segunda-feira, fevereiro 25, 2013

George Sand, de facto Armandine, baronesa de Dudevant, uma mulher que ousou viver como quis. Não há dúvida: 'mulheres que escrevem vivem perigosamente'


Armandine Lucie Urore Dupin
(George Sand)


George Sand (1804-1876) é o pseudónimo literário de Armandine Lucie Urore Dupin, baronesa de Dudevant.  Educada pela avó em pleno ambiente rural, Sand vê-se de repente confinada a um convento em Paris, onde passa muitos meses de desespero e solidão, acolitando uma revolta que a levaria mais tarde a abandonar Nohant (aonde regressara pouco antes para se casar) e o marido.

Novamente em Paris, assume um comportamento que, se para a maioria é apenas escândalo e agravo - especialmente porque insiste na sua condição de 'sem classe', adoptando inclusivamente nome e trajes masculinos, e em múltiplas aventuras amorosas - traslada tão-só a superfície de uma demanda sôfrega e desassossegada.

Em 1832, publica o romance Indiana que lhe granjeou reconhecimento literário.

Seguiram-se textos como Valentine e Lélia, impregnados de um lirismo romântico cuja labareda era a própria vida amorosa de Sand, com os seus denominados excessos e desvarios, sempre combatendo o fogo brando dos preconceitos, enfim, a vida no seu esplendor e fertilidade, prerrogativa de todos os seres: o amor.




Persistindo nesta divisa, envolve-se com Sandeau (que lhe daria o pseudónimo), Musset, Bourges (seu advogado), Pagello (poeta e médico de Musset), entre outros, até chegar a Chopin.





Entretanto, Sand dirige a sua inquietação também para a política, travando conhecimento com democratas e utopistas sociais, e considerando-se descendente espeiritual de Rousseau.

Compõe então obras como Horace e Consuelo, oferece vários artigos ao Bulletin de la République, publica panfletos políticos e cartas abertas, lança e redige três números de La Cause du Peuple, e colabora no jornal La Vraie République, juntando-se aos insurrectos de 1848.




Porém, depressa se afasta, desejando retornar à sua utopia romântica original.

Novamente em Nohant, faz amizade com, por exemplo, Michellet, Gautier, Dumas Filho e Flaubert, dedicando-se-lhes com generosidade, ao mesmo tempo que continua a escrever artigos, peças de teatro, romances e mesmo uma extensa autobiografia.



No Diário Íntimo, ao qual George Sand se entrega fervorosamente página após página, abordando todos estes temas - a política, as relações e ainda o envelhecimento - temas que acabaram por destacar Sand enquanto personagem e, por conseguinte, ofuscar o interesse do público pela sua obra, é possível observar como esta mulher foi afinal pioneira em fazer beber a sua produção literária na experiência vivencial - feminina, portanto, e humana.


Este texto é da autoria de Carla Silva Pereira que também é a tradutora do livro Diário Íntimo de George Sand, da editora Antígona. Hoje estive a lê-lo.


George Sand e Alfred Musset


Transcrevo, ao acaso, uma pequena passagem:


Esta manhã apresentei-me em casa de Delacroix. Estive à conversa com ele enquanto fumava cigarros de palha deliciosos. Foi ele quem mos deu. Se eu tos pudesse enviar, meu querido, distrair-te-ias por instantes. Mas não ousarei. 

Delacroix mostrou-me a colecção de Goya. Falou-me de Alfred a propósito disso, e disse-me que ele poderia ter sido um grande pintor, caso o tivesse desejado. Acredito.

Ele próprio, Delacroix, gostaria de copiar os pequenos esboços de Alfred.

Quanto a mim, vou divertir-me - divertir-me? -, dedicar-me a copiar humildemente algumas daquelas mulheres de Goya. Enviá-las-ei ao meu anjinho, antes de me ir embora. Talvez ele não as recuse. Eu sei que ele gosta dessas mulheres. Se ao menos eu pudesse encarnar a figura de uma dessas pequenas imagens e procurá-lo na noite! Ele seria incapaz de reconhecer a infeliz George, e amar-me-ia - nem que fosse por uma hora apenas.





[O filme Les Enfants du Siècle é de Diane Kury, de 1999, e trata justamente da paixão entre George Sand e Musset. As interpretações estão a cargo de Juliette Binoche e de Benoît Magimel, que, na sequência deste filme, tiveram uma filha, Hannah - o que, vendo estas imagens, não me admira...].

////\\\\

Continuo a transcrever do diário, agora as últimas palavras ali escritas (em Setembro de 1868, com 64 anos).




Fui-lhes útil nos últimos anos? Sim, parece-me que sim. Quis muito sê-lo. Afinal, enganei-me ao pensar existirem  momentos na vida em que nos podemos simplesmente exonerar sem magoar ninguém, pois reparem: ainda sou útil, apesar da idade avançada. O meu cérebro não perdeu o vigor. Sinto que absorveu muito e que nunca esteve tão bem alimentado.

