A palavra a quem a usa com inteligência, serenidade e lucidez - e felizmente, apesar de tudo, ainda há vozes assim na nossa imprensa.
As imagens ternas e tristes na sua crueza são de Pawel Kuczynski, um polaco nascido em 1976, formado em Artes, que já recebeu inúmeros prémios e cuja obra se debruça essencialmente sobre pobreza, a fome, a guerra, o trabalho infantil, a corrupção política, a poluição, a exploração e a desigualdade social.
Mas, antes, por favor, música: L'Almodí Cor de Cambra interpretam Lamento della Ninfa de Claudio Monteverdi.
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O aprendiz de Maquiavel em dez lições - RUI ZINK
Cumpre estas leis e poderás, pela calada, desobedecer a todas as outras.
1. Inculca culpa na tua vítima. Convence-a de que é responsável pelo que lhe está a acontecer. Se o fizeres, a tua tarefa estará facilitada. Lembra-te: se aqui vítima há, és tu, cujas intenções são “incompreendidas” pelos “ingratos e invejosos”.
2. Usa palavras mágicas: pátria, empreendedorismo, sacrifício, futuro, reformas, construir, acreditar, inovação. Baralha-as numa Bimby e faz bimbices. Se conseguires dizer sem te rires algo como “Pensar e preparar o futuro do nosso país é proporcionar às gerações que nos irão suceder as ferramentas adequadas para construir um Portugal diferente, num quadro de qualidade, responsabilidade e inovação”, tens um lugar assegurado.
3. Diz que compreendes a insatisfação dos prejudicados e concordas que, sim, têm razão, mas agora não pode ser nada. Justifica-te com a burocracia, a qual és o primeiro a combater. Pede para adiarem o seu protesto, que tu próprio reconheces como justo, “houve de facto erros, a corrigir no futuro”, mas que em breve tudo se resolverá, se as pessoas tiverem “calma e paciência” e souberem “aguardar discretamente”.
4. Desvia as atenções. A forma mais prática de aliviar uma afta é martelar um dedo. Estudo de caso: há anos, um governo estava em crise com uma sucessão de demissões. Um ministro de génio (para estas coisas) marcou uma conferência de imprensa a anunciar a construção da terceira ponte lisboeta sobre o Tejo. Todos os jornalistas caíram no engodo – por malícia, naiveté ou pura cumplicidade. Aplica estes e os outros preceitos e terás a vida facilitada.
5. Usa factos. Não importa quais. E números. Muitos números. Mostra gráficos. Sê firme, mesmo que não saibas o que estás a dizer. Não te preocupes, com sorte o teu interlocutor não terá informação ou coragem para te confrontar, e o risco de seres apanhado é inferior a 1,6% (número que acabo de inventar, aliás). Quando te apresentarem factos contrários, responde que “são casos isolados”. Simplifica ao absurdo mas, se necessário, foge na direcção contrária, e diz que “a questão é demasiado complexa” para ser tratada “daquela maneira” na praça pública.
7. Sabes que a crise tem unicamente por função baixar “o custo do trabalho”. Corrijo: também servirá para vender alguns anéis públicos, e os dedos que a eles vierem colados. Só que baixar o custo do trabalho é a prioridade. Infelizmente, não o podemos dizer desta maneira. Então mostra compaixão, geme, condói-te, solidariza-te, “compreende”. Etc. Faz como te digo e vais ver que tudo corre bem.
8. Defende e respeita a tradição. Porque a tradição é “a alma dum povo”. Lembra que, em contrapartida, para progredir é preciso “proceder a reformas necessárias”. E são sempre necessárias, essas reformas, ainda que “dolorosas”. Tu compreendes que são dolorosas, só que necessárias. Em simultâneo, tenta respeitar “as bonitas tradições do nosso povo e de nossos pais”. E nenhuma é tão bonita como o futebol.
Cumpre estas leis e poderás, pela calada, desobedecer a todas as outras. Ámen.
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No Público
A Europa prometeu-nos o paraíso. Lembra-se? - PEDRO TADEU
Primeiro é a Suíça. Seguir-se-ão, é previsível, a Grã-Bretanha e a França (entretanto liderada por Marine Le Pen) e, depois, uma catadupa de Estados pequenos mas ainda abastados da União Europeia até, finalmente, chegar a vez da Alemanha. Se eu tiver razão - e espero que não - dentro de meia dúzia de anos acabou-se a liberdade de circulação de trabalhadores entre os países assinantes do tratado de Schengen e da União Europeia.
Em contrapartida, cada um destes países, que procura livrar-se de imigrantes vendedores de mão-de-obra, tenta ser mais competitivo do que os seus aliados na capacidade de atracção de capital estrangeiro.
