O que era uma questão local de uma pequena economia periférica, acabou por funcionar como a abertura da Caixa de Pandora de onde têm saído todos os monstros. Como castelos de cartas, as economias mais frágeis começam a cair. E já não são apenas as economias mais frágeis, pois a gangrena já está a comer as carnes de Itália, já começa a manifestar-se em Espanha, em França e, até, na Alemanha em que o crescimento está a decrescer (pois a Alemanha cresce quando exporta e, com as economias a irem-se abaixo, a Alemanha começa, naturalmente, a perder clientes).
A União Europeia, enleada em tratados, em regulamentos, de facto sem poderes, prisioneira da autonomia dos países, representada por figuras cinzentas, políticos de baixo carisma, não conseguiu resolver o problema quando era um problema pequeno e, portanto, muito menos o consegue resolver agora que ele galgou fronteiras, agora que a Europa mostrou a sua fragilidade aos abutres.
Quais necrófagos, os 'mercados' atacam ávidos, a agiotagem mais primária faz subir os juros para níveis insuportáveis, a banca (que durante tanto tempo viveu de engodos fúteis, pouco sérios) encontra-se agora atolada em dívidas incobráveis, esmagada por toda o género de imparidades, sem capacidade para acorrer às empresas.
Os países deixam de ter capacidade para se financiar, deixam de ter capacidade para se manterem a funcionar. As suas dívidas, as dívidas soberanas, são agora vistas como lixo tóxico, queimam, ninguém as quer. E a soberania vai sendo um conceito cada vez mais intangível, mais distante.
E, desta forma, por manifesta incapacidade da União Europeia em conseguir lidar com a situação, verificamos agora, impotentes, e o que já estava frágil, mais frágil vai ficando, as dívidas em crescimento exponencial, os países desavindos, crises todas as semanas. Não há G20, não há FMI, não há BRICs, não há quem se sinta na obrigação de nos ajudar, quando a UE não se consegue organizar.
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Nas minhas horas livres faço tapetes de Arraiolos (ou melhor, fazia, porque, com isto dos blogues, mal tenho tempo - e, claro que também me incluo do grupinho de sábios referido em epígrafe. Mas agora vou falar na qualidade de bordadeira).
Os tapetes fazem-se com lãs de várias cores, com uma base, com um desenho, com uma agulha (e uma tesoura também dá jeito). Nada de mais.
Mas é preciso que se tenham alguns cuidados. Qualquer um que não faça ideia de como se transforma um saco cheio de lã e um rectângulo de serapilheira num tapete, bem pode estar de agulha na mão que não fará mais do que olhar para aquilo como boi para palácio.
Pode haver aqueles que tenham espírito de aventureiros e que deitem mãos à obra, sem saber como. Pode sair uma salsada - dificilmente um tapete de Arraiolos.
Pode haver também os que tenham alma de burocratas, certinhos e sem imaginação, nem sentido crítico. Sentar-se-ão com um livro de instruções, um ponto de cada vez sem noção de conjunto - ao primeiro erro (e erros acontecem, mesmo aos mais certinhos e cumpridores) estarão em sérias dificuldades. Tentarão ler o livro de fio a pavio a ver se descobrem uma solução que possa ser aplicada by the book e, como muitas vezes isso é coisa que não existe, entrarão em parafuso, tentarão corrigir, provavelmente cometendo mais erros, o tempo irá passando - e tapete viste-lo.
A mim aconteceu-me também, ao princípio, estar cheia de voluntarismo, ter uma pressa enorme de chegar ao fim e não acautelar algumas regras elementares.
Por exemplo: há cuidados que devem ser escrupulosamente seguidos. São cuidados simples, mas que não devem ser atropelados. Eu ia juntando as lãs numa mesma cesta sem cuidar de as manter organizadas, devidamente separadas. E isso veio a revelar-se um erro tremendo.
Ao fim de algum tempo, o que aconteceu foi isto que podem ver na fotografia acima. As lãs estavam lá... mas que trabalho que eu tinha de cada vez que precisava de lã de uma certa cor, que nervos, que perda de tempo. Depois, quando ia começar um tapete novo, que sarilho avaliar as lãs que tinha, as de que necessitava.
