Quantas vezes a mãe de Renato terá visto séries de TV passadas nos tribunais americanos, o réu entrando algemado, rodeado de guardas prisionais, depondo perante o Grand Jury? Quantas vezes, sentada na sua sala, tranquilamente, terá visto na televisão advogados planeando estratégias de defesa contra procuradores contundentes?
Nos seus sonhos para o seu filho, a mãe de Renato imaginou-o certamente a ter um bom futuro como a sua vida augurava: bom filho, bom menino, bom aluno, licenciado aos 21 anos, atleta universitário, depois finalista num programa na televisão, de repente conhecendo uma das mais conhecidas figuras do 'jetset' português, cronista social, organizador de eventos de moda. Ela própria costumava levar o filho ao seu encontro (ele ainda não tinha carta de condução), provavelmente imaginando que o estava a ajudar a singrar na carreira.
Nunca, nem nos seus piores pesadelos, deve ter imaginado que um dia esse seu menino bonito iria estar dentro do cenário das séries de televisão que contam histórias de brutais assassínios, nunca, mas nunca deve ter imaginado que o seu menino se iria tornar o personagem principal de um filme de terror.
Quantas vezes terá também Renato visto na televisão, nas séries americanas, os prisioneiros a chegarem nas carrinhas blindadas, quantas vezes terá brincado aos maus e aos bons, aos polícias e ladrões? Em que lado gostaria ele de brincar?
Menino da catequese, acólito na igreja em Cantanhede, Renato Seabra aparece-nos agora nas televisões, cabelo crescido, com a farda de prisioneiro, algemado, rodeado de polícias. Ele hoje é o mau, o assassino, o criminoso para quem a temível procuradora exige prisão perpétua.
Com fato de treino e blusão da prisão, algemado, no tribunal |
Apático, rosto sombrio e inexpressivo, o bonito futuro modelo que um dia partiu à procura de um sonho, que sonhou ser famoso, aparece agora nas televisões de todo o mundo. É famoso, sem dúvida, e ninguém fica indiferente a esta história que tem todos os ingredientes para ser um êxito de bilheteira. Renato é agora o jovem amante de um gay de 65 anos a quem assassinou de forma inusitadamente brutal.
Renato Seabra no Supremo Tribunal de Manhattan |
Sem a família, sem os amigos, com um advogado americano, típico advogado americano das séries de TV, com um tradutor, rodeado de polícias, Renato parece ter caído por acaso no meio de uma filmagem da qual não faz parte.
Com que angústia verá a mãe este rosto triste, de quem se sente perdido no meio de um pesadelo?
Nestes últimos tempos, quantas vezes não terá ela percorrido a sua própria história tentando descobrir em que falhou, tentando perceber, nas anteriores reacções do filho, se já se esconderia dentro dele o criminoso em que se iria mais tarde transformar? Quantas vezes não se arrependeu dos seus próprios actos, culpabilizando-se pelo acto bárbaro do filho? Porque uma mãe é mãe toda a vida em todas as circunstâncias e sempre pensa que está nas suas mãos proteger, amparar os filhos.
Vendendo património para fazer face à enormidade das despesas, Odília não pode estar presente nestes momentos difíceis da vida do seu filho, tal como não pode acudir quando ele lhe ligou antes do crime pedindo ajuda. Tal como nós, é pela televisão que ela vê o seu menino.
Perante o grande júri declarou-se inocente, num murmúrio, not guilty, relativamente à acusação de ter havido intenção de matar. Neste momento, faz o que o advogado considerar a melhor estratégia de defesa.
Na confissão lida em tribunal, Renato descreve com detalhe a tresloucada sequência dos acontecimentos que levaram ao assassinato de Carlos Castro e à sua desfiguração e castração. Desconcertantemente, a seguir, sujo de sangue, toma banho, muda de roupa e sai.
Olhe-se para o rosto deste miúdo que ouve a acusação. Parece uma pessoa calma, como todos os amigos o descrevem. E é isso que ainda mais nos perturba. Não é como o Rei Ghob ou outras figuras preversas que parecem trazer o crime impresso na expressão. Não, olhamos para Renato Seabra e é um rapazito que vemos, um jovem inexperiente e sem maldade.
Saíu cabisbaixo tal como entrou e, na imagem seguinte, o que vemos é a carrinha prisional que se afasta pelas ruas de Manhattan. Lá dentro vai o rapaz português que se desencontrou do seu sonho.
Carrinha celular em NY com Renato Seabra |
Voltou para o Bellevue Hospital, onde se encontra preso e sob vigilância psiquiátrica. Vejo essa imagem e penso, uma vez mais, na sua mãe. Longe, num sítio em que as ruas estão cheias de neve, preso, sozinho, correndo o risco de ficar preso o resto da vida (ou grande parte da sua vida), está o seu menino, o menino cujo sonho ela própria incentivou.
Bellevue Hospital, EUA |
Enquanto isto, por cá preparam-se mais umas cerimónias fúnebres, depositando o resto das cinzas de Carlos Castro num cemitério: acaba assim aquele que, no seu último dia, se disse mais apaixonado do que nunca, que tinha feito feliz uma pessoa como nunca antes, que gostava de morrer agarrado à recordação do grande amor que estava a viver. Paixão ingénua? Insana ilusão?
Não sabemos.
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