Temos soluções, estilo "visa gold", a dar nacionalidade europeia a qualquer riquito que se apresente com meio milhão de euros e esteja disposto a ser enganado na compra de imobiliário sobrevalorizado, como está a acontecer em Portugal.
Temos uma constante diminuição do nível de impostos sobre as empresas - enquanto os impostos sobre o trabalho sobem - a transformar cada vez mais Estados desta Europa da globalização numa montra de paraísos fiscais com falso selo de respeitabilidade. Olhem para a Holanda, para o Luxemburgo e para o que quer fazer a Irlanda.
Temos até o socialista António José Seguro a prenunciar uma governação estilo François Hollande (típica da esquerda baralhada), ao defender tribunais especiais para estrangeiros investidores que queiram comprar os favores da nossa justiça.
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Se nada mudar, a Europa do futuro é já desenhável pelas tendências das reformas fiscais: as baixas do IRC, os benefícios fiscais e a diminuição das taxas de Segurança Social para as empresas, que se discutem e se aplaudem de Lisboa a Sófia, enquanto o ataque aos pensionistas e ao IRS dos empregados não é, de maneira alguma, exclusivo português.
A Europa do futuro abrirá, assim, os braços a passadores de droga que tentam lavar dinheiro sujo; até os subsidiará. A Europa do futuro terá pedras na mão para receber um operário que procura trabalho noutro país da União. A Europa do futuro aceitará ser a sede luxuosa de empresas que escravizam, em fábricas distantes, crianças de 8 anos. A Europa do futuro recusará um visto a um jovem cientista candidato a um contrato de três anos num laboratório de ponta.
A Europa do passado prometeu-nos o paraíso na terra. Lembra-se?
no DN
Regras de etiqueta - VIRIATO SOROMENHO MARQUES
A expulsão pelo PSD de António Capucho, um cidadão respeitado e com serviço público prestado visível, não me parece uma simples questão de (in)disciplina partidária. Confronta-nos, sobretudo, com a dura realidade do envelhecimento da nossa democracia representativa.
Em quatro décadas passámos do mais puro idealismo de partidos entendidos como organizações ao serviço do desejo de participação cívica dos eleitores, para a partidocracia pura e dura actual. Mesmo nas zonas da esquerda mais longínqua, onde o acesso ao Orçamento de Estado é bastante indirecto e rarefeito, quem quiser abrir a janela pode constipar-se.
Por exemplo, o tratamento que tem sido dado a Rui Tavares, e ao seu novo partido, evoca a atmosfera descontraída do filme Há Lodo no Cais...
Em poucas décadas, os partidos transformaram-se de instrumentos da cidadania em agências de empregos bem pagos para pessoal com baixas classificações, mas pronto para qualquer função. Voltar a meter muito da "cultura" praticada pelos partidos na ordem constitucional, que não os desenhou para serem fins-em-si-mesmos, não será tarefa fácil.
Mais do que nunca reina o princípio de que quem ganha as eleições administra os despojos (spoils system). E numa altura em que o troféu é um país inteiro, mutilado no seu património, aturdido no seu ânimo, e que até a alma parece ter para venda, a unidade de comando do chefe máximo torna-se indiscutível.
Querem uma síntese para o caso António Capucho, e para a recusa do seu pedido de defesa antes da aplicação da sentença de expulsão? À mesa não se fala...
No DN
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Vende-se, bom preço - PEDRO SANTOS GUERREIRO
Vendem-se direitos humanos e língua portuguesa, base de licitação de 133,5 milhões de euros depositados no Banif. Quem dá? Pás!, vendido à Guiné Equatorial.
Vende-se inocência para pequenos e grandes devedores fiscais. Bom negócio, oferta de juros e coimas. Quem quer? Arrematado: encaixe de 1,3 mil milhões de euros, desconto de 500 milhões. Siga para bingo.
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Vendem-se impostos baixos para empresas, inclui benefícios fiscais para grandes empresas. Só para VIP. Custo: 70 milhões de euros no primeiro ano, 220 milhões nos seguintes.
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Vende-se austeridade. Custo: uma geração. Pagamento em recibos verdes.
Vende-se ilusão de ultrapassagem da crise. Custo: 130% de dívida pública.
Vendem-se anéis como se não fossem dedos, corpo como se não fosse a alma, palavras como se não fosse a palavra.
Compra-se submarinos, estradas vazias, bancos validos e dívida pública cara. Sem devolução. Paz? Pás.
No Expresso de 15/2/2014
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1 comentário:
E mais uma vez obrigada.
São opiniões que nos mantêm alertas, na leitura do que se passa à nossa volta.
Bj
Olinda
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