Claro que durante algum tempo ainda tentei, pacientemente, mas o desespero de conseguir desembaraçar as lãs fazia-me perder tempo e abafava o prazer de fazer o tapete. Claro, também, que eu poderia persistir, pacientemente persistir, talvez conseguisse desembaraçar todo este enleio - mas que trabalheira, que perda de tempo.
Então tomei uma decisão. Aquela cesta cheia de lãs ensarilhadas era para esquecer. Ficava ali para uma falta, quando precisasse de uma ponta.
De resto, considerei que aquilo era o que chamamos 'sunk costs' (custos afundados, isso mesmo), dinheiro que é para esquecer ou, então, 'write off' (limpar da escrita, digamos assim).
E vida nova, que para a frente é que é caminho.
Comprei lãs novas, passei a ter tudo bem organizado, sacos com cores afins para ser mais simples localizar a cor pretendida, cada novelo bem enroladinho para não contagiar, digo, para não se misturar com as outras.
Comparem a facilidade de trabalho que tenho com as lãs todas bem arranjadas com a que teria se estivesse ainda a tentar utilizar o impossível enredo que aqui podem ver abaixo.
Que tempo que eu perderia, não é? Que inútil desgaste, não concordam?
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Moral da história? Simples, meus Caros: esquecer a UE, aprendendo com os erros passados, e começar rapidamente a desenhar outra coisa.
Gizar uma qualquer coisa que tenha um modelo de governação eficiente, qualquer coisa que respeite as nacionalidades e as soberanias mas que invente uma forma nova de efectivamente gerir e potenciar o que deve ser gerido em comum. Mas um modelo que reconheça as diferenças, especialmente um modelo adaptativo que integre um país consoante uma avaliação ao seu estadio de partida.
O modelo actual em que todos os países que adiram ao euro se alinham apesar de terem economias e finanças absolutamente díspares, não funciona e contém todas as sementes de desequilíbrios e desavenças. Aliando a isso, o facto de a condução quer da Comissão quer do Conselho serem titubeantes, passivas, reactivas, leva a que não apenas nada se faça, nada se decida, nada se resolva, como que, perante o pântano que se instalou, qualquer um se sinta no direito de se arrogar chefe dos outros - como vem acontecendo com o ridículo par de jarras franco-germânico que se auto-arroga o direito de falar em nome de todos, mas que, obviamente, não resolve coisa nenhuma, desperta ódios e empata o desenrolar dos acontecimentos.
Gostei de ler o texto Piris e a Europa. É isso que se precisa, neste momento: de ideias para se sair disto. Pode ou não aderir-se à ideia para a qual o texto do Embaixador Seixas da Costa aponta. Mas é um caminho, ou melhor, é um início de conversa.
Que os mais conhecedores e os melhores (não os mais 'espertos', não os mais burocratas, não os mais incultos, não os mais ignorantes e estúpidos) se cheguem à frente e desenhem rapidamente uma coisa nova para que possamos fazer write off deste período negro e possamos partir para outra, com criatividade, com empenho, com democracia, com desenvolvimento, com humanismo, com paz, é o que se pede agora.
Que os mais conhecedores e os melhores (não os mais 'espertos', não os mais burocratas, não os mais incultos, não os mais ignorantes e estúpidos) se cheguem à frente e desenhem rapidamente uma coisa nova para que possamos fazer write off deste período negro e possamos partir para outra, com criatividade, com empenho, com democracia, com desenvolvimento, com humanismo, com paz, é o que se pede agora.
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NB: Duas imagens são excertos da pintura de Jeroen van Aeken, mais conhecido por Hieronymus Bosch (1450 -1516). As três fotografias relativas aos tapetes de arraiolos são minhas e em duas delas pode ver-se uma carpete que fiz segundo o rigoroso preceito do ponto de arraiolos, mas feita em desenho livre (prova de que o conhecimento apurado permite recriações criativas - passe a redundância e, sobretudo, a imodéstia). A imagem dos círculos concêntricos para ilustrar um possível modelo de integração europeia que atenda e respeite as diferenças dos países foi obtida na net, bem como a horrível fotografia dos mercados a comerem os países aflitos, digo, a fotografia dos abutres a debicarem uma carcaça.
