sexta-feira, maio 11, 2012

Morreu Bernardo Sassetti, compositor, pianista, amante de fotografia e amante da vida - partem tão cedo aqueles que os deuses amam


Bernardo Sassetti o ano passado no Largo de S. Carlos com Mário Laginha


É com um particular desgosto que vos peço: Música, por favor

Bernardo Sassetti - Sonho dos Outros e Promessas


As duas fotografias de Bernardo Sassetti que aqui vos mostro foram feitas numa noite de verão do ano passado e dessa noite aqui vos dei conta (aliás, directa ou indirectamente, a sua presença pode ser sentida em Um Jeito Manso pois era pessoa que me era muito grata - e como me custa escrever, agora, no passado... - Caso queiram ouvi-o ou vê-lo, por favor cliquem aqui).

Nessa noite, irrequieto, alegre, preparava o concerto que se ia seguir com mil cuidados, afastava-se, via de longe, ouvia da plateia, aproximava-se para falar com o Mário Laginha e era ele: ar desportivo, empolgado e, depois, tocava, tocava, numa harmonia total com o Mário Laginha ou quase ao despique, uma festa. A aragem da noite fazia voar os seus cabelos e era ele: era música, era a magia de uma noite de piano ao ar livre no coração de Lisboa. E era vê-los felizes com o talento que se mostrava em plena fruição.

Que tenha partido junto ao mar do Guincho enquanto fotografava, coisa que tanto gostava de fazer, fotografia abstracta como ele dizia (uma outra forma de ver o mundo, ver de perto o que geralmente não se vê), é coisa que me toca particularmente.


É deliberadamente que escolho esta fotografia desfocada que parece já transportá-lo
para o local para onde vão os que se ausentam antes de nós


No Ginjal e Lisboa também me despeço dele. Ou melhor, também lhe presto tributo. Bernardo Sassetti, como os que vivem de corpo e alma de e a para a arte, não nos abandonam, apenas se despedem mais cedo. Atravessam os mares, os céus, vão para junto da infinita luz.


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Coloco aqui, onde deve estar, o poema que a Leitora 'Era uma Vez' me deixou nos comentários no dia 13 de Maio, dia da homenagem que os amigos fizeram a Bernardo Sassetti.

CONTARAM-ME

Disse-me quem sabe... que a intensidade de Bernardo esteve lá

nas trémulas mãos do Pedro e do Laginha

Contida a emoção desmesurada
no rosto desfigurado da Beatriz e do Zé Pedro

na serenidade disfarçada
de Carlos do Carmo

nos olhos húmidos daqueles (muitos) quem ninguém conhece...

Parece que o Bernardo deve ter amado

pairou sobre todos 
afastou o cabelo rebelde
naquele gesto muito seu

e decerto antes de partir
(comovido)
agradeceu

21 comentários:

Maria disse...

Amiga:
Só duas palavrinhas, porque estou cheia de problemas e sem cabeça para nada.
Fiquei muito chocada com a morte do grande músico. Sei que é um lugar comum, mas a morte com a idade dele, um futuro à frente, é muito estúpida.
Apanhou-me num dia mau.
Ontem, o meu marido, foi levantar o cão e já não se levantou. Vi-me doida para o levar para a cama. Chamei o médico, que diagnosticou uma cólica renal, ou uma distensão muscular. Medicou-o e mandou-o ficar de cama. Hoje telefonei à minha médica, que diz que não é cólica renal nenhuma, mas uma distensão, mesmo. Mudou os medicamentos e vai vê-lo na 2ª feira. Já quase não tem dores, mas só descanso, quando a médica o vir.
Hoje o mais novo dorme cá.
Foi o meu marido, quem primeiro ouviu a triste notícia. Ficámos muito impressionados.
Penso na mulher e nas filhinhas.
Penso nos amigos todos, sobretudo os mais chegados.
Chorei, sabe? Estas mortes, doem-me muito. Era um bom músico, um rapaz bonito, parecia simpático. Tinha tudo para ser feliz. A vida é injusta, amiga.
Lamento o seu desgosto.
Beijinho
Mary

patricio branco disse...

vi o 2 vezes no Funchal. Algo tragico, na verdade. um valor artistico, humano.

ps. perfeita a legendagem das fotografias onde consta o quem, o onde e o quando, muito ao contrario do nosso habito josnalistico de pôr fotografias nos jornais, muitas vezes interessantes, sem qualquer indicação legendada sobre elas

Anónimo disse...

