quarta-feira, setembro 08, 2021

Homens e mulheres sem quecas.
[Mais um post no registo discos pedidos com um episódio IKEA pelo meio]

 



O dia foi quase tranquilo. O quase tem a ver exclusivamente com o facto de não sabermos estar sossegados. É o mal de se estar de férias num lugar em que há sempre coisas para fazer. Se estivesse num hotel não teria como pôr-me a experimentar cortinados ou a avaliar como melhor arrumar as toalhas turcas o móvel da casa de banho grande. Nem faria sentido ir comprar mais tinta para pintar móveis. Nem faria sentido andar de vassoura e pá de alumínio de cabo alto a varrer os caminhos em volta da casa. Estando num hotel, se uma pessoa se puser de perna estendida, não está a pensar que melhor faria se fosse fazer o que está mesmo a pedir para ser feito.


(Queriam...)

Mas, ok, vá lá...

Mas, fazendo as coisas sem pressa ou obrigação, não cansa nem enerva. Simplesmente não dormi a sesta, não li nem fiz nada do que supostamente deveria ter feito e de que tão precisada ando.

Mas, tirando esses domésticos afazeres, o dia foi calmo. Pior mesmo foi conseguir que os do ikea dessem com isto. Quase duas horas a andarem em volta, a afastarem-se, a retrocederem, a telefonarem, perdidos, desorientados. Quando os vi, percebi que devem ter aterrado ontem vindos do Brasil para serem postos ao volante de um camião pelas estradas de Portugal. 

Antes de aqui chegarem, pelo telefone, eu dizia ao que me ligava: 'Mas tem que me dizer onde está para eu poder ajudar'. E ele, aflito, 'Não conheço nada daqui, só diz igreja matriz'. E eu: 'Mas onde? Qual a localidade?' E ele 'Não sei, senhora, nunca vim antes por aqui'. Depois, ligava-me e dizia: 'Senhora, estou numa rua que diz Rua Direita'. E eu: 'Mas ruas direitas há muitas, vá andando até descobrir onde está'. Passado um bocado (e agora vou adaptar o nome mas mantendo o tipo de confusão): 'Senhora, passei num lugar que dizia Freguesia das Tubalas'. E eu: 'Tubalas? Tubalas...? Não será confusão...? Nunca ouvi falar.'. Ouvia-o a falar com outro. Depois: 'Vamos voltar atrás para ler melhor'. Passado um bocado: 'Freguesia das Tubalas'. E eu: 'Das Tubalas? Tem a certeza? Nunca ouvi falar. Não será das Tábulas?'. O outro dizia: 'Sim, sim, é isso: Tábulas'. E eu: 'Mas por onde vocês andam... Isso é longíssimo daqui... Prestem atenção. Subam por essa estrada em direcção à Estrada Nacional mas virem ao pé de uma fonte antes de chegarem à Nacional'. Passado um bocado, como não aparecessem nem dessem notícias: 'Mas por onde é que andam agora? Já passou tanto tempo.... 'Senhora, fizemos como a senhora disse, estamos na Estrada Nacional'. E eu: 'Oh não... Mas o que é que eu vos disse...?'

Escusado será dizer que o meu marido estava arreliado era comigo: 'Metes-te nisto não sei para quê'.

Mas tudo nisto foi de uma pessoa perder a cabeça. Quando finalmente chegaram e pararam perto da casa e quando abri o portão ao pé da casa para eles passarem com as coisas, para meu espanto vi-os a fazerem marcha atrás com a camioneta. O meu marido: 'Mas o que é que os gajos agora estão a fazer?' E eu: 'Sei lá. Ainda vão é deitar os muros abaixo'. Fui ter com eles e disse: 'Isto aqui é apertado para uma camioneta. Não é preciso pois vai ficar mais longe da porta do que se tivessem ficado onde estavam'. E um deles: 'Não senhora, assim é mais fácil'. Mentalmente disse: whatever. Tremi até que pararam o carro. Não deitaram nada abaixo mas não sei como.

Quando abriram as portas da camioneta aí, então, é que foi mesmo de uma pessoa perder a cabeça de vez: saltaram de lá dois gigantes bem encorpados, na verdade dois pedações de mau caminho, dois mulatos bem marrons, cabelo frisado crescendo em liberdade, cabeludos mesmo, brincos em cada orelha, uma coisa de a gente ficar à espera é que tirassem a tshirt e desatassem a fazer capoeira. Bonitos que só visto. Se tivesse que pontuar, ver-me-ia confrontada com a necessidade de ter que rebentar com a escala.

Mas não, foram comedidos, tiraram os pacotes (refiro-me aos que tinham transportado), tiraram fotografias aos pacotes, pediram um autógrafo e lá foram. 

Espectáculo.

Tirando isso, acho que nada de mais se passou digno de destaque.

No outro dia o meu filho disse que nós tínhamos que ver a Veep na HBO e instalou-nos a dita. Um dia depois, quando eu estava a falar nisso, o meu mais crescido corrigiu: 'Tenho que dizer uma coisa, Tá. Por favor não digas HBO (lido à portuguesa: Agá Bê Ó). Percebi. 'Eich Bi Ô (lido à inglesa)?'. Ele sorriu, compreensivo e confirmou: 'Isso, Tá'.

Começámos e vimos dois episódios. Mas ou ainda não chegámos ao ponto ou não sei. Demos um tempo que é coisa que parece que, por vezes, resulta. E, no entretanto, começámos a ver o White Lotus. Parecia uma coisa ligeirinha, comédia de verão, mesmo a calhar para a disposição estival em que pretendemos posicionar-se. Mas a coisa foi tomando contornos de coisa imprevisível, uma inquietação sempre latente, um desconcerto que não poderia acabar bem, uma música perfeita, um ambiente entre o wanna be e o que infelizmente é, uns personagens... tudo. Prendeu-nos. Fomos vendo. 

Ontem vimos uns, hoje despachámos o resto. Muito bom. Suspense com algum humor e com boa música à mistura. Recomendo. 

Mas, então, ao fim da noite, neste dolce far niente que se instalou entre o estado de dormência e o de continuar sem assunto, fui ver as estatísticas do dia. 

As visitas continuam a acontecer ao ritmo habitual, duas mil e tal visitas por dia, e as palavras colocadas nos motores de busca que trazem as pessoas até cá continuam a ter 'um jeito manso' ou 'blog um jeito manso' nos primeiros lugares. 

Mas em terceiro lugar, hoje uma novidade de monta: homens e mulheres sem quecas. Nem mais. Ganhei o dia com esta. Sem quecas. 

Pensei com os meus botões (que, por acaso, também não constam da minha indumentária de hoje -- e reparem na subtileza do também): mas quem procura isto, quererá ver homens e mulheres sem cuecas (tendo-se trocado na primeira letra) ou quererá mesmo ver virgens, abstinentes ou desinteressados, gente que não tenha umas quecas de vez em quando para animar a sua existência?

Uma pessoa quer servir bem os Leitores mas, sem esta desambiguação, como conhecer os seus mais íntimos desejos?

O melhor que posso fazer para tentar não desiludir completamente os pesquisadores dos sem-quecas é polvilhar o texto de imagens que talvez ilustrem o que se pretende. Caso não cumpram os requisitos, queiram lavrar protesto que tentarei esforçar-me um pouco mais a ver se, da próxima, não desiludo.

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E queiram, por favor, ter um belo dia, ok?

E, pelo menos em público, vamos lá a deixar estar as cuequinhas vestidas, está bem...?

terça-feira, setembro 07, 2021

Gustavo Santos e outros vazios que por aí proliferam.
O Vítor, a Ana, o Pedro e outros ausentes de que sinto saudades.
Os tempos que correm.

