quinta-feira, abril 11, 2013

O Prémio Sir Goffrey Jellicoe, o 'Nobel' da arquitectura paisagista, foi atribuído a Gonçalo Ribeiro Telles e eu fico orgulhosa e enternecida


Se quiserem saber do Relvas e do camelo do Hollande que foi comido, é no post abaixo. Aqui, agora, a conversa é  sobre botânica e não sobre animais.

Gosto muito de jardins. Quando vou a uma cidade pela primeira vez, gosto de ver os jardins públicos. Aprecio a concepção, os caminhos delineados, os bancos estrategicamente colocados, os lugares para leitura à sombra junto às árvores de grandes copas, os repuxos, os lagos, os desníveis que simulam a natureza, os recantos reservados para a intimidade do namoro. E aprecio o trabalho dos jardineiros, carinhosos e cuidadosos tratadores. 

Quando a terra lá, in heaven, era apenas um terreno de mato bravio e eu, apesar do solo rochoso, sonhei ter ali árvores grandes, pequenos bosques onde os pássaros se acolhessem, frequentei muito os viveiros.

Uma vez que ali é dificílimo abrir buracos e porque, dado o microclima extremado, há sempre muitas árvores que não vingam (já para não falar nos coelhos que roem os pequenos troncos), sempre achei melhor plantar árvores muito pequenas. Até porque, esta, é uma opção mais económica.

Assim, ia aos viveiros do Ministério da Agricultura ou aos da Câmara de Lisboa, ali aos Olivais. Nestes locais, as plantas são muito baratas porque são árvores ínfimas e porque apenas são vendidas as que não fazem falta aos serviços. Não sei quantas vezes lá fui. Um prazer que não imaginam.

Não sei porquê mas quem ali trabalha são mulheres, jardineiras. Andavam de botas, aventais, e eram simpáticas e falavam das pequenas árvores como as amas dedicadas falam dos bebés a seu cargo. E eu quase as invejava, imaginando a maravilha que deve ser o seu dia de trabalho. 

Sei que é trabalho árduo, andam curvadas, cavam, carregam árvores pesadas. Mas sei também que é um prazer plantar, ver crescer, cuidar. Eu via o orgulho que elas sentiam quando mostravam que sabiam o nome em latim, quando sabiam os truques para as pequenas árvores melhor resistirem à invernia.

Elas já me conheciam e vinham ter comigo com alegria, conversando com genuína afabilidade. Perguntavam pelas que tinha levado antes e eu contava como umas estavam grandinhas, outras tinham sucumbido, outras estavam frágeis e eu reparava na preocupação com que me aconselhavam ou na alegria pelas que cresciam saudáveis e resistentes. Dir-se-ia que falávamos de crianças.

Eu dizia quero seis pinheiros mansos, seis cupressos (e elas perguntavam: lusitânicos?), seis ciprestes, dois loendros (a que elas chamavam cevadilha), duas tipuanas, e elas escolhiam com cuidado e eu dali ia feliz, o carro cheio de pequenas plantas.

Depois, passado uns meses, metade desapareciam e lá ia eu outra vez. O meu marido passava-se, o carro sujo, a trabalheira. Anos disto. A plantar, a regar no verão, a tratar das pequenas árvores como se tratam os bebés.

Agora as árvores cresceram, os caminhos estão definidos, o mato continua a ter o seu lugar (aliás, alastra vigoroso e tem que ser arduamente contido), e, por onde se ande, ouvem-se os pássaros que dali fizeram também a sua casa. Um sonho que se constrói todos os dias.

Tenho muitos livros de jardins. Jardins japoneses, elegantes, desenhados com leveza, jardins mediterrânicos, floridos, simples, jardins ingleses, densos, verdes. Gosto muito porque gosto de natureza e gosto de apreciar o trabalho dos homens quando é um trabalho feito com amor - e os jardins são, justamente, os lugares onde os homens actuam com criatividade e desvelo sobre a natureza.



O fim de semana passado


Dos muitos jardins que conheço, há um que está ligado de forma muito vincada à minha vida: o Jardim da Gulbenkian.



Um jardim concebido para todas as idades


Nele namorei com o meu namorado poeta, nele namorei depois com o meu namorado parecido com Cristo  - parecido com Cristo excepto na santidade, diga-se (muito mais bonito e hot o meu que o da Oprah, o Diogo Morgado, que agora aí anda na boca das americanas, todas babadas com ele, coitado). 

Depois, nos jardins da Gulbenkian, muito brincaram os meus filhos, desde que nasceram até agora, em que lá vão com os seus filhos.



A darem pão aos peixinhos, aos patos e aos pombinhos, tal como os pais há tão pouco tempo faziam


Estes lindíssimos jardins são uma das várias obras de Gonçalo Ribeiro Telles que muito justamente viu a sua obra reconhecida com o Prémio  Sir Goffrey Jellicoe, o 'Nobel' da arquitectura paisagista: uma vida inteira dedicada a ser o jardineiro de Deus.