Realmente! Um tipo houve a notícia (e as causas) e não acredita! Já andei, passeando, por aquelas arribas (por sinal, não muito longe de onde vivo), mas porquê aquilo tinha de lhe acontecer? Um (enorme) talento, jovem, com tanto para dar ainda! Esta vida é madrasta (e injusta) por vezes!
P.Rufino

Tété disse...

E é precisamente porque os deuses os amam que eles partem mais cedo. Resta-nos a esperança de que estarão em bom lugar, que nunca serão esquecidos por aqueles que os amam verdadeiramente e que nos voltaremos a encontrar quando chegar o final do nosso caminho neste mundo.
A vida por vezes parece-nos tão ingrata. E será que será?

ERA UMA VEZ disse...

Era uma noite de Verão.

Nem uma brisa. Era o meu Algarve no seu melhor. Tínhamos voltado do passeio pelas esplanadas, do D. Rodrigo fora de horas, da inevitável jogatana ruidosa de matraquilhos e, a custo, lá nos íamos mentalizando que eram horas de deitar.

Lá em baixo na piscina, os ingleses insistiam nas cervejas e nos mergulhos fora de horas.
Bifes dum caneco, resmungava-se.

De súbito, batem à porta. Zé Pedro, que surpresa!
Zé Pedro é um amigo de longa data, colega de Universidade da minha filha mais velha, amigo para todas as confidências.

A coisa passou-se há uns 18/20 anos.
Zé Pedro precisava de ajuda. O seu amigo gemia no carro com uma dor de cabeça, tipo enxaqueca, insuportável.
Procurei aspirinas, benurons, tudo o que tinha à mão.
Uma garrafa de água e descemos.

Dentro do carro, um jovem pálido
cabeça descaída sobre o banco, deixava adivinhar um grande sofrimento e debilidade...

Parece que a nossa farmácia de férias terá aliviado a enxaqueca de Bernardo Sassetti.

Zé Pedro e Bernardo tornaram-se cada vez mais próximos. Compadres, padrinhos e afilhados, e sobretudo cada vez mais amigos.

Zé Pedro está desesperado.
Bernardo partiu.
Mais um nesta recente debandada de gente boa.

A sua entrega ao piano chegava a parecer espasmódica.
Em quarenta anos deu-nos tanto talento.

Quem dera que todas as aspirinas do mundo o trouxessem de volta...

Um Jeito Manso disse...

Mary, minha amiga,

Parece que andam numa maré às avessas.

Tomara que passe, que fiquem bons. Mas isso deve mesmo ter sido um mau jeito. Uns três dias a descansar e com uns comprimidos e isso vai ao sítio. Antes isso do que ser ele, por simpatia, a querer ficar também 'on the rocks'.

Mas hoje aí com o seu 'Corvo' (porque lhe chama assim? É moreno de cabelo preto?) vai ficar com o seu coração confortado, vai ser um apoio bom.

Quanto ao Bernardo Sassetti, parece que ainda nem estou bem em mim. Vi na televisão umas imagens dele e custou-me muito. Muitas vezes, quando escolhia música para aqui, ia ver coisas dele e mesmo quando não punha, para não ficar repetitivo, muitas vezes ficava a ouvi-lo enquanto escrevia.

Há pessoas que têm dentro delas a arte e a jovialidade da descoberta e o prazer da fruição da arte e o Bernardo Sassetti era (dá-me vontade escrever no presente: é) uma dessas pessoas. Não me parece possível que tenha mergulhado num mar que o levou para tão longe.

Com tristeza por causa disto mas não a querendo entristecer, desejo as melhoras aí para casa, que vos passem as maleitas, que se ponham bons para os vossos passeios. Ânimo, Mary e um beijinho!

Um Jeito Manso disse...

Caro Patrício,

E a ideia que lhe ficou dele não era a de alguém que se entregava ao prazer da música, ao prazer de dar prazer pela música?

Não me esqueço dele ali no Largo do S. Carlos, ainda nem há 1 ano, andava de um lado para o outro a ver as condições sonoras, depois falava com o Mário Laginha, depois sentava-se e tocava, depois levantava-se e ia sentar-se nas cadeiras do fundo, e uma alegria, uma entrega, e uma amizade tão visível com o Mário Laginha. E as composições dele... Umas composições com inspiradíssimas linhas melódicas. Era um prazer que ele tinha e era, para nós, um prazer ouvi-lo.

