domingo, março 09, 2014

Letter to my children. Dia grande no CINE POVERO: Jorge de Sena, Banksy e Diagram of Suburban Chaos. Les beaux esprits se rencontrent. Entrem, por favor, que a sessão está prestes a começar.


No post abaixo mostro-vos um filme cheio de luz e romance. Um Scorcese com as arestas suavizadas faz brilhar as estrelas - e não são precisas palavras, os sorrisos falam por si.

Mas isso é a seguir.

*

Agora, aqui, festejo mais um vídeo do Cine Povero. A sua sensibilidade encanta-me. E, neste seu último vídeo, ele junta um poema maior de Jorge de Sena com imagens que me são caras, as maravilhosas pinturas de rua de Banksy tão, tão, a propósito. Para que o conjunto ficasse ainda mais perfeito, juntou-lhe uma música que, para mim, é novidade, da autoria de Diagram of Suburban Chaos.



Quando o vídeo chega ao fim fica-nos uma estranha sensação de solidão. Ou de estranheza. O mundo é um lugar perigoso e os seres humanos muito têm contribuído para isso. As crianças são inocentes enquanto crianças mas parece que, mal crescem, se dedicam à destruição - destruição de laços de solidariedade, destruição de sonhos, destruição da serenidade. Não sei explicar.

Que mundo é este?

Não é de agora, isto.

Sempre assim foi, mas há ciclos de escuridão que custam a atravessar. 

Bem sei que, depois, vêm momentos de alegria, de expectativa, de esperança. Curtos momentos.

Logo a mediocridade volta a despontar e a abafar tudo o que contenha luz própria.

Consciente que estou da minha finitude não penso dentro dos limites da minha vida. Penso em geral: alguma vez o género humano saberá portar-se inteligentemente, não se dedicando sistematicamente à destruição daquilo que os antecessores construíram?

Vejo as imagens de denúncia de Banksy, ouço os sons (sub)urbanos de Diagram of Suburban Chaos, leio as palavras de Jorge de Sena - e tenho vontade de reagir, de lutar contra a solidão que cresce em volta das pessoas como erva daninha, tenho vontade de sonhar: encher as ruas de flores, trazer crianças para a rua, pô-las a cantar e dançar numa grande roda, esquecer os gestos de maldade, as ameaças surdas, e ver toda a gente feliz. 


Tomara que um dia. Talvez não eu. Mas os meus filhos. Os filhos dos meus filhos. Os filhos dos filhos dos meus filhos. Vivam num mundo em que a solidão não se escreva nas paredes. Tomara.

*

Os excertos que aparecem no vídeo fazem parte da tradução de Richard Zenith do poema "Carta a meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya" (1959) de Jorge de Sena.


Segundo me contou o Cine Povero, a opção pela versão em língua inglesa do poema bem como o texto de apresentação do vídeo no YouTube devem-se à vontade de divulgação internacional do belíssimo poema de Jorge de Sena.

Em português, escreveu assim o Poeta:

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados (...)
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
(...)
E. por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

[A versão completa em língua inglesa pode ver-se no texto que acompanha o vídeo no Youtube]


Que comece, então, a sessão.


CINE POVERO - Letter to my children / Graffiti by Banksy






Parabéns Cine Povero.

Este vídeo tocou-me especialmente.

(Apetece-me dizer-lhe que lhe fico a dever esta)

*

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um domingo muito feliz.
A Primavera começa a assomar e é bom ver a vida a querer renascer.

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