Há alguns anos, por inacreditável que possa parecer, as pessoas conseguiam viver sem telemóveis. Hoje custa-me perceber como, mas eu sou dessa era pré-histórica e confirmo, perante mim própria, que assim eram esses tempos.
No entanto, às vezes teriam dado muito jeito.
Sobre o casamento real e sobre Westminster, lembrei-me de uma dessas vezes, nessa era.
Eu estava com duas outras pessoas em Londres, no Cumberland Hotel, em Oxford Street (um àparte: de manhã, quando passei pela imensa entrada do hotel pensei que tinha chegado ao céu: vi-me rodeada de marinheiros lindos, ainda por cima a falarem italiano... A armada italiana estava por lá).
No último dia, dividimo-nos e combinámos encontrar-nos em Westminster para visitar a igreja e, depois, voltarmos ao hotel para buscar as coisas e irmos para o aeroporto.
Eu, que tinha vários planos, acabei por deixar esgotar o tempo apenas nas compras, roupas e roupinhas sobretudo (acho que, por exemplo, a Mothercare ainda não tinha chegado cá). Inclusivamente, creio que no Selfridges, encontrei uma feira de artesanato afegão que me fez perder a cabeça. Tenho uma certa dificuldade em resistir às verdadeiras tentações e, sem pensar, comprei um pequeno tapete bordado e uma grande carpete de lã prensada e bordada.
Aqui está a minha bela carpete afegã: frágil e tratada com muito cuidado |
Pois, carregada que já estava antes, quando dobraram o tapete e a carpete e os colocaram em sacos, percebi que mal conseguia dar passo... e o tempo escasseava.
Percebi também que, com aquele carrego, não conseguia deslocar-me até Westminster e, assim, lá me arrastei até o hotel, que era no início da rua, para deixar os sacos e, cansada, a correr, lá fui para o metro que me pareceu ser o meio mais rápido de lá chegar.
Se houvesse telemóveis, teria ligado aos meus amigos a dizer que não tinha tempo de me encontrar com eles em Westminster, que viessem para o hotel. Assim, não tive outro remédio senão ir.
Desci, se a memória me não falha em Charing Cross, já atrasada e enervada, e lá fui a correr. Passei pelo Big Ben e, às tantas, estranhei a distância, tinha ideia que era mais perto e, então, lembrei-me de perguntar a uma pessoa, que por ali passava, se Westminster era longe. A pessoa perguntou-me :"Que Westminster?". Respondi, "The church". A pessoa riu: "There are two, Westminster Abbey and Westminster Cathedral". Claro. Como é que não me tinha lembrado disso? Fiquei para morrer.
Já atrasadíssima, já só a pensar que, por minha causa, íamos os três perder o avião, sem ter como os contactar, sem saber onde estavam, com receio que, às tantas se fossem embora, já só me apetecia chorar. 'The nearest', lá respondi, ao calhas. Pensei que ia à procura na primeira e, se não os visse, ainda tinha que ir para a segunda.
Lá parti a correr, num sufoco. Quando me aproximei do grande relvado, uma fila enorme de gente para entrar e eu a pensar, numa aflição: 'Como é que os vou descobrir, nesta barafunda? Valha-me Deus, que é que eu fui fazer, atrasar-me desta maneira, não esclarecer bem onde era o ponto de encontro? E agora, que é que eu faço, valha-me Deus...?!'.
Mas Deus valeu-me e eu ouvi chamar por mim. Felizmente era mesmo ali que estavam e foram eles que me descobriram. De longe, apontavam para o relógio e perguntavam o que tinha acontecido.
Claro que não conseguimos visitar coisa nenhuma, lá fomos à pressa, de taxi, para o hotel. Quando chegámos, eles nem queriam acreditar: ao pé da minha mala, sacos e mais sacos e mais sacos, e um deles enorme, com uma carpete. 'Mulheres!', disseram. Foi uma correria louca até ao aeroporto, uns nervos mas, embora à tangente, lá conseguimos. E foi uma mão-de-obra desgraçada para conseguir transportar aquilo tudo... E, quando cheguei a casa a parecer o preto da casa africana, a surpresa não foi menor, 'Que maluquice, até uma carpete'.