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PS: Já agora, se aqui chegaram (e, portanto, são uns valentes), para repousarem o espírito, convido-vos a deslocarem-se até ao meu Ginjal e Lisboa onde esta semana dou início ao ciclo das Cordas na 'Música no Ginjal'. A seguir ao um textozito meu e a uma fotografia também minha, poderão ler um poema de Manuel António Pina, o nosso actual Prémio Camões, e, a seguir, encontrarão Chamber Orchestra 'Orpheus'. Ouçam que vão gostar.
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E tenham, meus Caros, uma boa semana. Sejam criativos, críticos, e, acima de tudo, sejam felizes.
10 comentários:
A ver como corre o dia. De qq forma, o saber-se um trabalho manual é hoje uma mais-valia. E, mesmo q o destino nos reserve um regresso ao interior das grutas, os arraiolos são sempre bonitos.
Uma semana feliz!
Packard,
É isso mesmo, quais bons selvagens, eu na minha gruta a fazer tapetes de Arraiolos, você na sua fazendo uns cartoons, o mundo inteiro de regresso às grutas, quiçá à pastorícia, à pequena agricultura de subsitência, mais tarde reinventando o comércio interpessoal...
Vamos ver que novidaes esta semana nos reserva.
Mas, entretanto, tenhamos boa disposição, não é?
E obrigada!
Os desenhos do seu tapete são giríssimos e o ponto tão perfeitinho! Parabéns. Fez bem fugir às tradicionais rosáceas que são nossas, são bonitas mas cansam. Gosto imenso de tapetes para dependurar na parede, tenho vários, manufacturas de seda ou lã trazidas daqui e dali.
E quanto à Desunião Europeia, fica-se triste, é como um casamento falhado, mas se for como eu, é depois que se começa verdadeiramente a viver portanto, vivam os casamentos falhados.
Olá Mariazinha (he!he!)
Obrigada pela visita mas fiquei muito triste por não conseguir ver o filme. Acho que não é de perder e por isso se não conseguir ver no meu blogue, tente aqui:
http://youtu.be/hl9zgBtCiJM
Quanto à sua ideia, eu vejo-me mais com uma pequena lojinha de aldeia onde comercializaria produtos da terra, doces e compotas, tipo o filme "O Chocolate" tá a ver?
Beijinhos grandes
Esta mistura de UE com tapetes de Arraiolos é um achado.
Também sou fã dos tapetes, também fiz mas, as artroses nas mãos, acabaram com o vício.
Para os tapetes, faltam lãs, para a UE falta massa, carcanhol, pilim.
Outra coisa? Mas qual?
Eu acho que faltam é cabeças, bons e honestos políticos que nos tirem da lama em que nos enfiaram.
Dêem-nos paz e umas côdeas de pão.
Beijo
Maria
Jeito Manso
Belíssimos textos, impressivos e expressivos.
Também eu tenho/tinha uma alternativa antes da blogosfera:os bilros e a navette. Coisas do século passado. Mas aquele barulhinho dos bilros relaxava-me. Depois passei a ouvir a tv enquanto "bilrava". Resultado: enganos sucessivos...
Mudei-me para o tricot - tenho jeito para as lides domésticas, coitada de mim - e acabei na alta tecnologia. Consequência: já não faço nada bem feito...
Olá Luísa,
Gosto sempre de ler os seus comentários, são muito espontâneos, fazem-me rir. Achei graça a dizer que o tapete está bem feitinho... Sou muito prendada, de facto :))
Poderá encontrar, procurando nas etiquetas laterais 'tapete de arraiolos' algumas das minhas obras.
Já fiz imensas carpetes, algumas até bem grandinhas, e fazia réplicas de originais do séc. XVII que se encontram em museus cá e lá fora. Os que eu fazia eram os mais genuínos arraiolos antes de se terem 'industrializado', tapetes de desenhos complexos, com muitas figuras pequenas, uma trabalheira que não imagina. Mas são muito bonitos.