 


Há situações ou pessoas -- antes longínquas ou, mesmo, totalmente ignoradas --, que, em certos momentos, descobrimos e com quem passamos a sentir uma certa ligação. Por vezes, uma forte ligação.

Alguns são acontecimentos episódicos. Assim como aparecem e nos impressionam fortemente, assim desaparecem. E, apesar de nos terem marcado, sentimos que é melhor não forçar o rumo dos acontecimentos. Cruzámo-nos, afastámo-nos. Talvez um dia voltemos a cruzar-nos. E, se não, ficará a memória.

Por vezes, lembro-me de algumas dessas pessoas. Outras telefonam-me pelos meus anos ou pelo natal. Fico sempre espantada pois de ano para ano volto a esquecer-me delas e não faço ideia da data do seu aniversário. Gosto de pensar na vida como uma linha do tempo em que umas pessoas deixam de lá estar e em que entram novas. Tenho a sensação de que, se não me desligar de algumas, dificilmente terei disponibilidade para acolher pessoas novas. É coisa minha, que não sei explicar: prefiro conhecer pessoas do que manter um lastro de antigas e, por vezes, esgotadas amizades. E, no entanto, se calha encontrar algumas delas é como se tivesse estado com elas até à véspera. Ainda no outro dia me ligou uma amiga de há muitos anos e com quem não falava há que tempos. Pois bem, sem justificações para ausências, retomámos a conversa e ali estivemos que tempos, pondo a conversa em dia. Ou outra: foi promovida e lembrou-se de me ligar a contar, toda contente, dizendo-me que, mal soube, se lembrou logo de me contar por saber que eu ia ficar feliz por ela. E fiquei, de facto, mas fiquei foi ainda mais surpreendida por ela, naquela situação, se ter lembrado de mim. Ou uma jovem que trabalhou comigo há algum tempo. Eu mudei de empresa, ela continuou. Pois há uns meses ligou-me para me contar que ia aceitar um novo desafio e para saber a minha opinião e para conversar comigo. Fico sempre comovida com isto. E acho que é assim que comigo funciona bem. Não ter rotinas nem compromissos mas estar sempre disponível. 

Assim, tenho sempre espaço afectivo para acolher não apenas as que vêm de trás como novas pessoas e situações que vão aparecendo.

De um grupo de amigos que, em tempos, foram muito unidos, sempre fui a única a não participar mos almoços que organizavam pelo natal. Durante anos convidaram-me. Depois desistiram e  limitavam-se a ligar-me a contar como tinha sido o almoço e a desejar bom natal. E, volta e meia, algum liga e dá notícias. Assim está bem. A última vez que estivemos todos juntos foi no enterro da mulher de um deles, uma momento muito triste. Parecia mentira que a mais animada, a mais faladora, a que enviava anedotas para todos fosse a primeira a sair de cena. O marido chorava sem consolo e todos nós estávamos atordoados com a situação e com o sofrimento dele. 

Depois passou um, mais velho que nós, amigo mas não fazendo parte dos mais chegados, que não me conheceu e que olhava para todo o lado como se não reconhecesse ninguém. Chamaram-no e não se virou. Um deles disse: está surdo como uma porta. Outro disse: desde que lhe morreu a mulher foi-se muito abaixo, parece até que já não bate lá muito bem. Outro disse: mas ele e a mulher... aquilo sempre foi chama apagada até porque ela nunca foi muito certa e, além disso, estava com alzheimer há anos. Porque é que ele se foi tão abaixo com a morte dela? Era morte mais do que anunciada... E outro: Na volta não tem a ver com a mulher, na volta é ele que também já não estava grande coisa. E depois a surdez ainda o desliga mais do mundo. Vá lá a gente perceber estas coisas. 

E é mesmo. Vá lá a gente perceber. É que nem vale a pena tentar.

Mas adiante.

Hoje resolvemos ir a uma das cidades aqui mais próximas comprar o jantar. Servia de passeio. Estamos tão habituados a estar em movimento que um dia inteiro no campo já nos dá vontade de cirandar. 

Pelo caminho, pusemos na antena 3 para ouvir o Alvim. Estava lá um convidado que nos pareceu meio parvo. Só dizia banalidades mas daquelas banalidades pretensamente inteligentes emitidas por tipos que são metidos a besta. Por exemplo, dizia coisas como que só tinha descoberto a dimensão do amor com a responsabilidade da parentalidade. O meu marido disse logo para mudar. Ainda tem menos paciência para parvos do que eu. Mas eu quis perceber quem era. O sujeito dizia: daqui a nada vou publicar um post em que vou falar do amor e da capacidade de amar para além do amor. O meu marido, irritado, esticou o dedo para mudar de posto. Eu disse: deixa ver quem é o filósofo. Logo a seguir trataram-no por Gustavo e percebi que era aquele que apresentava o Querido, mudei a casa. O meu marido disse que tinha ideia que ele também escrevia livros, que tem ideia de ter visto pelo menos um livro com a cara dele. Credo. Mudámos de posto, claro está. Depois de termos estacionado, ao irmos a pé para o restaurante, passámos por uma espécie de loja toda envidraçada com uma mesa com uma toalha e uma jarra e cadeiras em volta. Tudo estranho e piroso. E com uns ditos em molduras. Sorri à vida que a vida te sorrirá. Ou: Recebe a mensagem e faz dela o teu caminho. Coisas assim. Espreitei para perceber o que era aquilo. O meu marido é que viu: uma igreja. Não era evangélica, era uma igreja de que nunca tinha ouvido falar. Uma religião que cultiva a banalidade, os lugares comuns, a vacuidade. Mais à frente, num pátio num jardim, vozes em altifalante. Campanha do PSD, ficámos com a ideia que eram os candidatos a uma Junta. Um homem dizia: 'Falar a verdade'. 'Não esconder nada'. 'Para o bem de todos, em total transparência'. E pensei que entre o Gustavo, a igreja não sei das quantas e o candidato do PSD não havia diferenças. 

Talvez tudo isto seja fruto da cultura actual, da que é alimentada pela trivialidade e pelo artificialismo do instagram e do facebook, verdadeiras máquinas de descaracterização, de make up emocional, de pseudo aforismos feitos de ar e de cuspo, de exibicionismo, de voyeurismo. 

Não sei se são as redes sociais ou o excesso de debates e artigos sobre tudo e sobre nada que andam a deformar a cabeça das pessoas. 
A ideia de que tem que se ter muitos amigos, que se tem que estar a dar likes e a pôr corações em tudo a toda a hora, que é bom a pessoa estar a mostrar-se aos outros a toda a hora, em locais fantásticos, a fazer coisas fantásticas, há-de ter nefastos efeitos secundários no raciocínio, no próprio vocabulário e, sobretudo, na estabilidade emocional de quem frequenta esses lugares de felicidade ficcionada.

Bem... e já viajei... começo um post com uma ideia em mente e depois, meio distraída, ouvindo música, vou por aí fora e esqueço-me da ideia que vigorava no momento da partida. 

Onde é que eu já ia... 

[Daqui a nada até me estava a dar vontade de ir investigar se o tal Gustavo é mesmo escritor de obra publicada ou se aquilo foi delírio do meu marido.

Que livros será uma pessoa daquelas capaz de escrever? E onde será que ele escreve aqueles posts que anuncia, em avant première, como se tivessem algum conteúdo? No Instagram ou no Facebook, só pode. E quem é que o lê, senhores? Quem é que, em seu são juízo, vê ali ideia que se aproveite?]

