terça-feira, dezembro 07, 2010

Sócrates, Helena André, a legislação laboral e Geoge Clooney Nas Nuvens. Histórias da vida real.

Declaração: considero que, nas empresas e nas organizações em geral, de vez em quando, (porque a conjuntura se alterou, porque a estratégia do accionista se alterou, porque a operação se automatizou para se garantir a indispensável competitividade, por muitas e legítimas razões), é necessário reestruturar as actividades e essas reestruturações passam, por vezes, por reduzir pessoal.

A economia avança assim, umas vezes de forma evolutiva linear, outras vezes por disrupções. Quase desapareceram os telefones fixos e, em contrapartida, surgiu como um inesperado boom, o mercado dos telemóveis que começaram por ser apenas telefones portáteis para agora já serem o dispositivo que fotografa, de onde enviamos sms, onde acedemos à internet - e estou a falar dos básicos. Neste caso, a oferta tem gerado a procura e este desvio de mercado levou a que, do lado da telefonia fixa, houvesse que efectuar cortes profundos numa mão-de-obra pouco qualificada enquanto, na telefonia móvel, se emprega agora gente ligada às comunicações e informática, ao marketing, às finanças, ao planeamento. E é apenas um exemplo.

Reestruturar não é, pois, sinónimo de termos diabos à solta.

Os mecanismos existentes que mais frequentemente se usam nestas circunstâncias são o despedimento colectivo ou a negociação. Geralmente as empresas preferem o uso da negociação, embora lhes saia mais caro. Convém referir que, quando uma empresa se vai reestruturar porque se encontra em situação difícil, com dificuldade em pagar impostos, a fornecedores, vencimentos, nem sempre é fácil arranjar disponibilidade de tesouraria para fazer face ao valor elevado que é preciso pagar em indemnizações. Por vezes, alocar verba para indemnizações, pode fazer perigar a continuação da actividade da empresa.

Mas este processo da negociação é um processo perverso. Mesmo para quem está por dentro do processo, mesmo para quem está solidário com todo o processo por reconhecer que é isto para alguns ou pior que isto para todos, este processo é muito penoso. A começar por ter o ónus de escolher quem é que vai ser ‘convidado’ a sair. Eu própria já me senti em risco que ver a minha secretária virada do avesso sobre mim, quando num desses dolorosos processos, tive que escolher e convidar algumas pessoas. Um era um colaborador com quase 2 metros de altura e seguramente mais de 100kg que, sentado à minha frente, colocou as grandes mãos por baixo enquanto, encarnado e enraivecido, transtornado, me exigia ‘ Explique porquê eu.’. Ou uma colaboradora que chorou, relembrou a morte do filho e de como era importante aquele emprego por estar perto das filhas de quem não queria separar-se para ir trabalhar longe.

Muito penoso. Doloroso. Destroça-nos.

Mas reconhecemos como imprescindível e tentamos encarar isto com alguma frieza e, entre nós, arranjamos um léxico adequado à situação. Na pior altura que atravessei, lembro que fazíamos reuniões de ponto de situação em que, entre nós avaliávamos aquilo que designávamos, assepticamente, por ‘dinâmica de saída’.

Não tem conta de quantas pessoas me despedi, não tem conta a quantidade de homens que, em determinado período em que saiu muita gente, vi chorarem desamparados, não tem conta as depressões que arranjavam quando não queriam sair mas se viam sem trabalho, temendo que, se não aceitassem sair ‘a bem’ acabassem por sair numa ‘leva’ de despedimento colectivo, levando uma indemnização inferior.

Doloroso.

Há quem não se aguente, há quem vá para casa e não aguente a pressão, se divorcie, vá viver para um quarto, entre em depressão, adoeça, morra. E não estou a dramatizar.

É isto que se passa e, no entanto, na maior parte dos casos, não há como as empresas (e organizações em geral) não enveredarem por este caminho.

E, a todos, isto pode acontecer, a todos eu já vi isto acontecer: a porteiros, a pessoal administrativo, a comerciais, a doutores e engenheiros, directores, administradores.

E os tempos que se avizinham trarão, de novo, muitas situações destas. Não tenhamos dúvidas.

A única boa notícia é que há muitas pessoas que, depois de um abanão destes, acabam por se reencontrar, refazer a vida; a muitos encontramo-los, tempos depois, felizes, prósperos.

É um assunto assustador mas tenhamos, sobre o assunto, uma visão em landscape: é raro conseguir descobrir-se onde estão ‘os maus’. Não há. De uma forma ou de outra, em determinada altura, todos corremos o risco de sermos vítimas da evolução dos tempos.

