sábado, março 01, 2014

Palavras muito pessoais


Antes de mais, quero pedir-vos encarecidamente que, a seguir a este, não deixem de descer até ao post seguinte e ouvir a maravilhosa voz de Angeline Ball fazendo de Mary Bloom (do Ulisses de James Joyce). É um momento de tão intensa beleza que gostaria de saber que o que a mim me parece tão belo, também para vós que aqui me estão a ler é um momento a que não conseguem ficar insensíveis.

A seguir a esse momento de uma limpidez absoluta mudo de registo e mostro uma palestra na qual se mostra como são os juros da dívida que estão a destruir a economia e a subjugar os Estados.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra. Falo-vos de mim aqui a escrever-vos.

*

Mas, primeiro, que se chegue a nós Natalie Merchant interpretando Motherland. Muito bonito também.





*

Estou cada vez mais entrincheirada nesta mesa onde escrevo. Livros, livros, livros. 


Não quero arrumá-los já nas estantes pois perco-os de vista e ainda os quero ler, reler ou tresler. 

Além disso, antes de serem arrumados, têm que ser classificados e introduzidos na base de dados e quem se tem ocupado disso é o meu marido que agora se tem recusado pois diz que é uma tarefa infindável para a qual perdeu a paciência. 

Não sei como convencê-lo e eu não tenho tempo para isso, senão tenho que parar com os blogues.

Então pára, diz-me ele, isso dos blogues não é nenhuma obrigação. Claro que não, porque se fosse já eu tinha parado. É um prazer e eu tenho dificuldade em virar as costas aos prazeres.

À volta desta mesa e sob as janelas ou contornando os sofás, há estantes baixas destinadas a arrumação provisória. E há outros livros que estão num cesto grande que está entre um sofá e a estante baixa que está encostada a ele.

Os miúdos agora têm uma brincadeira nova: trepam do sofá para cima da estante e aí, nesse piso mais elevado, fazem as suas brincadeiras. Quando descem, invariavelmente fazem cair as pilhas de livros que estão nesse grande cesto (um cesto de verga forrado a pano, daqueles onde se põe a roupa acabada de engomar). Zango-me, não quero que desarrumem os livros nem que os pisem. Dizem que sim e passado um bocado volta a acontecer. Dizem que é sem querer. Acredito.

Outras vezes, os dois do meio, pequenos ainda, que têm as pernas mais curtas, quando querem sair de cima da estante e não querendo fazer o percurso que os levou lá, apoiam-se na prateleira intermédia e, claro, volta e meia fazem cair os livros que estão dentro da própria estante. É uma guerra. Zango-me, que vão brincar noutro sítio. Mas qual quê, o interdito é o mais desejado. Ali, sentados em cima da estante, são reis, guerreiros, bombeiros, super man, homem aranha, rainha ou princesa ela.

Não querendo contrariar-me à frente dos pequeninos, ouço, contudo, em voz baixa, apartes: no meio de tanto livro, pilhas de livros por todo o lado, como é que as crianças vão perceber que aqueles ali são intocáveis? Respondo que são intocáveis mesmo. Aqueles e todos os outros. A casa pode ficar virada do avesso que tolero mas que perturbem a paz dos meus livros já me incomoda.

O meu marido faz outra coisa arreliadora. Volta e meio chego à sala e vejo livros ao monte em cima destas estantes baixas (como estão agora que os acabei de fotografar). Apanha-os e põe-os ali de qualquer maneira. Outras vezes tira-os de cima da mesa, e põe-os noutro sítio, diz que tem medo que os livros caiam em cima dos miúdos e os magoem. Fico aborrecida porque põe as colunas de livros de qualquer maneira e, podendo parecer que isto é o caos, não é. Cada pilha tem um tipo de livros e a sequência em volta da mesa (que é redonda) tem a ver com a frequência com que deito a mão a um livro de cada conjunto.

Eu e os livros... Quantas vezes já vocês me ouviram falar nisto, não é?

Tenho esta coisa comigo mesmo no que se refere a livros. Falta-me tempo, falta-me espaço. Se calhar falta-me também alguma disciplina.

Eu gostava era de ser duas, clonar-me, e partilhar os pensamentos com a minha clone. O meu marido diz que alinha nessa, de ter aqui em casa duas eus (mas não me alongo neste ponto). 

Ou, então, não podendo eu clonar-me, gostava que o tempo esticasse e que cada dia fosse dois. Talvez, assim, pudesse não deixar para trás tanto do que gostava de fazer.