... e que mundo é este? Que acefalia colectiva, pior que pandemia, assola este planeta, deus meu? O que vai sobrar daqui? Gente alienada, gente ansiosa, gente com psicopatias e distúrbios emocionais de toda a espécie, imagino. Já para não falar na sociedade de analfabrutos em que todos se acham alguém sem conseguirem ter uma ideia própria ou formar uma opinião informada.

Mas dizia eu que, uma vez mais, sem querer, derivei. É que a ideia que tinha em mente ao começar a escrever era bem outra. Ao procurar um nome de um fotógrafo na lista dos temas por ordem alfabética que tenho aqui ao lado (barra da direita, mais abaixo) dei com vários blogues que acompanhava e que, entretanto, ficaram parados no tempo ou desapareceram. De alguns já nem me lembrava e, no entanto, tanto que gostava de os ler. Fiquei a pensar no que terá acontecido aos seus autores.  Espero que estejam bem. Outros apaguei a ligação porque, alguma vez, escreveram coisas que me desagradaram demais e, depois, acabei por me esquecer deles. Às vezes, penso neles mas já não consigo lembrar-me exactamente do nome do blog e já não consigo lá voltar. Toda a gente às vezes perde a cabeça e escreve coisas estranhas e eu tenho tendência a perdoar excessos. E, no entanto, quero lá voltar e já não consigo. 

Gostava que alguns blogs voltassem a viver: lembro-me do Âncoras e Nefelibatas, por exemplo. Ou do Ana de Amsterdam. Ou do Anjos e Prostitutas. Ou do Novo Mundo. Ou os do Mexia. E outros. É que, ao contrário do que acontece noutros domínios, neste caso não têm aparecido assim tantos blogs novos que nos façam esquecer a qualidade daqueles que ficaram suspensos no tempo ou que desapareceram. E era sobre isso que eu gostava de ter escrito.

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Pinturas de Svabhu Kohli e Viplov Singh ao som de Yo-Yo Ma, Kathryn Stott que interpretam The Swan de Saint-Saëns

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Desejo-vos um dia feliz

segunda-feira, setembro 06, 2021

Escrever na ressaca

 

Acho que devo estar de ressaca. Nada de mais mas, ainda assim, de ressaca. 

E, calma, não é do punch. 

O meu filho, quando lhe disse que o cocktail que o pai me tinha arranjado estava uma delícia, avisou-me para o teor de álcool do rum não é brincadeira; mas o meu marido disse que de rum tinham sido apenas dois dedos. Informei que não me tinha dado qualquer abalo. Já não me lembro se foi o meu filho ou a minha filha que, no gozo, me disse que estou uma verdadeira esponja. Mas ainda não. 

Mas, portanto, a ressaca não é do punch  Ou é coisa da PDI ou tem a ver com o culminar de obras, trabalhos, limpezas, arrumações, aventuras diversas incluindo passagens pelo hospital, exames médicos e consultas, reuniões, reorganizações e, sobretudo, sobretudo, sobretudo, falta de férias. O que sei é que hoje não apenas estou podre de sono como com a sensação de que não vou conseguir escrever sobre o que quer que seja.

Diria o bom senso que, não havendo nada a dizer, me mantivesse calada. Mas não. Bom senso não é comigo, pelo menos nestas paragens. Portanto, a espaços, dormitando in between, vou tentar.

O dia foi sossegado, bom, agradável. Conversa tranquila no jardim. Depois, o tempo toldou-se a meio da tarde. 

Viemos para o campo e, a contragosto do meu compagnon de route, desviámo-nos até ao centro da cidade para eu ir satisfazer o meu capricho habitual. O de sempre: cone de duas bolas. Gianduja (que sabe a chocolate e que tem avelãs ou amêndoas e passas), e, desta vez, um novo. Tenho ideia que se chamava Taermina. Mas poderá não ser bem isso. O que sei, e disso não tenho dúvida, é que é excelente. Perguntei de que é e agora já não sei tudo. Tenho ideia que tem nozes de macadâmia, licor de flor de laranjeira e outra coisa de que não me lembro. Tão boooommm. Claro que em vez de um modesto cone de duas bolas deveria era ter pedido um copo com o equivalente a dez bolas. Uma de caramelo salgado, outra de ananás, gengibre e hortelã, outra de arroz doce, outra de cheesecake de frutos vermelhos, outra de chocolate preto com laranja... e por aí vai.

Não sei quanto mais tempo viverei nem em que circunstâncias morrerei. Mas de uma coisa eu gostava: quando chegar a hora -- que, tal como nos partos, era bom que fosse pequenina --, se der tempo, se eu ainda estiver capaz para engolir e se não for um grande transtorno, muito agradeceria que alguém fizesse a delicadeza de me levar um belo geladão. E aí, livre da chatice de não comer demais para não engordar, poderia mesmo ser um copão a deitar por fora. Isso é que seria morrer regalada. Quanto ao resto, também agradeço que não se ponham a dizer que gostam muito de mim senão vou logo perceber que o momento é de despedida. Prefiro que contem piadas ou se desatem a rir porque, comigo, o riso é contagioso. Morrer a rir à gargalhada depois de uma barrigada de belo gelado, isso é que era. Direitinha para o céu, santa, risonha e consolada.

Hesito entre o enterro tradicional, debaixo de terra, ou ser transformada em cinza. Se calhar é mais rápido e melhor para toda a gente se a coisa se resolver logo ali. Lareira com ela. Assim nem haverá a dúvida sobre o que escrever na lápide. Podia ser: aqui jaz a maluca que morreu a rir depois de uma barrigada de gelado mas já sei que haveria sempre um bicho careta que acharia que isso não me representaria bem. Assim, apenas teriam que atirar as cinzas para um lugar qualquer. Claro que gostava que fosse aqui, in heaven. Mas às tantas, se um dia quisessem desfazer-se disto, não se sentiriam com sentimento de culpa: será que, ao vendermos isto, não vamos estar também a vender a maezinha? (ou a avozinha, consoante quem fossem os vendedores). É certo que haveria de aparecer uma voz pragmática; Eh pah.. mas onde é que a maezinha já lá vai...  Mas há sempre os românticos, os que achariam que a alma da maezinha (ou da avozinha) ainda andaria por ali a pairar e far-lhes-ia impressão que o espírito da maezinha, quando quisesse atazanar a cabeça a alguém, já só desse de caras com desconhecidos. Portanto, o como, quando e onde não sei, que resolvam como acharem melhor. 

Agora que o escrevo, penso que, na volta, no mar é capaz de ser a solução mais prática. A malta à beira de água, a comer um gelado, e, na maior descontra, a atirar as cinzas da maezinha ao mar. E a dizerem simplesmente: ...Já foste! E, no maior folguedo e despautério, tudo a desatar a rir e a fugir das ondas.

Bem. Isto vinha a propósito de quê? Ah, já sei do gelado.

[É que, a sério, uma coisa que me chateia é pensar, quando for desta para melhor, se for coisa com tempo e não de repente como deveria ser, em vez de fazerem com que vá divertida, ainda se lembrem de me porem com vontade de chorar ou com vontade de me pôr a consolá-los a eles, os que cá ficam. Não haveria pachorra. É que posso não ter força para os mandar irem carpir para outro lado e ter que ficar ali a gramar com a choradeira. Seca maior não deve haver.]

(Se bem que seca das valentes devem ter que gramar os que tiverem que dar destino à tralha que por cá vou deixar. Coitados. )

Bom. Adiante que esta desconversa não aproveita a ninguém..

