quinta-feira, setembro 22, 2011

Sobre os insubstituíveis, sobre si, sobre a vida breve, sobre o tempo que foge


Depois de ter acabado de escrever sobre Júlio Resende que, tal como todos os artistas, era maioritariamente constituido por células imortais e que, por isso, para sempre viverá entre nós, pensei naqueles outros que, tal como eu e talvez você, não somos artistas. Somos simples mortais.

Pensei nas nossas agruras diárias, nas nossas angústias e expectativas, nas nossas ilusões e desilusões. É em mim e em si que agora estou a pensar e é sobre nós que agora vou escrever.

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Você, meu caro leitor, minha cara leitora, acha que vê as coisas melhor que os outros. Você acha os outros todos uns medíocres. Você, se mandasse, mudava tanta coisa. O seu trabalho, você fá-lo melhor que qualquer outro. Você acha que é importante, e acha que não lhe dão o devido valor, você acha que, no dia em que desaparecer, os outros vão notar a diferença, quem sabe até se o mundo não parará.

Ou então, não é isso, é o contrário. Você atravessa a sua vida, desperdiçando o pouco tempo de plateau que lhe foi reservado, com angústias, ansiedades, saudades, antipatias, invejas ou ciúmes, desconfianças. Você vive na ilusão de que um dia lhe darão valor, aparecerá a sua alma gémea, que um dia tudo vai mudar para melhor.

Pois, não sei.

Eu, pelo menos, não acho nada disso.

Acho que o que lá vai, lá vai. Acho que o que importa é aqui e agora. Acho que se quero, é melhor que seja já.

E tenho para mim que fazem falta os que aqui estão porque tenho visto que mal uma pessoa imprescindível vira costas mais ninguém precisa dela.

Não guardo ressentimentos, não desconfio, não espero milagres. Nada disso. O que quero é que aqui e agora seja bom e que não se faça nada que magoe os outros ou que comprometa a qualidade do futuro.

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Estou a escrever isto e estou a lembrar-me de duas pessoas imprescindíveis com quem tive relações pessoais e de trabalho.


O primeiro é um homem ambicioso, voluntarista. Nunca se detinha a pensar nos outros porque queria acima de tudo, ele próprio, chegar lá, sempre mais, sempre mais alto. Tive muitos antagonismos com ele. Não concordava com algumas posições que ele tomava e uma vez, quando ficámos sozinhos no gabinete dele, depois de termos estado reunidos com uma outra pessoa, cheguei a dizer-lhe que à minha frente ele não voltava a falar assim com ninguém. Zangas sérias as que tivemos. Era o protótipo do quero, posso e mando e à bruta. Com o tempo e com alguns revezes profissionais, foi ficando mais moderado, e acabámos a dar-nos bem. Era agora administrador numa multinacional. Com os filhos criados, tinha tempo para, a seguir ao trabalho e ao fim de semana, se dedicar aos desportos de que era adepto. É uma pessoa alta, com um físico jovem e invejável, ninguém lhe dava a idade que tem, perto dos 60, e a própria imagem física contribuía para impor autoridade e respeito. Pela sua maneira de ser, era um bocado centralizador, ainda um bocado prepotente, insubstituível, absolutamente seguro de si próprio. Um homem realizado e vigoroso e ainda vagamente temido pelos colaboradores.

Aqui há algum tempo vi na televisão a notícia de que um homem vinha do trabalho, estacionou o carro junto ao passeio à porta de casa, num bairro de Lisboa, e foi assaltado. O ladrão, que estaca encapuzado, tinha-lhe roubado o computador e fugido. E, como ele deve ter oferecido alguma resistência, deu-lhe dois tiros na cabeça.

Este homem forte, seguro, enérgico, voluntarista, ficou estendido no passeio a esvair-se em sangue.

Para minha estupefacção, soube no dia seguinte que o homem da notícia era ele. Podia ter morrido porque as balas ficaram alojadas na cabeça, algumas veias e artérias destruídas, perdeu muito sangue, uma desgraça. Esteve em coma, foi operado, manteve-se em coma, prognóstico absolutamente reservado. Vai morrer, preparem-se. Ou se sobreviver, ficará como morto.