O meu trabalho é muito absorvente. Saio cedo de casa e regresso geralmente entre as 19 e as 20. Hoje, por exemplo, já passava bem das 20. Como depois ainda faço uma caminhada de uma hora, estão vocês a ver o tempo que me sobra. 

Os fins de semana são frequentemente um puzzle de mil peças em que acontece não ter um minuto para mim senão ao fim da noite, quando já estou para lá de Bagdad.

As férias são vinte e dois ou vinte e três dias por ano, nem sei bem. Faço-as render como posso, tirando dois ou três dias de vez em quando (de vez em quando é como quem diz: para aí umas duas ou três vezes por ano),  mas no Verão não posso gozar mais que duas ou três semanas por ano, parte das quais também super ocupadas.

Sonho com ter a possibilidade de ter todos os dias duas ou três horas para ler e mais duas ou três para escrever. Que bom deveria ser. 

E gostava de conseguir ter os livros sempre bem arrumados e ter um écrã táctil de pé ou afixado na parede, em cada uma das divisões onde tenho livros, como aqueles que há nos shoppings em que, com o dedo, pesquisasse os livros que quisesse e aquilo me assinalasse a estante onde eu me deveria dirigir.

Talvez quando for velhinha. 
Velhinha... e a viver num recanto da casa cercada de livros por todos os lados.
(Mas talvez nessa altura o meu marido volte a ter paciência para registar os livros no computador.)

E, no entanto, cada vez estou mais niquenta com os livros. Circulo pelas livrarias e quase tudo me causa alguma repulsa. 

Passo os romances de cordel, passo os de ficção científica, passo os de vampiragem e outras aberrações, passo os de romance históricos, passo os de auto-ajuda, passo os de psicologias baratas, os de mandamentos económicos para atrasados mentais, passo os de vedetas da televisão, e os do Gomes Ferreira, os do Ricardo Costa, os da Maria João Avillez. E vou circulando. 

Depois folheio os que que me parece terem hipóteses mas, na maioria, parecem-me maçadores, histórias sem interesse, exercícios irrelevantes, delírios, auto flagelações, xaropadas, uma forma primária de escrever. Já não tenho paciência para perder tempo com isso.

Depois, então, de vez em quando, lá descubro coisas que despertam o meu interesse. Coisas simples. Poesia. Correspondências. Alguns ensaios. Livros sobre livros. Livros sobre fotografia. 

Silêncios. Palavras sinceras. Arte. 

(Mas não são muitos os que têm o dom de saber escrever como eu gosto e isto parece agravar-se de dia para dia; mas pode ser que o mal seja meu).


***

Relembro: não deixem, por favor, de ir até ao post seguinte. Beleza mesmo. 

A seguir há uma lição de finanças públicas e respectivo impacto na economia: importante para se perceber o que está a acontecer e como é relevante ter-se lideranças fortes e não gente ignorante que se deixe facilmente subjugar.


***

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom fim de semana a começar já por este sábado.


8 comentários:

Bob Marley disse...

A realidade pararela, a máquina não para:

aqui - http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=38264

aqui - http://ilcao.cedilha.net/

Bob Marley disse...

https://fbcdn-sphotos-c-a.akamaihd.net/hphotos-ak-frc3/t1/1723170_784471084914664_1576673315_n.jpg


Bob Marley disse...

este ficava bem aqui - https://www.youtube.com/watch?v=f5z1RXS_iEQ

Bob Marley disse...

mais um elucidativo - http://www.youtube.com/watch?v=j9lsc5P9Nkw

Bob Marley disse...

a pedir, que seja com pinta - http://www.youtube.com/watch?v=Pbdewwtm70w

Bob Marley disse...

DEVE FALTAR POUCO PARA O JIM APARECER.

SÓ UM PEQUENO APARTE, NÃO TENHO PACIÊNCIA PARA O FACEBOOK, MAS UMA VEZ QUE TEM DOIS BLOGS, PORQUE NÃO CRIA UMA CONTA TWITTER, E PUBLICA SÓ OS LINKS DOS POSTS QUE PUBLICA (O QUE JÁ É MUITO). ERA MAIS FÁCIL PARTILHAR, E PASSAR A PALAVRA, E AQUI TEM PALAVRAS PARA SEREM PARTILHADAS.MAIS DEPRESSA CHEGARIA AO 1 MILHÃO.PENSO EU DE QUE.

Anónimo disse...