A questão é que praticamente não vejo televisão nem leio notícias. Por isso, não tenho assunto que interesse aos outros. 

Há bocado, ao entrar no youtube constatei aquilo que parece ser a prática corrente. Excertos de programas de televisão, os mais variados, em que os entrevistados vão fazer confissões: uns foram drogados, outros sofreram depressões, outros estiveram desempregados, outros têm baixa autoestima,  outros são homossexuais mas só se assumiram dois dias antes, outros foram obesos, outros magros demais. Parece que os produtores de televisão em Portugal andam por aí a farejar desgraça ou mania da grossa ou parvoíce aguda. E a malta, desde que tenha um microfone ou uma camara apontada, confessa tudo, se calhar até empolando ou dramatizando a infelicidade ou a macacada. Provavelmente há quem ache que isto é bom, que exorcizar fantasmas ajuda e que, sobretudo, encoraja os que escondem a exorcizar também. Eu tenho muitas dúvidas. A malta que for de miolo mole vai é ficar com pena por não ter um segredo ou uma desgraça para contar. Aos poucos pode criar-se a ideia que o normal é ser psicopata, alcoólico ou drogado, ter batido na mãe, ter sido abandonado pelo pai, ter sido violado pelo senhor padre, comer raspas todos os dias a todas as refeições, tomar banho num alguidar e, não menos importante, ter sido casado com a mulher do primo da cunhada e, aos sessenta anos, descobrir que, afinal, o tal não era primo mas avô e que não casou com uma mulher mas com um homem com uma pilinha tão pequenina que durante uma vida inteira nunca deu por ela.

Volta e meia aviso a minha mãe para se livrar desses programas não vá, algum dia, converter-se ao culto da parvoíce encartada. Diz que não mas tenho para mim que, volta e meia, deve lá estar caída pois, a propósito de banalidades, vem com medos sobre coisas terríficas e, quando lhe digo que está a viajar na maionese, diz que não, que ouviu na televisão relatar caso idêntico. 

Fazer o quê? É assim a vida. Ou, pelo menos, é assim que a vejo quando estou ressacada e a cair de sono. Portanto, com vossa licença, por ora vou pregar para outra freguesia.

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Pinturas de Cruzeiro Seixas ao som de In hell I'll be in good company numa interpretação de Nice Price Acoustic Band 

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E, mal por mal, vai um pezinho de dança, pessoal?


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Desejo-vos uma bela semana a começar já por esta segunda-feira

domingo, setembro 05, 2021

Uma vez que a sexualidade do Paulo Rangel não é tema que me assista, deixo que sejam o Marcelo e o Balsemão a levá-lo ao colo e ocupo-me cá das minhas coisinhas

 



Os dias têm sido preenchidos, animados, atarefados, uma festa, uma alegria. No fim do dia, quando uns se foram e outros recolhem aos aposentos, encontramos meias espalhadas pela casa, os quadros da parede por cima deste sofá tortos, o tapete da sala todo enrolado, o comando da televisão levou sumiço, há copos vazios um pouco por todo o lado. 

Há bocado, ao contar mais um episódio da história da Margaret ('um clássico'), o mano do meio dava cambalhotas para a frente e para trás como se estivesse fresco, acabado de acordar. O mais pequeno intervinha na história como se fosse um personagem. Aliás, os três interromperam-me mil vezes para esclarecer aspectos ou para acrescentar pormenores. Eu a querer que se calassem a ver se lhes dava o sono e eles só a falarem. Sento-me na cama do mais novo. Os dois rapazes dormem no mesmo quarto. Ela vem do seu quarto para se sentar nas almofadas do chão. E o do meio, fica na cama dele às cambalhotas. Para ver se o mais pequeno se cala, faço-lhe festas na cabeça. Às tantas, quando estava a falar do Kikas, o cão traquinas, grita-me ele: 'Eih! Não sou nenhum cão!!!'. E eu, admirada: 'Claro que não. Porque é que dizes isso?'. E ele: 'Estavas a fazer-me festas como se eu fosse um cão!' E eu: 'Que ideia, não estava nada'. E ele: 'Estavas, estavas'. Entretanto, no meio das cambalhotas, o do meio soltou um grande arroto. E logo de seguida: 'Desculpa, avó, sei que isto não se faz. Foi só para sentir o sabor da comida do jantar'. Isto às escuras, eu a inventar a história da Margaret na festa do Avante, já depois de ter inventado a Margaret no cinema. Hesito entre zangar-me, conter a vontade de me rir, desesperar por não lhes dar o sono. A irmã, perante estes desmandos, limita-se a dizer com voz de desdém: 'Porco'.

De manhã tinham estado a brincar às empresas e, de tarde, com os primos, a brincadeira retomou. Pasmo com o que dizem, com a agilidade e oportunidade dos seus raciocínios. E zangam-se e discutem perante situações que forjam mas que, depois, discutem como se fossem reais. Uma das vezes que fui lá, estava o mais crescido em acesa discussão com o irmão porque este tinha vendido 200.000 máscaras sem as ter. E dizia que tinha que se ver como se resolvia isso, se era anulando a venda e compensando as pessoas, porque não queria danos na imagem da empresa ou redução do seu share value. Não garanto que tenha sido share value que ele disse mas que falou em share, falou. O irmão discutia, não aceitava, queria vender na mesma. Sugeri que renegociassem, que faseassem as entregas. Entusiasmados, aceitaram a sugestão. Passado um bocado já estavam outra vez desencontrados. A fábrica das máscaras tinha fechado e o mais novo queria contratar os trabalhadores da fábrica e pô-los a fazer as máscaras. O mais velho dizia que uma empresa que vende máscaras, como uma farmácia, não é a mesma empresa que produz os artigos que vende.

E, em catadupa, iam surgindo questões concretas, que poderiam ser reais. 

De manhã, no meio da conversa, ela dizia: 'Esperem lá. Que barulho foi este?!'. Tão realista foi que caí. 'Que barulho? Não ouvi nada?'. Ela fez-me um gesto que não levasse a sério, que fazia parte da encenação'. Foi espreitar e informou: 'Foi um carro que se despistou e veio bater no prédio'. Nesta altura o avô apareceu e logo o do meio correu para o agarrar, que tinha que chamar a polícia. Perguntei: 'Mas então o que é isso agora?'. E logo ele: 'Está bêbedo, andava aí de carro a bater nos prédios, é caso de polícia, vai ter que prestar serviço comunitário'. O avô perplexo sem perceber o que estava a acontecer.

Por vezes tenho vontade de andar de roda deles a fazer filmes com as suas brincadeiras e conversas. Mas geralmente tenho o jantar ou outra coisa para fazer e não consigo andar apenas entregue ao lúdico do momento. 

Ao jantar, conversavam sobre quem tinha nascido primeiro, uns ainda se lembravam do dia do nascimento de outros. E falavam das primeiras palavras que tinham dito. Estavam os cinco sentados na mesa redonda. Não precisam de qualquer apoio. A gente serve-os e eles limpam os pratos. Alguns repetem, outros perguntam o que há a seguir. E, pelo meio, conversam em contínuo. E as conversas deveriam mesmo ser gravadas. A graça que é ter o mais crescido, o que fez agora treze anos e que já está a ficar com a voz grossa, a conversar e a explicar tudo ao que fez quatro. Talvez seja porque todos lhe explicam tudo que o mais novo sabe as coisas mais incríveis. Hoje, na brincadeira, fazia de conta que recebia uma chamada. Depois anunciava: 'Boas e más'. O irmão disse-lhe: 'Mas tens que dizer quais são as boas e quais as más'. E ele, acto contínuo: 'As más é que o prédio tem que ser demolido com as pessoas lá dentro. As boas é que sobrevivemos durante um dia'. Provavelmente isto na sequência da irmã ter anunciado que um carro se tinha despistado de encontro ao prédio. E a brincadeira continuou. E eu fico estupefacta, incrédula.