Na 6ª feira, ao ouvir os relatos do casamento de William e Kate, sempre que ouvia que se estavam a casar em Westminster, eu dizia cá para mim, 'Westminster Abbey, nada de confusões, porque também há a Westminster Cathedral'.
E a minha frágil carpete afegã ainda dura, com mil cuidados, já foi forrada por trás para ficar mais resistente, com a lã prensada cosida por dentro em algumas partes que teimam em abrir.
Algures, há muito tempo, nas montanhas do Afeganistão, alguém desfiou e prensou lã de cabra, bordou e fez um tapete que depois foi para Inglaterra, para ser comprado por uma portuguesa que, muitos anos depois, aqui a mostra. As voltas que o mundo dá.
Catherine Elizabeth e William of Wales, futuros reis de Inglaterra, casando-se em Westminster Abbey |
6 comentários:
o cumberland... os elevadores já anunciavam o "going up, going down"?
Ah, também conhece? Um hotel que deve ter uma população maior que grande parte dos municípios portugueses...?
ter uma estação de metro é catita. e gosto do sítio e dos pequenos-almoços.
Que engraçado! Ao ler hoje este post, várias memórias me acudiram. A primeira remonta aos tempos do IRA tristemente activo em Londres. O Cumberland que refere (agora pertence à cadeia Thistle) tinha, como se lembrará, na montra da esquina de Oxford St. com Old Quebec St., um enorme aquário com lagostas, lavagantes e outros animais do género. Eu costumava ficar no Mount Royal (agora também da Thistle), que ocupa o gaveto seguinte, quem vem de Marble Arch. Sempre que eu atravessava a rua, achava giro parar e observar a vida e o movimento daqueles bichinhos que prefiro ver na água a tê-los no meu prato! E tantas vezes os olhei que acho que, alguns, já eram old acquaintances. Uma noite, já passava da 1 manhã, estava no meu quarto do Mount Royal, no 5º andar, ainda a ler, quando de repente, um PUMMMM nos estremeceu e, mesmo sem ter ido à tropa, percebi claramente tratar-se de uma bomba. Seguiram-se, claro, instruções imediatas para evacuação do Hotel com apelo 'don't panic'!, pouco convincente. Lá desci pela escada, com dezenas de hóspedes, tão rápida e serena quanto consegui. Cá fora informaram-nos de que a bomba tinha sido colocada em Old Quebec St., debaixo de uns sacos do lixo do Cumberland, e que havia ameaça telefónica de nova bomba e, essa, dentro do nosso hotel. Chegavam várias brigadas de minas e armadilhas, e o barulho dos 'tinonis' durou a noite inteira. Não fora a natural preocupação em que estávamos, temendo mais um ataque cobarde, e a situação até seria divertida. É que, de facto, centenas de hóspedes dos 2 hotéis, oriundos de dezenas de países, vestidos das maneiras mais estranhas - todos em trajo de dormir, sem tempo para pôr o roupão - ali estávamos, emanados de um comum sentimento de medo, mas em franco convívio, nos passeios de Oxford St.. Era Agosto e lembro-me bem de umas criaturas masculinas do médio oriente, que usavam camisas de noite compridas e umas touquinhas na cabeça… Ficavam tão giros, e eram todos parecidos com o Doutor Givago, bigode incluído. E não aconteceu mais nada, excepto que, de manhã, tive a triste surpresa de ver que o Cumberland, assim como o Mt Royal, tinham o 1º piso e o piso térreo bastante danificados e que, as várias lagostas minhas conhecidas, jaziam inertes pelo passeios, à mistura com destroços de vidros, ferragens e fatos XXXL, que tinham voado da loja que ocupava a outra esquina e que se chamava, salvo erro, 'High and Mighty'. Fiquei ainda mais indignada pela cobardia de mais uma bomba depois de ver aquele cenário triste de destruição do Cumberland, do Mount Royal e das minhas pobres lagostas...
