terça-feira, novembro 22, 2011

Pedro Lima, filho de Duarte Lima - o menino de seu pai


Um rapazinho com 12 ou 13 anos é um menino. Se o pai adoece seriamente, o menino assusta-se. Um pai que adoece seriamente assusta-se, teme por si próprio e teme pelo filho que pode ficar sem pai cedo demais.

Os tratamentos são duros, o cabelo cai, a pessoa fica enjoada, enfraquecida, e um menino que assista a essa angústia cresce depressa demais.

E é assim que, há uns anos, as fotografias nos mostravam um menino, com ar sério, um menino precocemente sujeito aos sustos da vida, à ameaça da morte.

Duarte Lima estava sem cabelo e o filho abraçava-o. Um menino forte que segurava o pai doente.

Depois, já recuperado, as revistas da sociedade voltaram a mostrar o pai. Agora ostentava o luxo da casa, as porcelanas, os quadros, o piano, a decoração que pretendia parecer sólida, secular, riqueza herdada, e que, todos o sabiam, não era senão riqueza súbita. E ostentava o filho. Um menino vestido de homem com um ar sério, levemente triste. Por trás o pai sorri orgulhoso.

A doença tentou vencê-lo, a comunicação social quase o despedaçou, os seus pares olham-no de lado, mas ele aguenta-se de pé. A sua fortuna continua incólume, a sua saúde voltou e tem um filho que nunca o abandonou. Imagino-o a dizer, vaidoso, 'Está um homem, o Pedro.'.


E a confiança volta. Duarte Lima sabe todos os esquemas, tem contactos, tem conhecimentos, tem dinheiro. Na sua casa reúne a fina flor da sociedade. Políticos, artistas, empresários, banqueiros, gente da comunicação social, todos são convidados para os requintados jantares que oferece na sua casa ampla, decorada com Brueghel, Companhia das Índias, pesados cortinados, dourados, dinheiro a rodos. Olham-no de lado, pasmam com tanta riqueza, intrigam-se com a proveniência de tamanha abundância, a casa na Quinta do Lago, a quinta em Sintra, tantos investimentos (mas a justiça nunca detectou nada de anormal, fecham os olhos às próprias dúvidas e alimentam o ego do homem de ar pouco fino, rosto marcado pelo que terão sido pústulas desagradáveis ao olhar). E o filho sempre ao lado, um menino que cresce, que se faz homem sempre ao lado do pai.

Como se passou desse deslumbramento festivo para o descalabro não sabemos ao certo. A comunicação social traz-nos pontas de uma teia em que nos custa a acreditar. Se for verdade, estaremos a falar de um homem que já antes tinha desafiado a justiça e saído incólume, que depois venceu a morte, que criou uma associação em defesa da vida e que, julgando-se invencível, terá feito do acto de acumular riqueza a sua principal motivação. Quereria afirmar-se perante os intelectuais que o desprezavam, quereria simplesmente esquecer as suas origens humildes? Tornou-se um bicho insaciável?

Ouvimos agora falar que a ganância o terá levado a endividar-se brutalmente junto do BPN (claro!) com o objectivo de fazer mais-valias na venda de terrenos para o IPO (levando a que o Estado gastasse muito mais do que devia mas poderemos falar em escrúpulos quando a mente está toldada pela ganância?). Como a construção do IPO em Oeiras não foi avante, o negócio dos terrenos não se fez, os terrenos desvalorizaram-se e o empréstimo tinha que ser pago. Como tinha sido feito sem garantias (claro!) e como o BPN mudou de mãos, agora as garantias estariam a ser exigidas, a amortização exigida - e as coisas terão começado a correr mal. Isto é o que ouvimos pela comunicação social. No meio de tudo isto, por razões fiscais, por razões de disfarce, sabemos lá, Duarte Lima terá constituído várias sociedades, algumas em offshore, uma teia difícil de compreender e, ingrato, maligno, terá colocado como sócio gerente o seu filho.

Não o terá feito por mal, talvez. Talvez convencido da sua invencibilidade terá achado que estaria a cuidar do futuro do seu filho. Não sei. Tudo isto é tão perturbador que mal consigo raciocinar. Custa-me admitir que o tenha feito para se livrar a si próprio.