Uma vida de cabeça erguida, de luta, de palavras sábias, de compreensão perante a incúria e miopia da maioria, sempre uma expressão de bondade no rosto tranquilo, uma vida de integridade e uma cabeça cheia de sonhos verdes.

Volto aos Jardins da Gulbenkian: parece impossível jardins assim, tão variados, tão 'naturais', no meio de uma cidade, ali mesmo incrustados no meio de prédios e estradas.

Ir à Gulbenkian é ir ao Museu, às Exposições Temporárias, ao centro de Arte Moderna, ao restaurante ou ao Bar e, claro, aos jardins.

Há recantos e espaços que permitem múltiplas utilizações. Em todo o lado se está bem. Há sol nuns locais, há sombras noutros, há lugares para estar, para ler, para brincar, para fazer picnic, para namorar.



No anfiteatro do Jardim da Gulbenkian


Mas não é a sua única obra que eu admiro. Se tivesse tempo, ia procurar umas fotografias que aqui tenho feitas no Jardim no Alto do Parque Eduardo VII que estabelece a ligação com Monsanto, o tão desejado e agora concretizado Corredor Verde de Monsanto. 

Se tivesse aqui, mas não tenho, gostaria também de ilustrar o conceito das hortas urbanas da cidade, tão defendidas por Gonçalo Ribeiro Telles ao longo de toda a sua vida. 

Todos os dias ando em autoestradas e vejo, com admiração, as hortas que as pessoas fazem nas ribanceiras junto às estradas. Chova ou faça sol, lá os vejo, cavando, arranjando a terra. Vejo pequenos talhões de favas, de tomateiros, de batata. Parece o campo e afinal está-se na zona mais asfaltada e inóspita das cidades. Não é bem a isto que o Arquitecto se refere, ele refere-se aos baldios, aos vazios urbanos que as autarquias deveriam disponibilizar para ajudar à subsistência de uma população mais carenciada ou com saudades de uma 'terra' longíngua, uma forma de estabelecer a ligação à natureza. Ultimamente a Câmara de Lisboa já loteia e leiloa a exploração de pequenas hortas por parte de munícipes, frequentemente munícipes urbanos que sentem a nostalgia da terra. 

Se não fosse tão tarde e eu não estivesse já tão cheia de sono, continuaria aqui de gosto a falar de jardins, hortas urbanas, sonhos. Assim, paro por aqui mas vou mostrar-vos um pequeno filme sobre Gonçalo Ribeiro Telles, 'Em nome da terra', um filme que achei muito interessante e onde, entre outros, aparecem Mário Soares, seu admirador, e um outro arquitecto muito especial, um visionário, um humanista e um homem da cultura e das cidades, Nuno Portas.





Parabéns, arquitecto! E muito obrigada!

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Tal como referi acima, se quiserem ver os riscos que o Relvas enfrenta ao ser obrigado a manter-se preso no ministério (e maiores riscos correrá se alguns dos funcionários forem oriundos do Mali) deverão descer até ao post a segui a este.

E, já sabem, muito gostaria de vos ver no meu Ginjal e Lisboa. Hoje temos o Poeta-Embaixador Luís Filipe Castro Mendes a falar de um deserto que invade o coração e eu, levada por ele, falo de um outro deserto, o do medo, que alastra pelos corpos. A música, a seguir, ajuda a lavar a alma: é outra grande interpretação de Uri Caine.

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E com isto me vou que daqui a nada já são duas da manhã e eu não tenho emenda. 
Desejo-vos uma quinta feira muito feliz. 
Se puderem passeiem num jardim, descansem o espírito, está bem? 
E, se não puderem, imaginem que também é bom. Eu gosto de adormecer a pensar que estou a passear num jardim, Gulbenkian, Serralves, Retiro, qualquer um.


2 comentários:

Anónimo disse...

A arquitectura em Portugal é mediática e há um conjunto muito selecto, e realmente muito bom, de arquitectos que têm todo o destaque, O Ribeiro Telles faz parte desse grupo.
No entanto existem muito outros, em geral mais jovens, totalmente esquecidos pela divulgação.
A reabilitação do Liceu Passos Manuel, no âmbito da Parquescolar, mereceu à equipa projectista, o mais importante prémio na área da reabilitação de imóveis; O Arquitecto é o Victor Mestre, um extradionário arquitecto já com muitas obras feitas e livros publicados, que recentemente foi obrigado a fechar o atelier por ter ficado abruptamente sem trabalho.
Vale a pena ver e divulgar: http://www.europanostra.org/awards/102/
J

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Ontem quando ouvi a notícia pensei logo que ia falar aqui no seu Blogue, de Gonçalo Ribeiro Telles e dos Jardins da Gulbenkian, dado os laços de afecto que a ligam a este espaço, com recantos cheios de recordações das várias etapas da sua vida. Também gosto muito de me passear por jardins e tirar fotografias a flores, florzinhas, pássaros, passarões etc. etc. é um mundo de encanto e mistério. Estamos todos de parabéns por este prémio "Nobel" ter sido atribuído a um Arquitecto Português e também fiquei muito orgulhosa.
Gostei muito do filme também.
Um beijinho