É errado pensar que a velhice é um declive por onde vamos caindo: muito pelo contrário, subimos, e a passos largos, surpreendentes. O trabalho intelectual faz-se tão rapidamente como nas crianças o trabalho físico. Não é que não nos aproximemos do fim da vida, mas fazemo-lo como se fosse um objectivo, e não o derradeiro e fatal baixio onde encalharemos para sempre.


+.+.+

1. Muito gostaria de poder contar com a vossa companhia ainda mais um pouco. Convido-vos, pois, a virem comigo até ao meu Ginjal e Lisboa onde as minhas palavras hoje deixam transparecer uma grande solidão. O mote quem mo deu foi José Alexandre Caldas Ribeiro. Na música, entra um novo grande intérprete e é, nem mais nem menos, o grande Rostropovich. Continuamos, pois, no violoncelo. Toca Haydn. Uma maravilha.


2. De qualquer forma, e não querendo abusar da vossa santa paciência, informo que, já aqui abaixo, poderão ver o que poderia ser o agente especial do governo de Passos Coelho (ou deveria dizer do governo de sua Majestade, a Bela Adormecida de Belém?).


+.+.+


E nada mais. 
Apenas desejar-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda feira!


9 comentários:

JOAQUIM CASTILHO disse...

Olá UJM!

Há marginais e marginais! Há os que vão no sentido da História ou seja do Futuro e os que vão no sentido contrário ou ainda os que por inércia ou por incapacidade se autodestroem.
George Sand pertence gloriosamente ao primeiro grupo!
Obrigado pela sua excelente "reportagem"!

Um abraço

Anónimo disse...

Uma personalidade fascinante! Uma vida preenchida, cujas relações acrescentaram muito aquela sua vivância. Entre outras, talvez menos conhecida, uma que teve com Mme de Stael (uma famosa cortesã francesa).
Foi uma mulher cuja vida que sempre me suscitou bastante curiosidade. Houve épocas, como aquela (mas mesmo antes) e depois, nas décadas que antecederam a II Guerra Mundial, onde artistas diversos, pintores, compositores, escritores, poetas, pensadores, intelectuais, gente fascinante e interessantíssima que viveram vidas que deram e davam livros! Sand foi uma delas. Mas este livro não o tenho e já agora vou seguir o seu caminho e lê-lo.
Um Post que muito apreciei. Sinceramente. Este tipo de pessoas e as suas personalidades apela á minha curiosidade e vontade de saber mais acerca delas.
Já biografias de políticos, das nossas eras (aqui não incluo Churchill), não tenho a mais pequena pachorra! Népia!
P.Rufino



Mar Arável disse...

A vida é uma festa

quando nos surpreendemos

Um Jeito Manso disse...

Olá Joaquim,

Tem razão. Há marginais que se enredam nas suas próprias teias e acabam destruídos e há os que são marginais porque, percorrendo as margens, escapam à enxurrada.

Gosto de saber destas vidas diferentes, assumidamente diferentes, que ficam para a história por serem tão preenchidas, vidas vivida nos limites.

George Sand é terreno para muitas histórias, aqui apenas aflorei muito, muito ao de leve a sua vida.

Obrigada eu pelas suas palavras.

Um abraço.

Um Jeito Manso disse...

Olá P. Rufino,

Tem razão. George Sand, sendo uma mulher livre, que viveu nos limites da paixão, do ardor e do romantismo, teve também paixões relativamente às quais o sexo era indiferente. Não é inédita a bissexualidade nestas vidas assim, nas quais a arte se mistura com a vida, em que os artistas são os amores e os personagens.

George Sand, mulher com dois filhos, grande amiga de muitos artistas, foi uma mulher que viveu bem à frente (ou à margem) do seu tempo. A ver se um dia destes volto a ela pois é uma mulher cujas múltiplas histórias me fascinam.

Quanto às biografias dos nossos pequenos políticos, escritas muitas vezes pelas Felícias Cabritas de serviço, também nem lhes chego perto.

Um bom dia para si, P. Rufino!

Um Jeito Manso disse...

Olá Eufrázio Filipe,

Fico sempre surpreendida com as suas palavras quando me visita. Gosto de lê-las.

E tem razão: a vida é uma festa quando nos surpreendemos.

Desejo-lhe um bom dia!

jrd disse...

Ler este texto ao som de um "Nocturno" seria um momento muito interessante, mas, aqui, só tenho o Chopin disponível.

:)

Um Jeito Manso disse...

Olá jrd,

Sim, um nocturno ou um prelúdio. Mas dá para imaginar, não é?

um abraço!

Um Jeito Manso disse...

Olá jrd,

Sim, um nocturno ou um prelúdio. Mas dá para imaginar, não é?

um abraço!