Depois de jantar, aqui na sala, enquanto os rapazes jogavam um jogo na play station e o mais novo tirava fotografias e fazia avarias, ela pintava as unhas à tia e a mim, pedia-me massagens, pedia-me penteados. E a tia via fotografias de quando eu e o pai nos casámos, fotografias de quando ela era pequena, fotografias das festinhas de anos, dela ou do irmão, a família reunida, tios e primos, amigos, a casa cheia. E os meus pais, os meus sogros, os meus tios, os meus avós. Eu com vinte e poucos anos, quase uma outra. E, no entanto, memórias tão próximas. Olho as fotografias e tenho presentes as situações. Chego a sentir na pele o tecido dos vestidos que, naquele momento, usava. 

E pronto, estou com sono e daqui a nada os passarinhos levantam-se, começa o chilreio. A ver se amanhã ou depois respondo aos comentários. Hoje já não dá. 

Em tempos normais teria comentado a entrevista e os destaques que toda a comunicação social dá à entrevista na qual a homossexualidade do Rangel, há muito conhecida, foi por ele publicamente assumida Mas agora não tenho vontade de dizer nada. O Marcelo anda impaciente com a totozice do Rio e os outros do PSD também. Têm que arranjar alguém. E não estão a conseguir. A laranja secou. Sobra o Rangel mas tinha que ser reciclado. Aqueles vídeos, aquelas coisas que se diziam. Portanto, com o Balsemão a ver se fabrica um sucessor, com a ajuda do Marcelo a ver se cria um facto político com a possível saída do Costa, a SIC começa a preparar o caminho ao Rangel. Pode ser que pegue. Nada como pôr o Daniel Oliveira a perguntar o que dizem os seus olhos a ver se deles brota a célebre lagriminha para a malta começar a aderir.

Mas eu, quanto a tudo isto, não tenho nada a dizer. Não é a minha praia, como sói dizer-se.

Portanto, com vossa licença, fico-me mesmo por aqui.

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Pinturas de Wassily Kandinsky enquanto Roo Panes interpreta There's A Place

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Desejo-vos um belo dia de domingo

sábado, setembro 04, 2021

O rum já cá canta

 

Se repararam na bebida que os astros recomendam a esta carangueja que vos escreve terão tomado boa nota que, para eu poder conferir a justeza da recomendação, teria que arranjar rum para experimentar o ponche (rum e sumo de frutas).

Pois bem, disse bem: teria que arranjar. Teria. 

Em dia animado, de casa quase cheia, praia com uns, tarde no jardim com todos, jantar com quase todos, brincadeiras em casa com toda a malta miúda e parte da adulta, eis que, à tarde, o meu filho e a minha nora chegam com uma coisa num saco, dizendo que era para mim. Quando vi, fiquei toda contente. Não me teria passado pela cabeça que um genuíno rum cubano, vindo directamente da Festa do Avante, viria parar-me às mãos para que eu pudesse experimentar o tal cocktail que os astros me recomendam.




Ao jantar, quando a minha filha perguntou o que é que eu bebia, logo um deles gritou: rum! Mas não. Reservo-me para uma inauguração mais a preceito. Talvez num sunset no jardim. Um dos miúdos, preocupado: e não vai ficar bêbeda? Sosseguei-o: claro que não. A maioria será sumo. Expliquei que estou habituada: por exemplo, também gosto de vodka (embora nunca o tenha bebido puro).

Havia um cocktail que o meu marido preparava com champanhe, campari e sumo de laranja que era bem bom. Não me lembro se é a este que se chama kir royale que associo a um de que gostava, não me lembro se era o mesmo.

A grande diferença é que dantes a componente alcoólica tinha que ser mínima, senão dava-me para rir perdidamente e, a seguir, para dormir. Agora é à vontade: estou um camionista. Posso beber que nada me abala. Digo isto sem nunca ter abusado pelo que, na volta, se me exceder, caio mesmo para o lado. 
Camionista, sim, mas provavelmente não de barba rija. 
Por exemplo, não sei se com uma caipirinha me aguentava. Nunca experimentei. Tenho ideia que aquela aguardente não apenas é agreste como muito forte. Também nunca experimentei whiskey. Não gosto do sabor. É-me desagradável. Mas gosto muito de gin. Gin, água tónica e o que calhar lá dentro (pepino, hortelã, maçã, laranja, pêssego, whatever -- mas não tudo junto, claro...). Gosto mesmo.

Quanto a vinho, já o disse: passei a grande apreciadora. Gosto mesmo. 

Idem em relação a cerveja, embora não tanto como vinho. 
Escrevo isto e recordo-me de uma tarde em Madrid. Tínhamos chegado, estava muito calor e era o fim de tarde. Ao pé do hotel em que costumávamos ficar, havia um daqueles lugares bons para nos refrescarmos enquanto picávamos. O meu marido pediu uma caneca que lá se chama de outra forma, não me lembro. Ocorre-me pinta mas não deve ser. E eu pedi uma simples água fresca. Se fosse em Portugal teria bebido uma água das pedras. Ali, só água lisa. E lembro-me de ele se encantar com a cerveja, dizia que nenhuma era tão gelada como ali. E dizer-me que experimentasse e eu, uma vez mais, ter tentado... e uma vez mais ter detestado. Não percebia como se podia gostar tanto de uma coisa tão mal saborosa. 
E, no entanto, se agora me sabe bem. Ainda não consigo beber sem ter alguma coisa para picar ou mastigar. Cerveja, só cerveja, não aprecio. Ainda não aprecio. Mas, tendo o que acompanhar, gosto imenso. No outro dia, vi no supermercado umas cervejas alemãs artesanais, diferentes, e tive vontade de experimentar. O meu marido dizia que não valiam nada. Trouxe só porque a minha intuição puxava por elas. O meu filho, quando lhe falei, também disse que eram mais pesadas que as nossas. Afinal nada pesadas, bem boas.

E agora fico-me por aqui. Dois dos quartos do fundo do corredor estão ocupados. Os primos saíram tarde com a tia, os pais estão a festejar com amigos e eles estão cá. Hoje fizeram todos testes para poderem estar juntos cá em casa, sem máscara, à vontade. Foi uma festa. Covid free. Uma alegria. O mais velho veio dar-me um grande e sentido abraço e fez outro tanto ao avô. Daqui a nada estão a pé que são passarinhos que chilreiam pela entrada do dia.

Se calhar vou dormir na sala que fica ao lado da casa de banho que serve os quartos em que eles estão. O meu quarto fica num recanto na outra ponta do corredor, um bocado longe. Receio não ouvi-los. 

Estou com tranças que a minha filha me fez. Fez-me a mim e fez à sobrinha. Vou dormir com elas a ver se amanhã estou com o cabelo ondulado.    

