sábado, abril 26, 2014

25 de Abril de 2014 junto ao Convento do Carmo. E, depois, passeio por Lisboa, a bela, colorida e luminosa cidade que esteve todo o dia em festa. Esta é a minha reportagem fotográfica.







Na manhã de 25 de Abril de 2014 parecia que todos os rios iam desaguar ao Carmo. Lisboa linda como sempre, solar, amena. E aquele movimento que a anima, gente diferente, gente de outras terras que se junta à festa, cravos na mão, sorrisos, expectativas. 

O Largo do Carmo transbordante. As ruas que o alimentam cheias.

Comecei na Rua Nova da Trindade que já estava cheia mas quis ir mesmo lá abaixo. 

Que não, que não, impossível, não se vai conseguir arranjar sítio. Mas eu queria mesmo era circular. Difícil, de facto...

Um aperto: o Largo do Carmo cheio, cheio, não cabia nem mais um ovo. Mas lá consegui ir circulando, a custo, muito a custo. Depois subimos pela Travessa do Carmo e voltámos à Rua da Trindade, o meu marido sem perceber esta minha vontade de ver tudo, de testemunhar, de registar. Digo-lhe que é a minha veia de repórter. Responde-me, és maluca, é o que é. Talvez.

Quem lá esteve sabe do que falo. Muita gente.

Tirei uma fotografia panorâmica com o telemóvel e enviei aos meus filhos e aos meus pais. A minha filha perguntou de volta: 'Só cotas?'. respondi que não. Todas as idades. Crianças. Mas sim, muitos cotas. 

Gente com bom ar. 

O que eu vejo nestas manifestações é que quem lá está é essencialmente classe média ou média alta, senão alta mesmo. Os muito pobres, os abandonados pela sociedade não se manifestam, nem isso fazem. Estarão cansados, infelizes, descrentes. 

Vê-se muito do que terá sido a geração estudantil em 74 ou os que passaram pelas crises académicas de final dos anos 60, e que hoje se revoltam porque vêem o País agora entregue a gente desclassificada.

Vêem-se pessoas de idade, muitos cabelos brancos, gente que não suporta a ideia de se ver tratada como se de um grupo de parasitas se tratasse.

Mas, pela primeira vez, vi muitos casais jovens, gente que se vem chegando talvez com curiosidade, talvez com vontade de exercer os seus direitos, talvez sentindo que viver não é sinónimo de aceitar mas de lutar. 

Mas há um tal ambiente de festa que todos se sentem inevitavelmente bem vindos, acolhidos num ambiente de fraternidade.

Não sei se é da luz de Lisboa, se é dos cravos, tantos cravos, se é do espírito que Abril induz nas pessoas, a verdade é que as pessoas estavam bonitas, garbosas, joviais.

Nestes momentos a emoção toma um pouco conta de mim. 

Um povo que se vê espoliado, insultado, os seus sonhos roubados e que, depois, reage assim, vindo pacificamente para a rua, como se viesse para uma festa. Há uma forma tranquila, uma resiliência, uma superioridade moral que é tocante.

E Vasco Lourenço falou e foi muito aplaudido. Disse da sua revolta e da forma como estes desgovernantes destratam as pessoas, esquecendo-se delas, desgovernando para agradar aos mercados custe o que custar e não para as pessoas. Disse também que a União Europeia está a impor regras que atentam contra a liberdade soberana do País e que, se isto continua assim, deveremos pensar sair dela. Nesta parte não aplaudi embora não discorde totalmente, não sei.

Estou plenamente de acordo com o ideal europeu mas a UE encontra-se de tal maneira manietada por burocratas ou por políticos que os países rejeitam para uso doméstico e exportam para lá como refugo que aquilo acaba por se tornar um caldo amorfo, sem líderes. A UE anda à deriva e toque de caixa por uma Merkel que manda mais do que todos os organismos atafulhados por milhares de seres cinzentos, meio descerebrados. Mas sair de lá e ficarmos entregues apenas a nós próprios, sabendo a fragilidade do regime português e a debilidade (mental e não só) de grande parte dos políticos, não sei não.

Também não me revejo no derrube forçado do Governo. Ou deveria ser destituído por Cavaco Silva ou deveria demitir-se se o resultado das europeias lhe for muito mau. Por norma, não sou adepta de golpes de estado. Pelo contrário, sou totalmente adepta de regimes democráticos e só em casos extremos, como era o caso do regime antes do 25 de Abril de há 40 anos, me revejo na forma como o derrube então aconteceu.

A referência de Vasco Lourenço ao actual Presidente da República mereceu a maior vaia, uma monumental assobiadela, e gritos como Ladrão!, Grande filho da...1, É o pior de todos!, ouviram-se de entre uma multidão revoltada.


Depois, no final, ele propôs que cantássemos o Grândola e depois o Hino Nacional.