Mas foi por uma fotografia que ele se foi. Fotografava penhascos, o mar nos penhascos, o vento nos penhascos. A vontade de tirar aquela fotografia que revela o pormenor nunca antes percebido.

Que pena que tenho, que pena tão grande.

Um Jeito Manso disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Um Jeito Manso disse...

P. Rufino,

Como é possível que num tão curto espaço de tempo tenham deasparecido Miguel Portas, Fernando Lopes e agora Bernardo Sassetti. Parece um pesadelo.

Bernardo Sassetti, já o escrevi, gostava muito de o ouvir, muitas vezes escrevia a ouvi-lo, gostava de o ouvir a falar. E falar de fotografia, eu que tanto gosto também de fotografar. Percebo-o bem, a caminhar sobre as arribas, a querer apanhar aquele ângulo, aquela luz na pedra, a batida do mar.

Há pouco um entrevistador perguntava a um amigo dele, se ele era pessoa de depressões e um outro amigo dizia que ele andava descontente, a querer encontrar um caminho e palavras assim parecem querer dizer que podia não ter sido acidental mas eu não quero pensar nisso, porque, do que lhe conhecia, era pessoa, sim, para ir atrás da fotografia especial que acontece de vez em quando, o momento mágico captado pela máquina. Já o ano passado se tinha magoado ao tirar uma fotografia assim, andava a fazer fotografias para um livro.

Mas pode uma pessoa tão maravilhosamente dotada ser assim retirada do nosso mundo, retirado às filhas e à também maravilhosa Leonor Batarda?

Há muita injustiça nisto. Deus quer perto de si as pessoas que pairam alto mas e nós, os que estamos cá em baixo?

Um Jeito Manso disse...

Teresa-Teté,

Tem razão. A sua música, as suas maravilhosas interpretações, tudo isso ficará sempre entre nós. Mas é tão pouco, Teresa-Teté, face ao que ele ainda tinha para fazer, tão pouco.

E a Mary tem razão, que pena da Leonor Batarda e das meninas, ainda tão pequenas.

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Mas já passa da meia-noite, já é, portanto, dia 12 de Maio. Por isso, agora já lhe posso dar os parabéns, Teresa-Teté e um beijinho de parabéns para o Miguel, que seja muito feliz e que o nosso País se ponha bom e próspero para acolher o Miguel e todos os outros meninos. Merecem-no.

Um Jeito Manso disse...

Erinha, minha amiga,

Que pena deve estar a sentir.

Tomara que ele pudesse ainda aparecer com uma enxaqueca, que isto tudo não tivesse passado de uma estúpida confusão.

Mais notícias assim não são suportáveis. O país está a empobrecer, a entristecer, a ficar sem pessoas que sorriam para nossa alegria, pessoas boas, cheias de arte, cheias de vida.

Hoje esta deixou-me mesmo triste, custa a acreditar que seja possível. Pessoas assim, com talentos virtuosos, deviam ser poupadas.

Que maldade é esta de nos andarem a levar pessoas assim?

Tété disse...

Muito obrigada minha amiga. Tinha-a convidado, num comentário do outro texto de sexta feira, para visitar o meu cantinho depois da meia noite para o conhecer. Como disse, não gosto de o expor mas um dia não são dias.
Grande beijinho

Um Jeito Manso disse...

Teresa-Teté,

Já lá estive, claro. A alegria das crianças é contagiosa. Que belo sorriso o dele, tem um sorriso tão bonito como o da avó Teté.

Não há coisa melhor que um xi-coração de neto. Muitos abraços entre si e o seu Miguel, que só isso é já de si um bom presente (para si e para ele).

Obrigada, Teresa-Teté.

Olinda Melo disse...

Minha querida amiga

Na verdade, ficámos muito mais pobres. Um talento que se vai, um homem jovem ainda na força da vida.

Nem dá para falar muito, tal a tristeza que nos envolve o coração.

Beijinhos.

Olinda

Um Jeito Manso disse...

Querida Olinda,

Fiquei verdadeiramente consternada. Ainda agora estive a colocar uma coisa no Ginjal e comprovei que já lá antes, também, tinha colocado quatro coisas dele.

Era, de facto, para mim uma presença muito assídua. Eu tinha grande admiração por ele. Não dá mesmo para acreditar.

