quinta-feira, agosto 01, 2013

Ainda sobre a insegurança das mulheres sozinhas (a propósito de um comentário de uma Leitora que não gostou nada do que eu escrevi). E para essa Leitora em particular, mas também para todas as outras, sozinhas ou acompanhadas, um presente: um fantástico tango. Os leitores homens entendam o presente como uma aula de dança - porque dançar o tango assim deveria passar a fazer parte dos 'mínimos'.


Ontem escrevi um texto muito light sobre a insegurança das mulheres sozinhas. Avisei que se tratava de um tema estival porque não quero vender gato por lebre. No entanto, apesar de não ter qualquer pretensão a teorizar sobre o tema, tive o cuidado de dizer que nem todas as mulheres sozinhas são iguais e exemplifiquei (:há as que estão a fazer luto, há as que estão a dar um tempo, a desfrutar a liberdade bla bla bla). E não pretendi ser exaustiva. Seria lá possível ser exaustiva e escrever um tratado sobre insegurança ou solidão à uma da manhã, depois de um dia a tomar conta de crianças, a ir à praia com elas, a ir ao supermercado à noite, etc, etc? O ter cabeça para alinhar umas quantas palavras de seguida, àquela hora da noite, até a mim quase me parece milagre.

No entanto, recebi um comentário anónimo a falar muito a sério e a dar-me nas orelhas. Não o publico porque tal me foi pedido expressamente pela autora mas, porque percebo que o meu texto podia dar azo a deficientes interpretações, para que não subsistam dúvidas junto de quem leu, aqui deixo algumas observações:


1.  Naquela farmácia que referi ao relatar o episódio, há senhas para atribuição de vez. De modo que, quando chamam pelo número, não temos que nos certificar que estamos a tirar a vez a alguém pois essa é exactamente a função das senhas. Ou seja, quando chama pelo número, olhar em volta como se receasse estar a tirar a vez a alguém não é civismo mas sim insegurança.

Contudo, reconheço que o lapso é meu pois não referi o pormenor das senhas. Aquela farmácia tinha-as e estou tão habituada a que todas as que frequento as tenham que não me lembrei que, talvez nas terras mais pequenas, ainda existam farmácias em que as pessoas sabem a sua vez decorando os rostos que as precedem.


2.  Claro que há mulheres que estão sozinhas porque querem e, assim sendo, fazem certamente muito bem pois nada melhor do que se fazer o que se quer.

Conheço uma que enviuvou já há uns anos e que acredita que será impossível voltar a encontrar alguém como o marido, pelo que nem pensa em voltar a ter companhia. No entanto, pensa com alguma apreensão na solidão quando os anos pesarem e a saúde escassear. Das outras que conheço e que vivem sozinhas, que me lembre, todas repensariam o seu estado se encontrassem alguém que as fizesse perder o chão, perder a cabeça, perder o coração. Mesmo uma que, a viver com alguém, seria com outra mulher, mas que não consegue coragem para admitir a opção, penso que gostaria de, se as mentalidades se abrissem e ela própria fosse mais corajosa, deixar de viver sozinha.

Mas admito como muito razoável que alguém ache que, vida fora e até à velhice, estará sempre melhor sozinha. Gostos não se discutem e cada um tem as suas razões.

No entanto, a questão das razões que levam as pessoas a seguirem as suas opções ou a conformarem-se com as vicissitudes da sua vida não invalida o que eu disse. Acho que os modos de agir de uma mulher que vive sozinha (e que não anda, activamente, 'em campo'), em geral, são mais inseguros - e acho que isso é visível. 

Percebo-as. De resto, basta-me ir ter uma reunião de manhã, numas instalações que não aquelas onde usualmente trabalho, com pessoas com quem não tenho muita confiança, e não haver espelho no elevador, para eu já me sentir insegura. Entro para a reunião a pensar se o vento não me teria deixado o cabelo com um jeito estúpido, se a sombra dos olhos estará uniforme e discretamente distribuída, se a blusa está a cair bem, etc, etc. Uma insegurança. Meio caminho andado para não entrar com a verve habitual. (O que vale é que, como sou muito primária, passado um bocado, já me esqueci daquelas dúvidas existenciais.) 


Há uma maneira a modos que receosa de enfrentar os outros e os espaços públicos, uma hesitação latente, um medo de que algo corra mal e que se fique desamparada; assim como há, muitas vezes, uma forma desconfiada de encarar a vida e a felicidade alheia, quase como se os outros fossem menos criteriosos, menos exigentes, mais fúteis nas escolhas e na forma de encarar a vida.