Isto dos livros em casa pode ser, na verdade, um problema. Porque é preciso ter lugar para os arrumar. Nós aqui, como a casa é grande, lá os vamos espalhando por estantes (e até em cima de mesas), uns deitados, outros de pé, mas também já, alguns, no chão de uma outra sala, junto a uma outra estante. Agora, não temos é qualquer preocupação com classificações e coloca-los numa base de dados. Separamo-los tão só em função do tipo de livros, ou seja, por assuntos, p.ex, literatura, arte, ensaios, história, antiguidade clássica, música (tenho uns excelentes sobre música clássica que tive a sorte de encontrar em Londres), deste modo permitindo uma mais fácil e rápida forma de os localizar. De resto, nada mais. E nunca deito, ou deitamos fora um, a não ser que seja algum que alguém nos tenha oferecido e que não seja dos nossos interesses. A esses, o que felizmente só muito raramente sucede (há o bom senso de não nos oferecerem livros, pois sendo uma coisa muito pessoal e cujo gosto e interesse é muito particular, corre-se o risco de quem os recebe depois não saber o que fazer com eles), procuramos desfazer-nos deles de uma forma ou outra (p.ex, já recorri ao expediente do “esquecimento” num combóio). E sempre que compro um, leio-o. Uma boa parte dos livros que possuo, desde há anos, já os li, estando, ainda assim, alguns à espera da sua leitura, em devido tempo. Por norma não costumo comprar muitos livros de uma só vez, pois gosto de os ler logo após, ou algum tempo depois. A não ser que os tenha adquirido no estrangeiro e como não se vai lá assim sem mais, então compro os que posso e “alombo” depois com uma mala cheia deles (já paguei excesso de peso por causa disso). Eu adoro livros e de os ler. São dos meus melhores “amigos”. Sou incapaz de parar de ler. Ambos cá por casa lemos todos os dias um pouco. Um hábito que tentámos inculcar nos filhos, embora um seja mais leitor do que o outro. E nunca viajo (dentro ou fora do país) sem um livro. E sucede também estar a ler e a ouvir uma música suave, baixinho. Mas, não aderimos, nem vamos aderir a essas tecnologias que infelizmente começam aos poucos a aparecer de se evitar o toque e folhear um livro e em vez disso passar a lê-los num ecrã. Isso nunca! Nem meus filhos tão pouco e são mais novos. E quando entro numa livraria, sou muito parecido consigo. Vou directo aquilo que me interessa, nunca perdendo tempo com essas tretas, que com tanto humor aqui referiu. E se, no seu caso, lhe vai faltando tempo hoje para ler todos os que possui, deixe lá, pois nesse tal dia em que for velhinha e estiver reformada, já terá com que se entreter! Por brincadeira, já tenho dito que um dia quando partir deste mundo, gostaria que me deixassem junto um livro, quem sabe, para ler quando a minha alma andar por aí a vadiar!
Acho maravilhoso esse seu encantamento pelos livros! Boas e saudáveis leituras para este fim de semana (se possível em frente a uma bela lareira)! Gosto de pessoas que apreciam a leitura de um livro. São gente boa, seguramente!
P.Rufino

Pôr do Sol disse...

Livros, esses queridos amigos que estão lá sempre que necessitamos de companhia, de esclarecimentos, de sonhar.
Adoro, desde criança, o cheirinho dos livros novos.
Em cima de mesa de cabeceira tenho sempre dois ou tres, o que irrita o meu marido, considera desarrumação, porque lê um de cada vez.
Para mim o que leio tem a ver com o estado de espirito.
Quando há 17 anos mudei de casa, encaixotei-os por temas, pouco a pouco têm vindo da arrecadação, porque gosto de reler alguns que me lembram épocas ou viagens.
Recentemente fui contactada pelo C.Leitores de onde fui sócia há mais de 30 anos e desisti porque às tantas vendiam tudo menos livros.
Agora acedi, o jovem que me contactou estava tão bem brifado e tinha tanta vontade de apresentar trabalho que me convenceu a ajudá-lo. Acontece-me o mesmo com o sr. que faz a entrega, pessoa que já ultrapassou os setenta, mas que tem filhos e netos para ajudar.
Aqui no bairro tenho uma optima livraria onde passo bons momentos, mas fico incredula com a quantidade de livros que saiem todos os dias, toda a gente escreve, tudo é editado e pior tudo se compra.
Agora compro menos livros. Eu e os meus amigos. No nosso nucleo muitas das novidades circulam de casa em casa o que facilita a arrumação, mas não concebo uma casa sem livros. Eles fazem parte de nós.
Desejo um bom fim de semana com poucas constipações e muitos livros.