Ah, é verdade. Quando se deitaram, quiseram que eu contasse uma história. Contei mais um episódio da Princesa Margaret e o seu irrequieto cão Kikas. O mano do meio, quando a história começou, exclamou: 'Ah, a Princesa Margaret. Um clássico das noites em que a Tá ficava connosco à noite lá em casa...'. Gostei. Há que tempos, bem antes da pandemia, e ainda se lembra. Também achei um piadão a que, quando foram lavar os dentes, o mais pequeno tenha dito: 'Há uns anos atrás, o meu mano contou-me...' (e referiu o que o mano lhe tinha contado). Eu disse: 'Há uns anos...? Tem graça essa. Há uns anos ainda tu não devias ser nascido'. Olhou para mim sem saber bem como sair daquela. O mano foi em seu socorro: 'Acho que ele quer dizer uns meses'. E ele, ouvindo, encolheu os ombros, como se fosse um preciosismo.

Umas ternuras. Todos eles, umas ternuras. 

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E, já agora, algumas inspirações para cocktails com rum


Salut!

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Desejo-vos um sábado muito bom

sexta-feira, setembro 03, 2021

Os bons conselhos que o seu signo tem para si

 


Em minha defesa alego que  tenho a companhia de outros que, ninguém diria, também prestam ou prestaram alguma atenção ao alinhamento dos astros. Poderia referir alguns mas não quero que pensem que me passa pela cabeça que chego aos calcanhares deles. Por isso, fico caladinha mas consolada pensando que eles, que a gente acha inteligentes, se interessaram... porque não também eu...? Ora.

Claro que a minha costela pragmática, dada às ciências e com aversão ao esoterismo, me diz que só pode ser treta. Mas depois há aquilo de uma pessoa ler o que eles, os astros, dizem e parecer que tem mesmo tudo a ver connosco. E aí a gente acha que, por muito racional e pragmática que seja, também é filha de deus e com direito a uns momentos de maluqueira, abstração, crença à toa e alienação qb.

Portanto.

Sou caranguejo, inequivocamente caranguejo, ascendente caranguejo, e acho que a descrição astrológica dos caranguejos me assenta que nem uma luva. E se a coisa me parece bater certo na função principal a partir daí já vou de olhos fechados, indo na cantiga de todas as derivadas que alguém se lembre de engendrar. Seja qual o bolo mais apreciado pelos caranguejos, seja o perfil sexual dos ditos, seja a bebida mais indicada, seja a prática desportiva, seja o que for. Se vejo artigo que verta tese sobre o tema, aí estou caída. E nunca tem que enganar: acerta sempre. Mesmo que me surpreenda, depois de reflectir um pouco, logo percebo que estão certos os astros.

Andando preguiçosamente a flanar pelos onlines e incapaz de me fixar em coisa que se aproveite, é nas frioleiras que me detenho. Ou é da saison ou é de moi-même mas, confesso, quanto mais fútil mais me atrai.

Hoje foi a Vogue francesa que tinha para recomendar as práticas desportivas mais adequadas a cada signo. E lido em francês ainda mais adequada me parece.

 CANCER (du 22/06 au 22/07) - Signe d’eau

Planète : La Lune, les émotions

Véritable éponge émotionnelle, vous êtes plutôt d’une nature créative et artistique que sportive. Le sport est pour vous une manière de libérer vos émotions et d’écouter votre corps. Pas d’agressions, vous suivez le ressenti et les besoins de votre être. Vous avez besoin de vous sentir en contact avec la nature. Signe d’eau, la mer est un besoin vital, une seconde nature. 

Sports conseillés : natation, yoga, course à pied, paddle, aquagym, danse.

Dos que me recomendam, concordo na íntegra com a natação e com a caminhada. Pratico com a regularidade possível. Hidroterapia já fiz e também gostei. E há o ioga que venho adiando apesar de saber que não conseguirei fugir-lhe. Mas há uma falha: paddle no way. Talvez se tivesse menos duzentos anos. Paddle...? Não atinjo. Dança. Sim, dança, sim. Quem sabe um dia não me inscreverei em aulas de tango... ? Caraças, good idea. Como não me lembrei antes? 

Para os malucos que, tal como eu, gostam de espreitar para estas cenas, aqui vai à laia de conselho para a rentrée: Rentrée : quel sport choisir selon son signe astrologique ?

E depois há outra: o cocktail indicado para cada signo. Útil. Como sabê-lo sem me informar devidamente? De que é que um caranguejo gosta quando lhe apetece um copo? Ora bem. Vejamos.

Le cocktail pour les natifs du Cancer : le punch

De nature réservée mais créative, les Cancer vont quant à eux opter pour l’un des cocktails les plus classiques du monde : le punch. Mélange de jus de fruits, de fruits tout court et de rhum : son goût sucré à ce petit je-ne-sais-quoi qui rappelle les boums de fin de lycée et les premiers amours.

Acho que nunca bebi um punch. Sangria sim. Mas sangria não é feita com rum. Rum apenas conheço do gelado, rum com passas, e gosto que me farto. Portanto, terei que experimentar já que sumos de fruta é do melhor que há e com rum à mistura deve ser uma maravilha.

E para quem não seja carangueja e não saiba o que pedir quando for beber um copo, cá vai. Quel cocktail en fonction de votre signe astro ?

E para acompanhar o copo: na hora de uma gulodice, que bolo escolher?

Muito bem: os astros recomendam-me um bolo que desconheço. Pelas fotografias quase parece uma bola de berlim e aí no way. Mas também pode ser um fofo de belas e aí, oh my dog, será na mouche. Love, love, love fofos de belas. E, se for para partilhar, melhor e mais doce ainda.

La pâtisserie pour les natifs du Cancer : la tarte Tropézienne 

Voilà l’été, voilà l’été… Et pour célébrer son arrivée et par là même l’entrée dans le mois des natifs du Cancer, pourquoi pas déguster une Tropézienne. Une pâtisserie à la fois douce, créative, et généreuse, que l’on peut partager avec ses proches. Bref, une option parfaite pour les natifs du Cancer et leur sens de l’accueil. 

E aqui fica o link para quem esteja a salivar por um bolinho e não saiba qual: Quelle pâtisserie correspond à votre signe astro ?

E, para o fim, la pièce de résistence. O perfil sexual segundo os astros. Poderia fazer uma introspecção e reproduzir os meus mais profundos feelings sobre o tema. Mas não. Caranguejo que é caranguejo também é dado às pequenas brincadeirinhas. Portanto, que falem os astros que eu cá não me meto nisso.

Cancer

La femme Cancer ne peut s'épanouir sur le plan physique, que si celle-ci est en accord émotionnel avec son partenaire, et qu’elle se sent aimée. Elle a besoin d’être l'objet d'attentions et de tendresse. Son attachement à l'image paternelle est si fort qu'elle recherche toujours, plus ou moins inconsciemment, une épaule solide, un bras protecteur. Elle n’est pas très constante dans ses envies. Elle peut être un jour passionnée, puis le lendemain vaguement indifférente, selon les variations de ses humeurs. Sensible aux ambiances, la femme Cancer peut facilement se livrer sans retenue lorsqu'elle est en confiance, mais se bloquer complètement dès que quelque chose cloche ou la dérange. Il faut beaucoup de délicatesse pour parvenir à la libérer de sa retenue. Mais la femme Cancer a une imagination débordante. Ses fantasmes sont parmi les plus fous et n’ont rien d’ennuyeux. Ils n’ont toutefois rien de pervers; elle a seulement cette grande capacité de se sentir femme jusqu'au bout des ongles lorsqu'elle est en parfaite confiance avec un partenaire.

Tirando aquilo da imagem paternal que, no que me toca, não me parece que se aplique, no demais tem graça. E caso queiram descobrir se o vosso também tem graça, aqui está:  Votre profil sexuel


E, no demais, tudo é um bom pretexto se for inócuo e tiver graça. E, além disso, ainda estamos no verão e, no verão, corações ao largo e bora mas é curtir.