Nem quero para aqui trazer o caso da Rosalina Ribeiro, da herança Tomé Feteira, que isso é assunto ainda mais aterrador. Como reagirá o filho perante a acusação de que o seu pai é um assassino, um frio assassino, um homem que congemina cuidadosamente um crime, que dispara a sangue frio sobre uma mulher? Que lhe irá na cabeça? Admitirá essa hipótese ou acredita nos argumentos do pai, acredita que o pai é uma vítima de uma traiçoeira cabala? Quando o pai lhe jura que está a ser vítima de uma vil maquinação, o que pensará este jovem que cresceu à sombra do luxo e que sempre deve ter achado normal que o pai fizesse tantos telefonemas, tantas viagens?


Continuará a orgulhar-se do pai, do homem que subiu a vida a pulso, que pisou os corredores do poder, que ocupou lugares importantes no País, que tinha o número de telefone de todos os políticos, ministros, do presidente - e que não soube parar?

É que, agora, o homem que mexia com milhões de euros, que tinha propriedades, sociedades, obras de arte, e que nos últimos meses viveu fechado em casa, está nos calabouços, preso como um marginal. In dubio pro reo - e nem réu o é ainda. Mas o juiz considerou que há sérios indícios de culpa e que há sérios riscos de que se preparava para fugir e Duarte Lima está em prisão preventiva.

Fez ontem 56 anos e passou o seu aniversário sozinho. Ontem não houve festa. Apenas o filho o visitou.

O filho, seu amigo, seu cúmplice em tantos maus momentos, é agora considerado cúmplice nos seus crimes. Para não ser preso também, terá que entregar uma caução de 500.000 euros que, diz o advogado, não tem. Mas o menino de seu pai, nem assim o abandona.

De saco na mão (com um bolo? com livros? com roupa?) lá foi, sozinho, à prisão, ver o pai. As visitas da sua rica casa, os amigos dos tempos de deputado, de política, os correligionários do PSD, ninguém o visitou. Se alguém lhes perguntar por ele, dirão que nem sabem bem quem é, não se lembrarão da última vez que o viram há tanto tempo isso foi. Passou a ser um cão rafeiro, um cão com pulgas. Apenas o filho não o abandonou.


Como abutres os jornalistas perseguem-no, encostam-se a ele, querem ver lágrimas, querem ver sangue, quase o encostam (literalmente) à parede e o jovem, em silêncio, lá volta da visita, o mesmo saco na mão, óculos escuros para que não lhe vejam os olhos.

E eu sinto que ninguém respeita o seu sofrimento. Custa-me ver estas imagens. Custa-me pensar que este rapaz, que não terá mais que vinte e tal anos e que se fez homem a ser o suporte do pai, nestas estranhas e aterradoras circunstâncias, continua a arcar sozinho com os males do seu pai.


8 comentários:

packard disse...

Embora todo o assunto e motivação seja de natureza distinta, este caso Duarte Lima lembra-me pelo escândalo público um outro, o de Vieira de Castro no século xix, e q originou pelo menos dois títulos, A Tragédia da Rua das Flores, do Eça, e, mais recentemente, Glória, do Vasco Pulido Valente.

Maria disse...

Um jeito manso:
Bom e verdadeiro texto. Fiquei atónito, porque vi que, mais alguém pensa como eu.
Tive uma pena imensa do Duarte Lima e do filho, quando esteve doente. Senti uma simpatia e uma grande admiração enorme, por um homem que lutou com a morte sem medo. Cheguei a comover-me.
Quando rebentou o escândalo do Brasil, quase me neguei a acreditar.
Depois, aos poucos, a dúvida instalou-se. No entanto, o pouco que sei de leis, ensinou-me que: "Todos são inocentes, até se fazer prova de culpa". Está preso cá, será julgado, será feita justiça ou, não. Quanto ao caso Rosalina, continua tudo muito mal contado, quanto a mim. Já disse o que (não) penso do pai.
O filho, voltou a comover-me no domingo. Foi atacado pelos abutres, de uma forma vergonhosa. Ele só tinha ido visitar o pai, levar-lhe o seu amor de filho. Mas tinham que o massacrar, moer com perguntas, apalpá-lo, espremê-lo. Isto é liberdade ou abuso? Que ele também seja culpado, pode ser mas, não deixou de ser filho do pai que ele acompanhou em todos os momentos bons e maus.
É isto, amiga. Aqueles que ontem lhe faziam vénias e davam palmadinhas nas costas, hoje não o conhecem.
Sempre foi e será assim.
Obrigada por ter dito aquilo que penso. É bom ver que ainda há pessoas com sensibilidade.
Abraço grande
Maria

Luisa disse...

