe como forma de mudar de regime: basta ler o programa do MFA. Mas a razão principal é a que disse antes.
Se tivessem sido os estudantes, dos quais falou, a despoletar uma revolução, ou os comunistas, ou os liberais... mas não foram.
E digo-lhe mais: os exilados, os que pertenciam a células comunistas, os poetas... eram "meia dúzia de líricos", já dizia Zé Mário Branco - homem insuspeito (quem nunca ouviu o FMI, deve mesmo ir ouvir!). Esses milhares de presos políticos de que falou, na sua grande maioria, não eram "verdadeiros" presos políticos: eram pessoas comuns, sem qualquer tipo de relação com movimentos anti-regime, que eram presas por "motivos políticos", tal como se caçavam "bruxas" durante a Inquisição.

Boa semana,
JV