É um facto que em Portugal, desde tempos remotos, há a mania dos bacharéis e doutores, mestres, doutorandos e quejandos e, mesmo quem o não é, se ocupa um lugar de algum destaque nas organizações, acaba por se acostumar a um título a que não tem academicamente direito.
Doutor: um burro carregado de livros? |
Por exemplo, ao longo dos anos, tenho assistido a que, se uma pessoa ocupa um cargo de administração ou direcção, é normal que gente de fora, consultores, fornecedores, etc, o tratem imediatamente por Sr. Doutor e, se a pessoa, por não ter nenhuma habilitação dita superior, esclarecer que não é doutor, logo alguém se apressa solícito, ‘Engenheiro?’ – e, ao fim de muitas correcções, a pessoa acaba por deixar ficar o doutor só para não ter que passar uma milionésima vez pela mesma conversa. Compreensível, até.
[Um colega meu, na brincadeira, tratava por doutora uma jovem toda giraça (mas não especialmente inteligente) que era engenheira e, quando ela o corrigia, ele invariavelmente emendava com ar compenetrado, ‘Desculpe, tem razão. Enfermeira, não é?’]
A mim tratam-me muitas vezes por doutora apesar de eu não ser doutorada mas, desde a altura em que comecei a dar aulas - menina e moça apenas com o 3º ano de universidade, que correspondia ao bacharelato, para meu espanto, comecei a ouvir os contínuos (profissão que presumo que agora tenha outro nome) tratarem-me por SôTôra e, quando lhes explicava que ainda não era licenciada, diziam que isso não interessava porque os alunos, independentemente da habilitação, me tratariam sempre por S'Tôra - que me habituei ao título.
E, embora não seja elitista e picuinhas (enfim… digo eu…), devo confessar que há uma coisa que me incomoda.
Com uma certa regularidade, tenho reuniões com pessoas de outras empresas e, se há coisa que me deixa com uma imediata alergia, é quando jovens executivos que não conheço de lado nenhum - com aquele ar eficiente de quem chegou, viu e venceu apesar de ainda cheirarem a Dodot’s - começam, com a maior das familiaridades, a tratar-me apenas pelo meu nome próprio (a alergia é a mesma quando não se trata de gaiatos armados em gurus da consultoria mas sim de cavalheiros da minha idade – só que familiaridades instantâneas não são tão frequentes com gente feita).
Chamem-me antiquada, acusem-me de guardar uma grande distância, digam o que quiserem mas, por favor, pelo amor da santa, se não me conhecem de lado nenhum, não me tratem como se tivessem andado comigo na escola!
Eu, pelo meu lado, também não consigo tratar por tu ou apenas pelo nome próprio, pessoas que não sejam meus amigos pessoais ou então se esse não foi, ab initio, o tratamento usado. Se engreno numa de apelido ou Dr. é quase impossível inverter a situação.
Mas, atenção, não sou só eu...
*
Por isso, ao ouvir o jovem e bem intencionado Álvaro a dizer aos jornalistas para o tratarem apenas pelo nome próprio, fico céptica de que a coisa pegue.
O putativo coach de toda a classe política, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, já ontem, na TVI, lhe deu uma ensaboadela com aquela blague do motorista, 'Ó Álvaro, vamos para o ministério ou paramos para beber um café?'.
Alvarito já te tenho dito/que não é bonito/ andares-me a enganar/ Chora agora Alvarito, chora/ que me vou embora pr'a não mais voltar |
E, a seguir a esta ensaboadela inicial, seguir-se-ão lavagens mais a sério, quiçá valentes centrifugações.
Hoje Carvalho da Silva já foi pedir o aumento do salário mínimo, os da construção civil, a propósito do túnel do Marão ter parado porque a Somague está sem dinheiro, também já pediram para falar com ele, os do Estaleiro de Viana do Castelo e os responsáveis autárquicos, ainda ele não tinha chegado ao gabinete, já o estavam a interpelar para resolver o grave problema de trezentas e tal pessoas a irem para o desemprego. E a procissão - uns a pedir pelo Trabalho, outros pela Economia, outros pelos Transportes, outros pelas Comunicações, outros pelas Obras Públicas – vai ser constante, uma peregrinação permanente.
Por isso, vamos ver durante quanto tempo o sorridente Álvaro vai incentivar as intimidades concertadas que, inocentemente, agora ainda pretende estimular.
Vamos ver se daqui a pouco tempo não está é, de semblante carregado, a exigir que o tratem por Ministro Santos Pereira, com respeitinho.
[Declaração de interesses: É meu desejo que ele consiga fazer um bom lugar como ministro, seria bom para ele e, sobretudo, para o País.
Mas, por estas bandas, o tratamento informal não está banalizado como no Canadá ou noutros países.
É uma questão cultural, Caro Álvaro.]
PS: Se me permitem a sugestão, sigam para o post abaixo para lerem um post de um leitor meu sobre o 'Estranho Caso do Deputado Rui Tavares, tema que tanto mobiliza a blogosfera e a, portanto, a comunicação social.
PS: Se me permitem a sugestão, sigam para o post abaixo para lerem um post de um leitor meu sobre o 'Estranho Caso do Deputado Rui Tavares, tema que tanto mobiliza a blogosfera e a, portanto, a comunicação social.
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