Nesta altura comovo-me sempre. Milhares de pessoas a cantarem em uníssono a Grândola, todos ali junto uns aos outros, aquele frémito quase material que percorre os corpos - e a mim as lágrimas correm pela cara, não as consigo controlar.

E a seguir o Hino. A energia do cantar da Portuguesa foi formidável. No final, a parte da luta pela pátria e contra os canhões marchar, marchar, foi cantada a plenos pulmões, com raiva, com muita energia, com uma força que trespassaria qualquer palerma armado em governante de pacotilha que, naquela altura, por ali passasse.

E depois o grito de ordem O povo unido jamais será vencido. O povo unido jamais será vencido. O povo unido jamais será vencido.

Poderia soar  quase como um grito de guerra mas, na boca afável dos portugueses, soa apenas a um aviso, mais a um alerta para que não esgotem a sua paciência. O povo unido jamais será vencido. E a mim soa-me como um grito de união e a mim a união expressa desta forma uníssona emociona-me sempre.

Vi várias figuras públicas conhecidas e fotografei algumas. Contudo, agora que estava a escolher, de entre as centenas que fiz, algumas para aqui vos mostrar, achei que não deveria colocar fotografias de pessoas públicas mas que, certamente, ali estavam a título pessoal. E, por isso, apenas aqui divulgo fotografias de pessoas que não conheço.
Como sempre o digo, se alguma das pessoas retratadas o não permitir, bastará que me contacte e solicite que retire a fotografia que logo o farei.
Continuando. Dali seguimos para o Chiado. Em festa também, tanta a gente, tanta a luz, tanta a música que envolve quem passa. Os Capitães de Abril andam também por ali. Bela homenagem esta a de espalhar fotografias do dia inicial, puro, limpo, que há 40 anos fechou o ciclo obscurantista que impedia o desenvolvimento do País.














Sei que muitos dos meus Leitores não são de Lisboa. É a pensar neles e, em especial, aos que terão mais dificuldades em vir até cá nos próximos tempos que mostro todas estas fotografias.

Há tanto movimento, tanta cor, que a cidade parece ainda mais bonita. Há imensos turistas.

O trabalho de António Costa à frente da autarquia tem sido inteligente e meritório. Atrai as pessoas para o uso da cidade. Também senti isso quando estive, há uns meses, no Porto.

No entanto, Lisboa é mais meridional, mais desinibida.

Pelo menos, a mim parece-me.

E dali fomos até ao rio. Inevitável, o Tejo.

As esplanadas cheias, cheias, gente a apanhar sol, o rio perfumado, imenso.

Acostado, o cacilheiro Trafaria que era apresentado com direito a cocktail.

Podia mostrar-vos muito mais - como a surreal sessão fotográfica a que assisti e que registei, com uma produção bem exigente, modelos femininos de cabelos e vestidos ao vento e cães felpudos - ou a elegância das mulheres que passeia em Lisboa. Mas isto ficaria longo demais e não quero maçar-vos indecorosamente.

Mas deixem que vos mostre a alegria dos meus pimentinhas que se nos juntaram na parte da tarde no Terreiro do Paço para verem as viaturas militares. Ela não ligou patavina, claro. Material de guerra não é a praia dela. Mas os rapazes deliraram. Boys will be boys, disse a minha filha quando os viu todos num entusiasmo com os canhões, os mísseis, os equipamentos com antenas e sei lá que mais. Até o bebé se interessou, já para não falar no pai dele que se pôs a fazer pontaria com uma G3.

Mas não é tudo material de guerra como os soldados lhes foram explicando. Há veículos de salvamento ou patrulhamento ou para actuar em situações de emergência. O mais crescido fez perguntas e mais perguntas e o ex-bebé ria de felicidade, aos comandos daquela maquinaria toda.

Depois ficámos mais um pouco por ali à espera de ouvir a Banda da Armada. Na altura ainda não havia muita gente e eu podia fazer uma reportagem completa só com as pessoas curiosas que iam aparecendo, com as mulheres elegantes, com os homens patuscos, ou com a graciosidade florida das raparigas.

Depois, então, começaram os marinheiros aventureiros.

Numa altura em que já ninguém fazia tropa e sendo a minha filha já nascida, um dia, ao chegarmos a casa, o meu marido tinha um postal à sua espera na caixa do correio. Não percebíamos o que era aquilo, nem nos ocorreu o que pudesse ser. Era a incorporação na tropa. De todos nossos amigos e ex-colegas de curso, ele foi o único que foi mobilizado, uma coisa incompreensível. Foi ser professor numa das Escolas da Armada, parece que precisavam, na altura, de professores para as cadeiras que ele foi dar. Na altura foi um choque brutal para nós. Estava a trabalhar, claro, e foi ganhar muito menos. E ele era (e é) todo anti-militarista e ver-se a fazer tropa foi uma contrariedade muito grande. Mas eu acabei por achar graça àquilo. Ele ficava lindo com a farda. No inverno, a farda era azul escura; no verão, era branca. E havia umas mordomias agradáveis. Ainda lá esteve 26 meses. 

