No post abaixo, escrito ainda no Dia do Livro, falei-vos sobre o meu vício por livros e mostrei-vos a minha mesa repleta, transbordante de palavras, quase sem sítio livre para acolher as que agora vos escrevo.
Mas isso é no post a seguir a este. Aqui, agora, a conversa é outra.
Música, por favor
Há mulheres que idealizam os homens como uns seres especiais, com comportamentos e ambições muito diferentes dos seus. É também frequente que os imaginem com manhas, ardis, falhas de carácter, gostos bizarros nem sempre publicamente confessáveis. Especialmente as mulheres solteiras ou divorciadas tendem a tipificá-los ou a pensarem neles como um membro indistinto de uma seita pouco recomendável. Pouco sinceros, pouco carinhosos, fracos companheiros, protegendo-se uns aos outros, etc. – é frequente ouvi-las dizer dos homens em geral.
Contudo, é um erro. Uns são assim, outros são o oposto disso, outros são assim em parte – tal como as mulheres. Os homens, tal como as mulheres, gostam de se sentir apoiados, acarinhados, gostam de partilhar ideias, sentimentos, gostam de sentir que a sua companhia é apreciada, têm momentos de fragilidade, têm o seu orgulho que deve ser respeitado. E há, claro, também os que se encontram desajustados do mundo em que vivem, revoltados, aflitos ou violentos – mas, isso, tanto há homens como mulheres.
Claro que os homens têm as suas idiossincrasias resultantes das características físicas próprias do seu sexo: os seus neurónios estabelecem menos ligações simultâneas que os das mulheres, por exemplo. Mas também as mulheres têm as suas particularidades.
As mulheres não devem, pois, temer os homens, evitá-los, ter cuidados especiais quando lidam com eles, as mulheres devem ser como são - tão simples quanto isso.
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O Dr. Sotto Aguiar é um executivo típico. Raciocínio rápido, verbo requintado, um bom condutor de equipas, pragmático, homem de poucas flores. Pratica golfe, participa naqueles torneios de golfe tantas vezes patrocinados pelas consultoras ou pelos bancos, tem corrido o mundo por causa disso. Contudo, correria de qualquer maneira já que, ou a trabalho ou de férias, é frequente ir para fora.
Aparece sempre impecavelmente vestido, fato de escorreito corte, camisa com monograma bordado, gravata de boa marca. Como grande parte dos homens de uma certa casta ou que a ela aspiram, usa cordão com medalha ou crucifixo.
E, claro, usa aliança. É casado, muito bem casado, e tem quatro filhos. São de ir à missa todos os domingos. Os filhos andaram nos melhores colégios privados, daqueles bem caros que têm vincadas conotações católicas; agora estudam ou estagiam no estrangeiro. Tem, em cima da secretária, uma fotografia da mulher sorrindo no meio de quatro bonitas crianças que parecem quase da mesma idade, que se empurram, rindo.
Se lhe perguntam se a mulher trabalha, Sotto Aguiar responde, com orgulho, que ela retomou há pouco tempo o trabalho de advocacia (e, por discrição ou pudor, ou para não diminuir o mérito da ocorrência, omite que ela voltou ao escritório de advocacia que começou por ser do pai e é agora um dos maiores da capital), que tinha interrompido aquando do nascimento dos filhos para se dedicar de corpo e alma a eles. E prossegue, dizendo que ela os acompanhava a tempo inteiro, que os levava às suas actividades, que os apoiava nos estudos e remata, sentenciando, que, se há tantos problemas com jovens, tal se deve à falta de acompanhamento familiar. Claro que, quando ele, muito senhor da sua verdade, faz estas afirmações, se há mulheres entre a audiência, ficam a morder-se por dentro para não lhe dizerem que o que não falta são mulheres que conseguem fazer isso tudo apesar de trabalharem ou que ela pôde fazer isso porque o pai foi um dos fundadores do escritório ao qual regressou.
Mas, para quem o ouça, a mulher é o exemplo de perfeição feminina pelo que, qualquer contraponto ou argumento seria muito mal recebido. De vez em quando atende o telefone para a ouvir protestando sobre algum incidente no escritório e ele, sempre tão avesso a pormenores e insignificâncias, muda o tom de voz para a aconselhar a pensar bem ou a falar com um dos sócios, ou para a incentivar a falar com um dos filhos sobre alguma pequena rebeldia percebida mesmo à distância, ou, mesmo, para concordar com a ementa para o jantar. Por vezes, percebe-se que a conversa talvez seja desagradável mas ele continua imperturbável e ninguém, nunca, percebe qualquer risco na superfície do casamento.
