quinta-feira, março 15, 2012

Frades pecadores ao som de Salve Regina (as palavras de Mia Couto, as vozes dos monges e a Anunciação de Fra Filippo Lippi); e Gabriela Cravo e Canela, os Pássaros Feridos e o Crime do Padre Amaro segundo os Gato Fedorento. Resumindo: humor, poesia, música, cinema e sexo na igreja, ou melhor, fora dela


Música, por favor
Salve Regina - Monges da Abadia de Notre Dame


Anunciação - Fra Filippo Lippi (1406 - 1469)


                            Na igreja,
                            Rosarinho se confessou:
                            engravidei do rio, senhor padre.

                            Com gesto de água
                            arredondou o ventre.

                            O padre
                            se enrugou:
                            ela que não usasse desculpa
                            para os seus mortais pecados.

                           A ofensa tremia
                           na voz dela quando retorquiu:
                           - Desculpe, padre,
                           mas Nossa Senhora
                           não emprenhou de um feixe de luz?

                           Para mais, acrescentou Rosarinho,
                           o senhor padre
                           nem nunca, nem jamais viu esse rio.
                           E rematou
                           com lânguida saudade: aquele ondear,
                           as tonturas que ele traz...

                           Pegou o padre pela mão
                           e o convidou a descer o vale.

                           Agora,
                           todas as noites
                           o padre se banha
                           nas águas do rio pecador.


                           ['O pecado do rio' de Mia Couto in 'idades cidades divindades']


Sónia Braga em Gabriela Cravo e Canela


Confrade do sim, o frade
se cansou de tanta oração,
e, errando, acertou na vida,
fez-se compadre do não.

Almejou, então, em braseiro
errar todo, de corpo inteiro,
vadiar até perder o missal
e ousar até o pecado imortal.

Desejou não apenas a porção
mas a vida sem proporção
e sonhou exercer-se macho
inclinar todo seu cacho
em mulher de travesseiro
tendo feitiço e sendo feiticeiro.

Agora, sem reza, a si mesmo se reveza
e provando que só morto não peca
o frade esgotado de benzer
inventou, enfim, o bem ser.


['O frade e a fraude' de Mia Couto in 'idades cidades divindades']


Sónia Braga - Gabriela Cravo e Canela

E, a propósito de padres ou frades (não sei se é a mesma coisa) que se deixam tentar: a sério,


The Thorn Birds (Pássaros Feridos)- com Richard Chamberlain e Rachel Ward


ou a brincar,


O crime do Padre Amaro segundo os Gato Fedorento

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Hoje, à beira do meu rio, também temos Mia Couto, o urbano que visita o Ginjal ao som de Rêverie de Debussy.  Se quiserem aparecer por lá, serão muito bem vindos.



E, meus Caros, tenham uma bela quinta feira, com muito riso (... a quantidade de siso é à vossa escolha e a forma também, isto é: em santidade ou em pecado - conforme vos aprouver).

4 comentários:

Maria disse...

Jeitinho amiga:
Adoro Mia Couto. Passe a redundância, a poesia dele é muito poética. Lindo o primeiro poema, brejeirote o segundo, mas ambos muito bons.
Quanto ao "Crime do Padre Amaro", acho esta versão muito melhor do que a verdadeira.
Sou fã dos "Gato Fedorento", adoro o Ricardo Araújo Pereira, que tem um tipo de humor que me agrada. É venenoso que se farta, mas é isso que me faz rir. Quando reencarnar, quero ser como ele.
Hoje, fui eu, que me fartei de rir.
Beijinhos
Mary

Um Jeito Manso disse...

Olá Mary,

Fiquei surpreendida com a poesia de Mia Couto. Estou habituada à sua prova inventiva, desconhecia-lhe esta veia brejeirota (ainda que, de certa forma, ternurenta). Fez-me lembrar a sensualidade do Brasil de Jorge Amado e, por isso, repesquei da memória a Gabriela Cravo e Canela.

E aquele número dos gatos-padres é o máximo.

Beijinhos em noite de chuva, Mary.

Maria disse...

Jeitinho amiga:
Se soubesse o que eu gostei de ver chover! Tive que ir ao veterinário com o marido e o cão... Quer dizer: Tive que acompanhar o marido a levar o cão ao veterinário e, apanhei uns pingos desta abençoada chuva.
Falando de estilos: realmente, há qualquer coisa de Jorge Amado, no Mia Couto. As cenas da Gabriela fizeram-me saudades do tempo em que ver uma telenovela, era um prazer e se aprendia alguma coisa.
Adoro séries e telenovelas de época, bem feitas.
Estes pastelões que andam agora na moda, irritam-me com tanta estupidez.
Beijinhos e até já.
Maria

Um Jeito Manso disse...

Mary,

Olhe que os Gato Fedorendo deveriam alistá-la como o 5º elemento. O seu sentido de humor é fantástico. Essa da ida ao veterinário e a explicação que se seguiu é de gargalhada mesmo!

Mas tenho que abrir um parêntesis para desejar que o cãozinho não tenha nada de grave. Tive durante 13 anos uma cadela que era, para nós, uma menina querida, e sei bem o que é a estima que a gente lhes ganha (e eles a nós).

Quanto às telenovelas agora, estas nossas então, não consigo ver, é tudo previsível, forçado, sem graça. Tenho saudades da novidade que eram as primeiras telenovelas brasileiras sobre romances do Jorge Amado.

Um beijinho.