Contudo, depois de anos a fazer carpetes de modelos clássicos (e, sim, faço-os com perfeição, seguindo todo o preceituário), resolvi fazer tapetes como se pintasse. Sem desenho em papel, desenhando com lã directamente no tapete, conjugando cores. E isso é um prazer muito grande.
Mas uso-os no chão, não na parede. De resto, são muito pesados, nem sei se daria para os pôr na parede.
Quanto a recomeçar a vida depois de uma separação, fez-me lembrar a carta da Morte no tarot que significa recomeço. Rei morto, rei posto. Nem mais.
Quando não se está bem e não dá para pôr bem, então também acho que não vale a pena as pessoas desgastarem-se. Mais vale partir para a outra e para a frente é que é caminho. Nem mais.
(Grande Luísa!)
Olá Teresa-Teté,
Não me reconheço em 'Mariazinha'. Se lhe dá jeito tratar-me por um nome, pode tratar-me por Tá já que é assim que os meus meninos me tratam. Aliás, por isso mesmo, tenho um blogue a que dei o nome Historinhas da Tá.
Estou a escrever isto ao som do Besa me mucho. Obrigada por me ter enviado o link.
Gosto imenso do filme Chocolate, até pus aqui uma vez o trailer. A Juliette Binoche e o Johnny Depp estão fantásticos e a história é uma delícia.
Mas, Teresa, daqui por algum tempo, no caminho do empobrecimento como o nosso 1º ministro nos prometeu, haverá quem tenha dinheiro para chocolates...
Nem eu terei sorte com os meus tapetes de Arraiolos... até porque os chineses fazem-nos a preço da uva mijona. Claro que não são tão bonitos como os meus :)... mas são a um preço que não dá para acreditar.
Mas olhe, vendemos umas às outras, ou melhor, trocamos...
Beijinhos, Teresa-Teté.
Tá
Maria, olá,
Pois, por acaso receio que um dia isso me aconteça mas, por enquanto, ainda dou conta deles. E como faço carpetes grandes, às vezes acabo com uma dor no braço e nas mãos... E na minha família há artroses... Espero que não seja hereditário porque ainda tenho muito tapete para fazer...
Quanto aos políticos, pois, tem razão, há por aí muitos que não passariam nos testes psicotécnicos se os houvesse para tal fim... Temos quer ser mais exigentes, é o que é.
Um beijinho, Maria.
Olá, Helena,
Ah mas isso dos bilros é arte fina...! Nunca me cheguei a tais complexidades e deve requerer imensa atenção.
Bem, os tapetes de arraiolos também requerem uma atenção dedicada impressionante, especialmente quando se está na fase do desenho. Mas limpa-nos a cabeça completamente. Todas as ralações se esvaem (também é certo que sou um bocado primária...).
Trabalhar com navettes não sei como é mas parece ser também coisa difícil.
A mim, os blogues também me afastam desses meus ofícios.
Eu também sou muito dada a estas coisas. Crochets e tricots, bordados, tudo isso. Mas o que gosto mesmo é de fazer carpetes de Arraiolos, ou as clássicas mesmo clássicas (conforme referi à Luísa, ali mais em cima, poderá ver alguns dos que já fiz, escolhendo ali de lado o separador dos 'tapetes de arraiolos') ou algumas feitas de improviso, como se estivesse a pintar (coisa que também gosto de fazer).
Enfim, prendas.
Mas acho que, numa aflição, não ganhava dinheiro com nada disto...
PS: Já referi lá na sua casa mas refiro aqui também. Já tenho o seu último livro de culinária e está de parabéns, Helena. É um livro muito fácil de seguir, com receitas que parece serem simples, económicas, saborosas, descritas de uma forma que dá vontade ir para a cozinha e seguir as suas palavras - o que tudo o que se quer nos tempos que correm. Espero que seja um sucesso!
Um beijinho, Helena.
(E, se for a sua cozinha, deve dar gosto lá estar)
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