Na empresa, alguns dos seus colaboradores temem-no, dizem-no exigente e bruto, outros dizem que é preciso é saber explicar-lhe com franqueza as dificuldades e todos concordam que não é má pessoa, talvez apenas demasiado distante.
A Noémia, a secretária, é sua fã, devota mesmo, e trata de toda a sua vida profissional e pessoal, desde marcar a casa de férias, comprar os bilhetes de avião e reservar hotéis, tratar das inscrições dos filhos, marcar consultas para ele e para o resto da família, tratar-lhe dos pagamentos de seguros, impostos, etc. Noémia adora a mulher do SôTôr, diz dela que é uma Senhora com S grande, impecável, simpática, muito atenciosa, pergunta-lhe sempre como está, nunca se esquece de lhe ligar no dia dos anos, pergunta-lhe pelo pai, é muito prestável, pergunta se é preciso alguma coisa, sempre. Impecável. E os miúdos, que já não são miúdos, são amorosos, muito educados, não tem nada a apontar-lhes. Já trabalha com o Sôtôr há muitos anos e é muito exigente, pronto, é, mas não tem razão de queixa e ele já nem precisa de falar que ela adivinha logo o que ele quer. E basta olhar para ele quando chega para perceber se vem bem disposto, se traz alguma preocupação.
Quando lhe dizem na brincadeira, E é muito giro… Noémia concorda, que sim, que é, que faz um casal muito bonito com a mulher, e a conversa fica por aí.
Mas é que é mesmo muito bonito. E, como todos os homens bonitos, com um belo físico, Sotto Aguiar, apesar de ser reservado, tem aquele à vontade cheio de auto confiança que atrai imediatamente as atenções.
Dizem que as meninas se derretem com ele, dizem que ele exerce a sua sedução especialmente sobre as jovens consultoras que calham apresentar-lhe propostas ou trabalhos mas não se lhe conhecem maus passos - o que o torna ainda mais exemplar pois, bonito e charmoso como é, algum inofensivo pecadilho, ser-lhe-ia perdoado. Mas nem isso. Saberá a mulher a sorte que tem?, é pergunta que, por ali, é feita muitas vezes.
Nesse dia de manhã, Sotto Aguiar chegou apressado, vinha a ler um mail ou mensagem no iPhone e cumprimentou a secretária de forma mais lacónica que o habitual. E, sem parar, disse, Leva-me um café, leva?
Alguma coisa o trazia já preocupado de casa.
Quando Noémia entrou no gabinete com o café confirmou: ele não lhe prestou atenção, nem a viu, estava noutra. Ela saíu, discreta e silenciosa.
*
Relembro que, se descerem um pouco mais, poderão saber quais os meus últimos livros, ver a minha mesa, saber das minhas confissões sobre o tema.
Relembro também que, caso tenham ainda paciência para continuar comigo, gostaria muito que fizessem uma visita ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, onde hoje há um poeta que fala sobre outro poeta, Vasco Graça Moura sobre Eugénio e eu, doida por palavras, pego nelas e vou pela beira do rio fora, eu e o meu amor (conforme poderão ver no auto-retrato que lá coloquei).
A música hoje, por aquelas bandas, é um belo momento: Chick Corea e Keith Jarrett interpretando Mozart.
Apareçam...
*
E, por agora, nada mais. Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta feira.
Alegria e esperança é o que vos desejo.
Alegria e esperança é o que vos desejo.
(Se eu amanhã apenas aparecer por aqui já no raiar do dia 25 não se admirem. Amanhã o meu programa é em grande, não sei a que horas estarei em condições de escrever)
3 comentários:
Mas este é o homem perfeito! Não me diga que é o marido da ciumenta Isabel...
Olá UJM,
Uma cena de suspense!...
Que bonito e perfeito que ele é! Pergunto, também, será o marido da ciumenta e sofredora Isabel?...
A ver vamos... Será algum capítulo do livro que está a escrever?... Estou a gostar e a seguir com interesse.
Bjs
Nota: às perguntas apenas posso dizer que não confirmo nem desminto.
E não é um livro que eu esteja a escrever... não tenho cabeça para tanto. São coisas que vou aqui escrevendo, sem rede... e que nunca sei a que mar vão desaguar.
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