quinta-feira, dezembro 30, 2010

"Tou aqui a limpá ito" - coisas no NJ



Ontem fui visitar o NJ que está em casa a recuperar de uma maleita infantil. Fechado em casa há alguns dias, já está naturalmente impaciente, impertinente.

Estava de joelhos a brincar com os carros que recebeu pelo Natal mesmo encostado à televisão que estava ligada.

Disse-lhe para se afastar. Não quis, “Não!”, ar de mandão, zangado.

Disse-lhe outra vez para sair, expliquei que fazia mal. “Não!”, mais zangado ainda.

Disse-lhe “Então apagamos a televisão”. “Não!”, já a engrossar a voz, voz de mau.

Levantei-me do sofá e fui tirá-lo dali. Esgueirou-se. Apaguei a televisão. Todo zangado, levantou-se e, desobediente, acendeu a televisão. Zanguei-me já mais a sério, “Isso não se faz! Ai, ai!”.

Quando eu ia para apagar, deu-lhe um ginete e, num gesto inédito, levantou a mão. Apaguei a televisão e zanguei-me mesmo zangada e disse, “Que é isso?! Isso não! Levas um tautau!”. E mostrei-lhe a minha mão ameaçadora.

Nunca me tinha visto zangada, ficou sentido. Ficou sobretudo revoltado por eu ter levado a melhor. Levantou-se todo bravo e, a chorar, foi para o sofá ter com a mãe. A mãe deu-me razão. Ainda mais furioso ficou. Então, num repente, levantou-se, com ar furibundo e de dedo espetado, decidido e desafiador, atavessou num ápice a sala dirigiu-se à televisão para a ligar.

Quando o vi fazer isso, instintivamente, dei-lhe um grito, gritei-lhe pelo nome. E, alto e zangada, perguntei-lhe ”O que é que estás a fazer?!”.

Foi de tal ordem o meu grito que estacou, como que assustado e, acto contínuo, no mesmo instante, virou-se para mim e com o ar mais bem comportado do mundo, respondeu-me “Tou aqui a limpá ito…”, enquanto com a mãozinha limpava o botão da televisão, ar angélico.

Deve ter sido a primeira mentira que disse e, ainda por cima, com ar cândido e natural. Pouco mais é que um bebé pois ainda nem dois anos e meio tem. Começa cedo. E leva jeito…

No entanto, outra coisa me surpreendeu: simultâneo ao ar inocente e à voz de quem estava a fazer a coisa mais natural do mundo, um quase imperceptível sorriso, como se, sendo óbvia a mentira, olhasse com auto-ironia para a situação.

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