Lembrei-me de incluir aqui este filme. Não é ficção. É comum, em determinadas empresas (quando a gestão não tem liderança ou força anímica suficientes), contratar empresas ou pessoas para efectuar a dita ‘negociação’. Ganham à comissão. E, mais uma vez, não tenhamos preconceitos. São contratados para fazer o papel mais odioso mas, também eles, não são ‘os maus’.

Vejamos George Clooney no filme Nas Nuvens.


Não é tema apropriado à véspera de um feriado mas ocorreu-me porque é sabido que a legislação laboral vai ser alterada (Sócrates confirmou-o hoje, como era esperado, e a  sofredora  ministra Helena André anda a tentar justificar-se de forma desajeitada - .... mas porque não falam abertamente?!) enquanto a Europa diz que pagamos bem demais as indemnizações.

Já referi que, de facto, às vezes a equação parace não ter solução. Não há verba para aguentar o quadro total de efectivos, não há verba para indemnizar. Por vezes as empresas têm que se humilhar pedindo às pobres pessoas que vão para o desemprego que aceitem receber a indemnização em prestações.

Humilhante mas sem alternativa.

Contudo, há um limiar abaixo do qual não se pode ir. Retirar o trabalho a  uma pessoa é retirar-lhe a dignidade, a segurança, a perspectiva de vida, é cercear-lhe a esperança. Por isso, ao menos que se compense dignamente com  verba necessária para que a pessoa possa garantir, durante algum tempo, algum nível de vida ou fazer face à subsistência quando o subsídio de desemprego se acabar. Para que o 'convite' não seja significado de sentença de morte.

4 comentários:

Madrigal disse...

Deus queira que um dia não chegue a tua vez...

Um Jeito Manso disse...

É verdade. Espero que esse dia não chegue porque é uma experiência avassaladora que não se deseja a ninguém. Mas não estou livre disso, eu sei. Ninguém pode dizer que está seguro. As circunstâncias estão muito adversas.

Tal como referi no texto, em empresas ou organizações sérias, é in extremis, que se recorre à redução de pessoal (e não se podem confundir organizações sérias com empresas como as que, de vez em quando, fazem coisas como escrever um papel no portão a avisar os 'empregados' de que estão de férias compulsivas, como hoje ouvi na TSF que voltou a acontecer numa empresa salvo erro na Guarda) mas, se isso acontecer, tem que haver legislação que permita tratar com dignidade as pessoas vítimas dessa infeliz circunstância.

Pelo tom do seu comentário, presumo que percebeu que eu acho muito bem, em abstracto, que se ponham pessoas na rua e que o que escrevi se resumia a isso. Terei que rever os textos com alguma atenção para que espelhem o que eu penso pois, pelos vistos, desta vez não fui muito explícita.

Aproveitei para visitar o seu Madrigal e gostei. Vou passar a visitar.

Madrigal disse...

As palavras são como as setas lançadas: uma vez escritas ou proferidas, não é possível voltar atrás.

Regresso à caixa de comentários para te dizer (tenho por hábito tratar por tu todos os blogueiros) que a frase que deixei escrita foi uma reacção "a quente", num momento de destempero emocional, ou impulso primário. De modo algum quis, até porque nem te conheço, insinuar que terias algum prazer perverso em desempregar alguém, ou contribuir para que tal acontecesse.

Disse, ou escrevi, aquilo que a vox populis diria. Portanto, agradeço que não pessoalizes em demasia o meu comentário, e peço perdão se as minhas palavras de algum modo te magoaram.

PS. Entretanto, continuo a ler-te, pois gosto da forma como escreves.

Um abraço

Jorge Rebelo

Um Jeito Manso disse...

Jorge, devo confessar que li o comentário e o achei, de facto, básico. Fui ver o seu blogue e ainda fiquei mais admirada pois a qualidade do que escreve não me pareceu compatível com a reacção primária que o comentário espelhava. Por isso admiti que o meu texto estivesse pouco explícito. E aproveito para salientar que, da minha experiência, de modo algum a legislação laboral é impeditiva de desenvolvimento económico. Quem diz isso não sabe do que está a falar.

Depois de ter respondido ao seu comentário, fui reler de novo o seu blogue e vi que é funcionário público (e tanto que eu tenho desancado nos funcionários públicos, ou melhor, nos sindicatos ligados aos funcionários públicos... é que vocês têm têm regalias e segurança que não existem fora da função pública - e isso custa um dinheiro que não há - e nunca param de reclamar...mas enfim, generalizaçõessão perigosas e eu não quero fazê-las).

Mas enfim, não se apoquente com o que escreveu. Destemperos e juízos precipitados acontecem.