E ainda mantém alguma ligação à Marinha. Era um ambiente bom, uma camaradagem agradável. Por isso, ficámos ali a ver e ouvir a banda no Terreiro do Paço.

Entretanto, o Terreiro do Paço tinha-se enchido. Havia provas de ginástica, e muita gente, muita luz. A bateria da máquina estava a chegar ao fim mas há coisas a que não se consegue resistir.

Esta cadelinha estava produzida a rigor, uma autêntica Portuguesa.

É o que vos digo: os portugueses são afáveis, boa gente, com um sentido de humor notável.

Apesar da desgraça que lhes caíu em cima com o governo mais incompetente de que há memória, os portugueses enchem-se de cravos, cravos nas mãos, nos chapéus, no cabelo, na lapela (eu usei o meu atrás da orelha, preso com os óculos de sol), sorriem, apanham sol, vivem. Não perderam a força, não perderam o ânimo. Gostei de ver os meus conterrâneos. Ainda não morreram. Ainda estamos vivos.

Já estávamos cansados pelo que apenas espreitámos os Restauradores, não tivemos energia para a Avenida da Liberdade. Por pouco não apanhámos a chuva de cravos. Acabámos a jornada deitados ao sol, rente, rente ao Tejo, naquela rampa que desce do passeio ribeirinho até ao rio. Quando estávamos a ir para lá, cruzámo-nos com Manuel Salgado, o arquitecto de Lisboa, que tem imaginado os espaços públicos da cidade e que a tem devolvido às pessoas.

Um belo, belo dia. 25 de Abril sempre. Claro que não ouvi o que é que o Cavaco disse na Assembleia da República nem estou interessada em saber se enviou recados ou alfinetadas ou as banalidades do costume. Há mais vida para além de gente como ele.

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Nobre povo, Nação valente



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São 3 da manhã e isto saíu-me tão extenso e estou com tanto sono que não consigo rever o que escrevi. Por isso, se detectarem gralhas, por favor relevem, imaginem que são gaivotas e não gralhas... A menos que sejam calinadas imperdoáveis, caso em que vos peço que, por favor, me avisem.

Não consigo responder aos comentários do post anterior mas a ver se amanhã respondo a um deles que acho que não deve passar sem resposta. Todos têm direito à sua opinião mas custa ouvir defender o regime anterior ao 25 de Abril, um regime que mantinha o Pais amordaçado, atrasado, inculto, um país que era uma vergonha.

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Já agora dou a ficha completa da jornada. Almoçámos no Restaurante Pessoa na Rua dos Douradores, um dos bons restaurantes tradicionais da cidade. Os comes repartiram-se entre ovas de pescada cozidas com batatas e feijão verde e lulas grelhadas com o mesmo acompanhamento, as sobremesas entre torta da casa e ananás. Ambiente do mais tranquilo que há, comida da boa, preços muito acessíveis. Uma dose custa à volta de 9 euros e dá para 2 pessoas. As meias doses são individuais mas muito bem servidas e custam 7 euros. Recomendo.

De resto, no que se refere à música deste post:
  • A Grândola, Vila Morena, é cantada pela Joan Baez e pelas pessoas que assistem
  • O Hino de Portugal aqui é cantado pelo Coro Infantil da EB1/PE Marinheira no dia Eco-Escolas
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.

6 comentários:

Anónimo disse...

Que bela reportagem do 25 de Abril! Anima-nos, estas suas palavras.
Parabéns!
P.Rufino

Bob Marley disse...

na prática, a mão invisível de Adam Smith (1.º vídeo) - http://dailypicksandflicks.com/2014/04/22/crazy-ethiopian-intersection-with-no-traffic-lights-video/

Bob Marley disse...

a imaginação - http://www.huffingtonpost.com/2014/04/23/dogs-playing-fetch-alone_n_5188645.html

jrd disse...

Uma bela homenagem.
Vi,li e ouvi na blogosfera várias reportagens sobre o dia "Inteiro e limpo". Esta é mais completa.
Abraço

Pôr do Sol disse...

Olá Jeitinho,

Obrigada pela sua bela reportagem.

Fiquei muito feliz por ver que o Povo saiu à rua para viver a sua festa da liberdade, contrariando a vontade dos que se dizem governantes.

Abril não será atacado pelo bafio enquanto o Povo se lembrar de como era antes dele: Eram proibidos "ajuntamentos" de mais de seis pessoas na rua.

Um beijinho e viva o 25 de Abrile quem o fez.

Anónimo disse...

Olá jeitinho,
Mais uma vez estivemos juntas no meio da multidão.
Beijinhos Ana