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As fotografias foram feitas in heaven e, Francisco, espero que dê para ver com o que me tenho andado a entreter. 
Melody Gardot interpreta Sunset In The Blue
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Desejo-vos um dia muito bom

quinta-feira, setembro 02, 2021

Peace in heaven

 


Já vimos os quatro episódios na nova temporada da Grace & Frankie. Já vi todos os episódios de 'A Directora' (estes só eu é que vi) e voltámos a The Crown. 

E voltámos às arrumações, ele à estante da tralha dele na despensa e eu ao apartamento. No meu caso, foi mais limpezas: varri, lavei, afastei móveis e sofás. Há um detergente branco com cheiro a sabão de que gosto bastante e que deixa no ar um perfume a casa lavada.

E fiz uma máquina de roupa que foi estendida como gosto: nas cordas que pusemos entre os pinheiros. Dá-lhe o ventinho e seca num instante, até parece que foi passada a ferro.

E deu-me uma ideia. Era para estofar duas bergères, talvez pintar-lhes as madeiras de branco envelhecido. Como estão, em madeira escura e com veludo cor de tijolo, não apenas têm um aspecto datado como, ali, no actual contexto, ficam com um ar pesado. A sala agora está leve e aquelas bergères destoam. E não seria barato modificá-las. Aliás, ainda não arranjei quem me fizesse sequer o orçamento. Pois, neste meu ímpeto transformador, levei-as para a salinha que fica na base da zona antiga da casa. Estão lá reunidos vários despojos e parece haver alguma unidade e harmonia naquela misturada. Ou seja, ficam bem ali. E a ver se arranjo agora umas mais actuais, mais leves, mais claras e mais confortáveis para colocar perto da lareira. 

Quando vejo a minha casa agora tão clara e luminosa com as portas, janelas e rodapés, tudo em branco, e a decoração mais leve, sinto-me tão bem. Parece que a casa traz alma nova a quem nela está. A mim deixa-me feliz. 

Vou vendo, de vez em quando, os mails do trabalho. Retirei as notificações no telemóvel. Assim, só vou ver quando me apetece e isso está a trazer-me uma paz de espírito considerável.

O dia esteve incerto e, de tarde, enquanto víamos a sonsa e cumpridora Lilibet a esfriar os ânimos à fogosa irmã e a ir na cantiga do enervante e eficiente Tommy, trovejava. Era aquele trovejar contínuo e distante que faz boa companhia e que faz desejar um chá quentinho e uma tarde à beira da lareira. Apenas choveu ao de leve e foi pena pois uma chuva forte viria a calhar. As terras estão secas.

Uma figueira grande, lá em baixo, morreu. Se calhar é normal. A vida, nas suas diversas formas, é finita. Era tão grande e tão vigorosa e, não sei como, este ano não nasceram as folhas e ficou com o tronco escuro e sem vida. Felizmente tenho muitas fotografias com ela. Assim, a sua existência poderá ser lembrada. O meu marido cortou-a. Se fosse há uns tempos, teria ficado doente de desgosto. Agora já vou aprendendo que, na natureza, é mesmo assim: morrem umas árvores ou umas pessoas e nascem outras. Não haveria espaço neste mundo para novas vidas se as antigas não lhe cedessem espaço e vez. 

Por exemplo, vejo pés de pinheiro a despontar por aqui e por ali. Há um viço intrínseco na terra, uma vontade de renovação. Não sei se os arranque ou se deixe ver no que vai dar. Por segurança, devemos obrigá-los a um distanciamento mínimo mas vou deixando andar. Não quero forçar ou condicionar o rumo dos acontecimentos.

Hoje, quando estava a andar, de dentro de um arbusto baixo, ouvi o som de um salto, um roçagar assustado de folhagem, uma corrida precipitada. E, no entanto, não consegui ver nada. Não faço ideia do que teria sido. Grande parte do que acontece é invisível. Tal como nas nossas vidas, parte do que há neste mundo está oculto, apenas percebido por quem se abeira de bem perto e com vagar suficiente para deixar que o mistério, a seu tempo, se materialize. 

Reparei também que as três grandes águias voltaram a sobrevoar o terreno lá em baixo, perto dos eucaliptos grandes. Andam lá muito no alto, voam em círculo. Tentei fotografá-las mas não consegui. São rápidas demais. Há vários anos que, de quando em vez, esta coreografia tem lugar. Não sei onde andam quando não andam a voar ali. Podem passar-se dias ou semanas ou meses sem que as veja. Quando as vejo é como se recebesse o atestado de que estou onde pertenço: aqui, in heaven.

Ah, já me esquecia. Estive também a embalar os orégãos deste ano. Há um mês e tal, talvez mais, já nem sei, apanhei braçadas deles. Depois abri um lençol (lavado, bem entendido!) sobre um sofá cama aberto no estúdio e coloquei lá os ramos de orégãos. Há nessa sala uma entrada de luz através de uma fiada de mosaicos de vidro. Portanto, a sala tem sempre luz indirecta, óptima para secar os orégãos.

Hoje trouxe o lençol para cima da mesa aberta da sala de jantar. Com o pano do lençol esfreguei os pequenos ramos uns contra os outros a fim de que as folhinhas se desprendessem. Depois, sempre em cima do lençol, fui limpando pontinhas secas, os pequenos pauzinhos secos que sustinham as flores e as folhinhas. Pensei que é isso que devem fazer os trabalhadores temporários que acondicionam as aromáticas. Um trabalho de paciência e atenção. A sala ficou perfumada de dar gosto, um perfume mediterrânico que tem dentro o sol e o amor pela terra.

Tinha vários frascos que fui guardando ao longo do ano ou de espargos ou de doce ou de mel. Enchi vários, de vários tamanhos. Somos grande consumidores de orégãos. E ofereço alguns com o prazer de quem oferece preciosidades. 

No estúdio, em cima da mesa da kitchnette, há um pequeno regador de metal pintado de amarelo onde estavam uns pés de alfazema já seco, quase sem cheiro. Deitei-os fora. Apanhei pés novos, com o perfume ainda bem activo. Juntei uns pequenos rebentos ladrões de laranjeira que têm um forte e fresco odor cítrico que muito me agrada. Juntei ainda um ramo de loureiro. Penso que o bouquet vai trazerr um perfume bom àquele compartimento.

Há tempos li sobre uma forma de fazer um perfume ambiente a partir de produtos naturais. Quero ver se encontro. Sou muito sensível a perfumes. Gosto de aromas frescos, limpos. Se conseguir ter a casa sempre com um perfume agradável a partir das plantas de cá melhor. 

Depois passei pela pereira e reparei que tinha umas quantas peras. Uma comi-a logo ali. Doce. Se não fosse pelo açúcar, poderia alimentar-me quase só de fruta. Figos pingo de mel, uvas dulcíssimas, moscatéis, peras macias, boas. A vida simples é uma coisa boa.

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As fotografias são algumas das melhores de The 2021 Comedy Wildlife Photography Awards

Bob Marley interpreta She used to call me Dada

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Desejo-vos um dia feliz

Tudo de bom: saúde, alegria, motivação

quarta-feira, setembro 01, 2021

Antes paneleiro que populista, diz o António Guerreiro


 

Dia de férias. Sem canseiras, sem stress. Finalmente. Ainda assim, foram compradas e depois postas prateleiras na despensa para arrumar melhor os sapatos, cabides para bonés, cabides para panos do pó em uso, um cabide com uma coisa com compartimentos que o meu marido diz que é para pôr sapatos mas que eu não sei se é e usei para acondicionar produtos de limpeza (de madeiras, de vidros, de fornos, de tapetes). E acho que ainda temos que adquirir caixas de arrumação para ter numa as pilhas, noutra as lâmpadas, noutra as extensões, etc. 