Claro que não posso publicar um paper sobre isto. Sei bem que, para se poderem apresentar conclusões genéricas sobre um grupo, se terão que fazer observações conduzidas cientificamente, com grupos de controlo e de contraste, com amostragens feitas com rigor matemático, etc, etc.

O que eu digo resulta da mera observação empírica de muitas mulheres ao longo de muitos anos, e pertencentes a distintos estratos sociais e correspondendo a níveis etários distintos. Sou observadora por natureza e conheço as metodologias de análise pelo que, mesmo sem querer, vou mentalmente coleccionando informação e retirando as minhas conclusões.


3.  Quando acabei o texto desejando boas conquistas ainda tive discernimento mental para pensar que isso poderia ter uma leitura estrita. Mas, cá para mim, pensei que poderia também ter uma leitura mais abrangente. Uma pessoa conquistar a sua auto-confiança, ousar ser mais segura, etc, é em si uma conquista. É, de facto, neste contexto, a mais importante das conquistas.


4.   Que não fique, também, no ar a ideia de que há, da minha parte, alguma censura implícita ou alguma comiseração ou o que quer que seja em relação às mulheres de que falei. Limitei-me a exprimir o que penso ser uma constatação face a uma observação. Mas é tudo tão subjectivo, o que se vê, o que se pensa. Por isso, sei lá.





NF.   Muitas vezes, nas pequenas e pessoalíssimas coisas, não é a vida que é diferente para uns e outros: o que frequentemente faz a diferença é o modo como se reage perante as circunstâncias.




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E, para terminar, sabendo-se o que eu gosto de tangos (apesar de nunca ter arranjado parceiro à altura e, portanto, ter, em regra, que me contentar com ver os outros), aqui vos deixo como se vos deixasse um presente: um belo tango, dançado à maneira e que contém, todo ele, uma história que condiz muito bem com o espírito da coisa (isto é, da coreografia).

Chama-se Tango e é uma composição de Zbigniew Preisner, que tem composto grande parte da banda sonora dos filmes de  Krzysztof Kieślowski. 


Espero que gostem. E chega de conversa, vamos mas é dançar.




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As fotografias são de Irène Jacob, a bela morena, de quem me lembrei nem sei bem porquê, talvez por ser tão distinta e melancólica, tão diferente da Kate Moss que ilustrou o texto anterior.


Além disso é um dos rostos de Krzysztof Kieślowski, nomeadamente em A Dupla Vida de Véronique e Trois couleurs: rouge.


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E com isto, que reconheço que não é muito (mas quem dá o que tem a mais não é obrigado, não é?), me despeço por hoje.

A todos uma bela quinta feira!!!!

4 comentários:

Olinda Melo disse...


Boa noite, UJM

Boa observadora e procurando ajudar os outros com os seus posts sempre muito interessantes.

Muito obrigada pelo tango. Este tempo convida a dançar. Há por aí muitas milongas por estas noites de Verão.

Beijinhos

Olinda

ERA UMA VEZ disse...

Cara Jeitinho

O tema da mulher sózinha é de facto muito delicado.
Poucas são as que assim permanecem como escolha de vida.
A maior parte SOFRE e é desse sofrimento que nasce a insegurança, a falta de auto estima, o não perceber porquê.

Uma vez tentava consolar uma mulher jovem nessas condições. Alguém admirado na profissão, interessante no aspecto, educada e com classe, frequentadora de espaços de glamour e de cultura e ela, depois de me ouvir em silêncio respondeu com os olhos rasos de água:

Tudo isso é verdade, mas não sabes o que é, ao fim do dia, meter a chave à porta e saber que não estará ninguém à tua espera.

Nunca mais esqueci esta frase.
Porque, de facto, NÓS, não sabemos nada.

Anónimo disse...

o tema é sensível, compreende-se a reacção de algumas leitoras, não sei se serve de consolo , mas também se pode aplicar aos homens.E como é um tema muito subjectivo e depende muito de cada um, pois há mulheres sozinhas por opção bem como homens, o que não invalida que tenham os seus amigos(as) coloridos e sejam na mesma felizes.Já aqui postei que tem uma família bonita.É um paradoxo, mas não queria para mim, pois não quero filhos.Ou podia ter mas na condição de outros tomarem conta.Ou seja um infinito mundo de subjectividades, pois vemos(e queremos) o mundo de maneiras diferentes.

Anónimo disse...

temos um génio fora do tempo e bastante actual (arrepia de tanto actual) que escreveu e cantou sobre isto , de seu nome - António Variações