Bom dia, Um Jeito Manso!
Este seu post lembra-me o meu de há uns dias, quando questionava para os meus botões, a monstruosidade desta cena. Lembro-me perfeitamente da figura deste menino de sardas junto do pai, sem mãe por perto...
É impressionante!
Sabe outra coisa que me arrepia? Duarte Lima tocar órgão de tubos, toca Bach o homem!

Tété disse...

E cada dia que passa encontramos mais casos de ambição desmedida e de falta de escrúpulos que não deixam o ou os intervenientes parar, tal é a fúria dessa mesma ambição.
Por dever, obrigação, ou juntando a estas, por amor, assistimos a um espartilhar de um filho que não pediu para nascer deste pai, mas foi com ele que cresceu e se fez homem.
"Pobre" rapaz. A pobreza da sua vida está no fogo para o qual foi lançado sem ter contribuído para tal.
Como estará a sua mente ao pensar como irão ser resolvidos todos os problemas? Só de pensar nele, acabo a pensar no meu.
Grande beijinho e obrigada pelos piropos lá no meu cantinho, para os quais já manifestei os meus agradecimentos.
Teresa

Um Jeito Manso disse...

Packard,

Pois, tem razão, não tinha pensado nisso. Ascensão e queda de um homem ambicioso. Ou o sentimento da invencibilidade levado ao delírio.

Mas não sabemos se tudo é verdade...

Seja como for, do que se sabe de fonte segura, a associação de ideias parece ser bastante adequado.

Um Jeito Manso disse...

Pois é, Maria, é iso mesmo. Toda esta história é exemplar do que de pior há na natureza humana. No oportunismo, na ambição, na ingratidão, na lealdadde incondicional do filho - tudo é aqui levado ao extremo.

E tenho pena do rapaz. É certo que já tem idade de pensar pela sua própria cabeça. Só que cresceu ao lado do pai, provavelmente habituando-se a achar natural todos aqueles esquemas. Não sei. Sei é que me custa ver o rapaz, antes habituado a tudo ter e agora a ir com o saco na mão a ver o pai preso, a ser a única visita, e perseguido, sem dó nem piedade, pela comunicação social. Coitado. Nenhum filho merece passar por situações destas.

Um Jeito Manso disse...

Pois foi, Luísa, li esse seu texto em que se questionava como foi ele meter o filho nisto.

A mim, até mais que isso, penso no que este pobre rapazito tem passado, desde o susto da leucemia do pai, agora a isto, a ter o pai preso por um monte de crimes cá, e acusado de homícídio no Brasil. E na lealdade dele, sempre ali presente ao lado do pai. E ninguém para o acompanhar. Achei uma coisa tremendamente triste e custou-me ver a insensibilidade dos jornalistas.

Quanto ao Duarte Lima tocar piano, pois, custa também a encaixar. Provavelmente com a mesma meticulidade que punha nas engenharias financeiras e na urdidura de teias, se punha a ensaiar, a praticar. Ou então precisava de lavar a alma. Sabemos lá... tudo isto é demasiado estranho.

Um Jeito Manso disse...

Teresa-Teté,

Para quem tem filhos rapazes e pensa neles com cuidados e carinhos, ver um jovem ali, sem alguém que lhe dê a mão, a ter que avançar sozinho na rua, com as televisões atrás e colados a ele, custa ver.

E tem razão: que dúvidas e preocupações não terá este rapaz, a ver toda a vida a desfazer-se, a ver toda a gente a afastar-se deles? Deve ser uma solidão e um medo enorme. Sem saber nada dele, só do que se ouve e vê na comunicação social, dá-me pena, coitado.

PS: Não a conheci há 30 anos mas, do que vejo na fotografia, há uma alegria e jovialidade que a faz parecer uma 'moça' nova. Que goze bem a vida que tem pela frente, que a goze com o prazer da descoberta como se fosse ainda uma adolescente. Não há nada melhor.