De manhã, quando fomos ao Leroy, à cidade mais próxima, quis logo trazê-las mas ele não quis. Aquele é o seu território  e não me quer a arrumar as suas coisas. Diz que a minha lógica não é a dele e teme nunca mais encontrar o que hoje tem à mão de semear. Só que eu olho para aquilo e vejo um caos. Ele espanta-se, diz que durante vinte anos eu não quis saber de nada daquilo e agora quero organizar tudo. Explico que é uma questão de prioridades. Agora já estamos no fundo dos fundos, na despensa.

Quando estávamos a ir de carro para o Leroy ele deu-me uma novidade: 'as gavetas do móvel da despensa estão vazias'. Fiquei sem perceber: 'Quais gavetas?'. Nunca dei por gavetas nenhumas. Ele respondeu: 'Como queres que te responda? As gavetas do móvel'. Não estava a ver. 'Mas onde estão as gavetas?, nunca as vi'. Ele disse: 'Não me admira que não tenhas visto, nunca vês esse tipo de coisas. Como queres que te explique?'. E eu, admirada: 'Mas é que nunca vi mesmo. Parece que aquilo tem só portas e portinhas, umas de madeira, outras de vidro, prateleiras, prateleirinhas e nichos. Explica: estão em cima ou em baixo, entre o quê? Entre portas?'. E ele: 'Sim, isso, em baixo, entre portas'

Aquele móvel imenso, atafulhado de coisas e mais coisas, sempre foi, para mim, território a ignorar. Mal cheguei a casa fui logo conferir. Três grandes gavetas. Como é possível que nunca tenha reparado nelas? Há com cada mistério... E, de facto, vazias. Um desperdício. Portanto, vou dar-lhes um destino. Se calhar, uma vai ser para panos do pó, panos de limpeza e coisas afins. Hoje tenho uma gaveta da cozinha com isso. Outra se calhar vai ser para individuais e/ou toalhas de exterior. A terceira ainda não sei. O meu marido diz que se calhar para papéis que hoje estão em caixas num móvel da cozinha. E na cozinha posso pôr toalhas de mesa que estão num móvel que, às tantas, pode ficar para outra coisa.

Ou seja, a so called despensa que, na prática, é uma arrecadação, está a ficar um lugar bem aproveitado, e, além do mais, civilizado e transitável. 

Tirando isso, os novos habitantes. Estive na espreguiçadeira, à sombra, a ler. Às tantas, levantei-me para ir buscar água e tive uma visão. 

Temos um portão alto que separa a zona das traseiras (se é que, numa casa como esta, faz sentido falar em traseiras). Antes de termos parte da propriedade vedada, pusemos aquele portão para tentarmos que não acontecesse uma coisa que uma vez aconteceu e que nos incomodou bastante. Estávamos na sala, de janela aberta, descontraidamente em família, e, às tantas, ouvimos vozes mesmo ali. Olhámos pela janela e estavam umas pessoas a passear mesmo junto à casa, dá ideia que, inclusivamente, a olharem para dentro. Quando nos viram, disseram com a maior descontração: 'Parabéns, está tudo muito bonito'. Habituados à total privacidade citadina, aquilo pareceu-nos uma tremenda invasão da nossa privacidade. Não me passaria pela cabeça que um dia estivesse a sair da casa de banho, nua, e algum curioso estivesse ali a passar e a observar. Portanto, pusemos um portão para ver se, ao menos, quem passasse na rua se sentisse inibido e sem à vontade para circular por ali, junto à parte mais privada da casa. Mais tarde, quando os caçadores andavam por todo o lado, deixando-nos com medo por causa dos miúdos, vedámos parte do terreno, a parte mais ou menos circundante da casa. O portão intermédio perdeu o seu propósito mas não o tirámos pois gostamos dele. Está, contudo, quase sempre aberto. 

E, então, deitado no chão, no recanto formado pelo portão aberto e pela parede, estava o cão. De vez em quando, damos por ele cá dentro. Parece que está em sua casa. Olhou para mim com interesse. Quando passei lá perto, levantou-se e foi deitar-se num banco de pedra que há colado àquele lado da casa. Mostra conhecer os cantos à casa.

Também vi o gatinho malhado de branco e dourado. Também por aí anda, como se este fosse o seu território.

Tenho estado a ler o livro do António Guerreiro 'Zonas de baixa pressão'. Gosto das suas crónicas. É daquelas pessoas que atravessa o seu caminho sem desvios ou concessões. Diz o que pensa e tenho ideia que, como a malta o respeita, não se vê metido em alhadas ou confusões verbais. É como o Vice-Almirante Gouveia e Melo que soube impor respeito. Aquela maralha do comentário a metro ou os jornalistas de meia-tigela batem a bola baixinho quando falam com ele ou de algum tema que o envolva. E tenho ideia que com António Guerreiro passa-se o mesmo. E nem tem que andar de camuflado.

É daquelas vozes lúcidas, que não vai em modas e que, aparentemente, não tem grande medo de represálias. E é inteligente. E isso, parecendo que não, faz muita diferença. 

Leio uma crónica, fecho o livro e volto a abrir ao acaso. Como se fosse um baralho de cartas que se abre e se distribui a partir de onde calhar. Assim eu a ler este livro de crónicas. Os temas são variados, alguns absolutamente actuais, outros intemporais, e não há cedência ao facilitismo. Pelo menos, assim me parece. 

Leio e penso que deveria ter um lápis para ir sublinhando algumas passagens, talvez para reler, talvez para partilhar convosco. Mas a preguiça tem-me impedido de me levantar para ir procurar um lápis. Portanto, agora, népias.

Aliás, agora que peguei nele reparei numa página a que, à laia de marcação, tinha ao de leve dobrado um cantinho. Transcrevo parte de uma frase:

A natureza gosta de se esconder, tanto quanto a ignorância gosta de se mostrar

Mas é a excepção. Não assinalei mais nada. Aliás, só mais uma. A crónica à qual pertence o título deste post chama-se: 'Se eu fosse...' e numa nota, no seu final, António Guerreiro explica:

No título, a palavra 'paneleiro' é substituída por três pontos. Não por motivos de censura ou auto-censura mas porque seria um foco de atracção dos clicks  Antes paneleiro que populista.

E eu, que sou uma descarada, apesar de também não suportar o populismo, puxei este statement para o título pois acho um daqueles sound bites de estalão. 

The Harbinger of Autumn - Paul Klee

E, por ora, nada mais. Não tenho conseguido dormir a sesta nem, de manhã, dormir até mais tarde. Não sei porquê pois bem precisada ando. Por isso, ainda não pus o sono em dia. Uma chatice. Parece que ainda não fiz o desmame do estado de habituação (ou dependência?) a elevados volumes de trabalho. Nos pequenos momentos de descanso, sinto-me entediada como se a ausência de ocupação útil quase me pusesse doente. Mas pior ainda que isso: sinto-me como que a desleixar-me com as minhas obrigações se, em horário de trabalho, me puser estendida ao sol, a ler. Que coisa esta.

E o tempo que tem estado tão afável, tão a abrir a porta ao outono, tão bom para uma pessoa se sentir serenada... Só me falta mesmo é reaprender a não fazer nada e a gostar disso.

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Pinturas de Paul Klee ao som da Estrela da Carminho

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Desejo-me uma boa quarta-feira
Saúde. Esperança. Ânimo.