Na primeira fotografia que escolhi, tirada no final da semana passada, sob um manto sombrio, o céu desanuvia para iluminar Lisboa, a bela, a capital do nosso império (império que encolheu ao ponto de termos que pedir lá fora que nos venham ajudar a pôr as contas em ordem).
Desde os tempos do Mostrengo, já perdemos tanta coisa. Mas, sobretudo, perdemos exigência. Deixámos que os melhores se fossem afastando. Por todo o lado, temos à frente de quase tudo gente impreparada (por exemplo, no País, os gestores têm, em média, menos habilitações académicas que os empregados), e à frente dos partidos temos pessoas nas quais muitos de nós não se revêem.
Temos, felizmente e graças a 25 de Abril, democracia e podemos exercer o nosso direito de escolha. Mas como escolher entre tão fracas figuras?
Cavaco Silva hoje apareceu, no Palácio de Belém, nas Comemorações do 25 de Abril, com três dos seus antecessores e a ideia só pode ser louvada. Foram vozes lúcidas e preocupadas as que ouvimos. Confesso que os olhei com emoção, quatro homens, alguns com uma idade solene, caminhando lado a lado, com preocupação: Sampaio, Eanes, Soares com Cavaco.
Cavaco Silva fez um bom discurso. Mas há a memória. E razão teve quem, ao meu lado, comentou: "Era isto que deveria ter dito quando tomou posse."
E custa não referir que é difícil abstrairmo-nos do discurso inflamado de tomada de posse, há pouco mais de 1 mês, em que tirou o tapete ao Governo, incitando à indignação os jovens e os lesados pelas medidas de correcção dos PECs, num acto de inqualificável hipocrisia política.
Muita duplicidade para podermos achar que hoje estava a ser sincero. Eu, sobretudo, vi mais aflição (pela batata quente que lhe rebentou nas mãos) do que genuína sinceridade.
Mas, enfim, é o que temos. Na Presidência e nos partidos, é o que temos.
Seria bom se, em 5 de Junho, nas próximas eleições, pudessemos escolher gente competente para nos governar em vez de termos de escolher entre o que sobrou.
Não sei como mas acho que temos que nos tornar exigentes: há um país que não pode ser deixado a morrer porque abdicamos, sistematicamente abdicamos.
Lisboa, a Bela, à espera: tão magnífica cidade tem, forçosamente, que ser tratada com dignidade |
O mostrengo que está no fim do mar
veio das trevas a procurar
a madrugada do novo dia,
do novo dia sem acabar;
e disse: «Quem é que dorme a lembrar
que desvendou o Segundo Mundo,
nem o Terceiro quer desvendar?»
E o som na treva de ele a rodar
faz mau o sono, triste o sonhar,
rodou e foi-se o mostrengo servo
que seu senhor veio aqui buscar.
Que veio aqui seu senhor chamar –
chamar aquele que está dormindo
e foi outrora Senhor do Mar."
('Antemanhã' de Fernando Pessoa in Mensagem)
Pela oportunidade, transcrevo a interpretação de Auxília Ramos e Zaida Braga na bela edição da Centro Atlântico:
"Neste poema o monstro, já completamente submisso, não entende a passividade do seu senhor que nada mais faz que 'lembrar/ que desvendou o Segundo Mundo/ nem o Terceiro quer desvendar?'
A imagem do mostrengo que tenta acordar aquele que 'foi outrora Senhor do Mar' simboliza a revolta daqueles que se recusam a aceitar o desencanto do presente e que acreditam que é possível recuperar, embora de modo diverso, a grandeza do passado, através do desvendar do Terceiro Mundo, ou seja, do Quinto Império".
In heaven um arco-íris rasga - e ilumina - um céu sombrio |
Neste 25 de Abril de 2011 o que eu chamo é a esperança, a revolta, a exigência, a visão, a determinação.
A democracia faz mais sentido quando podemos exercê-la na sua plenitude e em liberdade, confiando na qualidade de quem nos representa.
A democracia faz mais sentido quando podemos exercê-la na sua plenitude e em liberdade, confiando na qualidade de quem nos representa.
1 comentário:
mesmo em tempos de "império" estendemos à mão à caridade, pelo menos em duas crises financeiros do último quartel do xix. agora cavaco só aparece suave depois do trambolhão nos indíces de popularidade. somos o país q somos, os políticos são a visão ao espelho do mesmo. a malta não gosta do q vê, pois não gosta. mas não lhe pode alterar a fealdade do facies. (e para começar lá se vai o 13º mês. haja saúde!).
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