Agora, enquanto escrevo, estou a vê-lo na RTP 2. Quanto talento...!

Um beijinho, Olinda.

Maria disse...

Amiga:
Antes de mais: O Vasco, adora Lisboa.
É um dos sócios mais jovens dos "Amigos de Lisboa". Conhece Lisboa e todos os recantos.Tem um bom mestre, o padrinho, meu irmão, que teve anos no jornal "A Capital", uma crónica, chamada "O Poço da Cidade" e tem livros publicados sobre Lisboa.
O Vasco, tem um blog. Quando o começou, pôs-lhe o nome de "Blogue do Corvo", em homenagem aos corvos do brasão da cidade. É assim que assina no blogue, é assim que é conhecido. Achei graça, porque eu tenho a mania das gaivotas, ele dos corvos. Por isso, aqui na net, o trato por Corvo.
Se não se importa, vou aproveitar, para dizer à Erinha, que achei a história verdadeira dela, a forma mais linda, de falar de um amigo morto. Cada vez gosto mais dela.
Isto por cá, continua mau. Ele consegue dormir e em repouso, não tem dores. Veremos na 2ª feira.
Ainda bem que tenho aqui o Vasco. É um grande companheiro. O mais velho e a minha nora, telefonam e estão sempre a perguntar se quero que cá venham. A minha filha não sabe nada. Está muito longe e não quero assustá-la.
Beijinhos para si e para a Erinha, da
Mary

Um Jeito Manso disse...

Maryzinha,

Fico contente por ter aí o suporte do seu Vasco Corvo. Já lá estive a ver o blogue dele e até vi uma fotografia dele com o Nabão. Parece ser um rapaz muito meigo e muito amigo da família. Gostei de ler e fui andando para trás, lendo posts mais antigos, e sempre a mesma ternura pelas tias, pela família.

Tomara que as coisas estejam melhores aí em casa, sem dores (e refiro-me aos dois).

Percebo que não queira preocupar a sua filha. Faz bem, Mary.

As melhoras e um beijinho a todos aí em casa.

José Rodrigues Dias disse...

Cara Amiga UJM:

Há mortes que não se entendem, que eu não entendo, apesar de haver morte...

Mas há a Vida. Talvez (sobre isto) seja o "poema" de amanhã ou de um dia destes, lá no meu blogue "Traçados sobre nós". Agradeço a sua passagem por lá e o seu comentário de hoje, a propósito do poema "Ela, a morte".

PS: imagina que hoje já fiz aí umas 6 horas em cima de um tractor, trabalhando a terra-mãe?

Saudações cordiais,

J. Rodrigues Dias

Um Jeito Manso disse...

Estimado José Rodrigues Dias,

Gostei imenso do seu comentário. Assim é, de facto. Tem razão. Uns partem cedo demais e deixam-nos desolados mas a vida continua para quem cá está.

E isso de andar a cuidar a terra é a melhor forma de homenagear a vida, de a viver como ela merece ser vivida. Tanto tempo no tractor, deve ter ficado estafado. Mas é tão bom amanhar a terra.

Eu este fim de semana fiquei-me pela beira da água mas fico logo a sentir a falta da terra, a terra-mãe como diz.

Obrigada pelas suas palavras, puxaram-me para cima.

Amanhã lá passarei pela sua terra, para ler os seus sempre tão belos poemas.

Obrigada e saudações cordiais.

ERA UMA VEZ disse...

CONTARAM-ME

Disse-me quem sabe... que a intensidade de Bernardo esteve lá

nas trémulas mãos do Pedro e do Laginha

Contida a emoção desmesurada
no rosto desfigurado da Beatriz e do Zé Pedro

na serenidade disfarçada
de Carlos do Carmo

nos olhos húmidos daqueles (muitos) quem ninguém conhece...

Parece que o Bernardo deve ter amado
pairou sobre todos
afastou o cabelo rebelde
naquele gesto muito seu

e decerto antes de partir
(comovido)
agradeceu

Um Jeito Manso disse...

Querida Erinha,

O seu poema, tão bonito, já está no corpo do post pois é lá que deve estar para termos a certeza que mais pessoas o lêem. Muito obrigada.

Que bonita e sentida homenagem deve ter sido. Coitada da Beatriz, que desgosto tão grande deve ser o dela.

Um beijinho, Erinha.