A outra memória que este seu post me trouxe, tem a ver com a loucura de querer trazer (e trazer mesmo!) as coisas com que nos identificamos quando estamos fora. Uma vez, numa das minhas viagens ao leste, não trouxe um urso de peluche castanho, de que gostei, e que vi à venda numa farmácia de Belgrado. E não o comprei sob o argumento de que era muito grande e mais não sei quê, blá, blá,blá, e lá ficou ele na montra a olhar para mim. A guerra na ex Jugoslávia rebentou uns meses depois. Em casa, com a minha família, vivemos momentos tristes ao vermos totalmente destruídos vários hóteis onde tínhamos ficado. Imaginávamos o sofrimento de pessoas anónimas com quem tínhamos interagido na rua e alguns dos quais, provavelmente, viram as suas casas destruídas. Tudo aquilo nos doía tanto, que oferecemos o nosso ‘heaven’ para acolher refugiados… Por ridículo que pareça, aquele ursinho que eu não trouxe e que, pela zona da cidade em que estava, de certeza foi destruído pela guerra, nunca mais o esqueci… A partir daí, aprendi que tudo o que visse lá fora de que gostasse, deveria, se pudesse, comprar. E, por isso, mais tarde,vi-me a percorrer parte da China, transportando durante um mês, na mochila, um bule de porcelana, que me apaixonou num antiquário em Macau, e que mede bem à vontade um palmo de diâmetro por dois palmos de altura. Foi prático? Não. Foi incómodo? Uff, se foi… A minha família achava que eu era louca? Sim, claro. Mas vi-o e apaixonei-me. Comprei-o logo e pensei: despachá-lo na mala é um risco enorme. Como sempre levo na mochila (para evitar extravio) um teddy (meu eterno companheiro de viagens, de tamanho equivalente ao do bule), aconcheguei-os, e eles lá se protegeram mutuamente. Cada noite, quando chegava ao quarto nos hotéis, tirava-os a ambos: o ursinho ia para a minha almofada e o bule ficava a olhar para mim e deliciava-me por antecipação, com os chás com que entretanto já me regalei. Ah… outra coisa que trouxe da China: uma vontade louca de aprender mandarim, pois sou demasiado curiosa e interactiva para estar num país e não perceber nada do que vejo escrito, do que as pessoas dizem, etc. E, num impulso igual ao que lá me fez comprar o meu querido e muito incómodo bule, logo que cá cheguei matriculei-me na Faculdade de Letras, no curso de mandarim. E em boa hora o fiz, porque o mandarim, pela filosofia milenar que tem subjacente, tornou-se numa experiência muitíssimo enriquecedora: às vezes faço bem em não moderar os meus impulsos de sagitariana…
Magnólia, que contente fiquei por a ver por aqui.
Engraçado o que conta. Engraçada a cena das lagostas e o convívio nocturno.
Estive em Barcelona num dia em que rebentou uma bomba e foi um alarido, um susto. E também estive em França numa altura em que se temiam atentados, em que se evitava Paris.
Outra vez, fomos a Paris numa altura de greve da TAP (ou de controladores, não me lembro, sei que não havia aviões) e fomos de comboio, o que adorei. Mas com a minha dificuldade em deixar para trás aquilo de que gosto, comprei também um bule, muito engraçado (um dia destes fotografo-o) e uns copinhos de vidro muito bonitos e depois foi um caso sário transportar peças tão frágeis (e tínhamos que mudar de comboio na fronteira de França com Espanha) e foi aquela 'zaragata' do costume por causa das tralhas que eu sempre trago. Engraçado também a sua disponibilidade para acolher pessoas com o país a ferro e fogo: é preciso alguma coragem para o fazer.
Quanto ao mandarim também é preciso coragem, deve ser dificílimo...
Eu a última coisa que andei a aprender foi mais fácil que mandarim mas não imagina o gozo que me deu - grafologia. Agora estou sempre a deitar o olho para a escrita de toda a gente. É infalível.
Apareça sempre.
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