Mas, forte como é, sobreviveu, recuperou a consciência, a lucidez. Está numa clínica a reaprender tudo, as coisas mais simples.

Na empresa tudo continuou normalmente, não se perdeu uma venda, não se aumentou um custo, não se perdeu um papel.


Um outro, também uma relação profissional, esta mais forte, grande empatia, admiração mútua, total confiança. Um líder. Um homem de visão, de estratégia, um empreendedor.

Por onde passou, deixou marca. E foram vários os sítios por onde passou, desde governos até à administração de grandes empresas, tudo sempre transformado em caso de sucesso, espaço cativo nos media, nas visitas oficiais. Insubstituível. Ultimamente um caso extraordinário de achievment, um exemplo a seguir. Planos para o futuro, mil. Expansão, diversificação, consolidação. Sempre a mil e assim é que se sentia bem. Com mil compromissos uns em cima de outros, viagens consecutivas e sempre fresco, sempre a saber de tudo, sempre com tempo para tudo, para uma graça, para conversar. Uma cabeça, uma energia, uma coisa que custava a acreditar. E também uma figura a nível físico, enxuto, ágil, alto, uma disposição que transparecia em todo o corpo.

Um dia chamam-no e dizem. Gostámos muito, não podia ser melhor, mas a partir do mês que vem já não contamos consigo.

Toda a gente pregada ao chão, Como? Porquê? O que aconteceu? Como é que é possível? Todos e ele próprio também, pregado ao chão. Mas não tinha acontecido nada. Apenas que, face a um rearranjo de portfolio, houve uma reestruturação noutra empresa, era necessário arranjar um lugar para outro, o que deixava um outro disponível para o qual era preciso arranjar poiso, e, mudanças em cadeia, acabou nele, dado que até já estava na idade, então adeus, bye-bye, gostámos muito deste bocadinho, foi óptimo, nunca lhe poderemos agradecer o seu excelente trabalho. Simples. Nada demais. É a vida.

E o homem fantástico, aquele que tinha mil compromissos durante 24 horas por dia, 7 dias por semana, de repente, sem aviso prévio e sem que nada o fizesse esperar, viu-se, assim, de repente, sem nada que fazer. Desapareceram as reuniões aqui, ali e acolá, o jet lag, os telefonemas, os jornalistas, as mil solicitações. Desapareceu tudo.

Claro que ficou vazio, atónito, sem chão, sem horizontes.

A empresa continuou a laborar normalmente, agora sob a orientação do novo presidente.

ooooooooooooo


É assim, meus Caros, a vida é injusta. Ah pois é. Mas nós temos que estar preparados para isso.

Recordemo-nos, a propósito, deste poema de Brecht:

A propósito da notícia da doença de um poderoso estadista
Se este homem insubstituível franze o sobrolho
Dois reinos periclitam
Se este homem insubstituível morre
O mundo inteiro se aflige como a mãe sem leite para o filho
Se este homem insbubstituível ressuscitasse ao oitavo dia
Não acharia em todo o império uma vaga de porteiro.

oooooooo




Moral da história: meus amigos, vivam bem cada momento.

Não fiquem atormentados a pensar no que vos aconteceu, na injustiça que vos fizeram, porque isso são pensamentos que só servem para vos tirar a alegria de viver; nem vos iludais a pensar que amanhã é que vai ser bom porque sabemos lá se vai haver amanhã; nem se achem muito importantes, nem muito poderosos porque o poder e o prestígio são efémeros, porque 'todo o prestígio do mundo não vale uma noite de amor'.

Sejam bons, felizes, ajam de acordo com a vossa consciência, concedam-se o direito a ser felizes, procurem a felicidade, perdoem, sorriam, apreciem a vida, não hesitem, não temam.


E olhem, eu não sou nada, mas nadinha mesmo de andar a bater com a mão no peito, nem caridosa, nem beata, nada, nadinha, nem sou daquele género de andar etérea tipo peace and love, com livrinhos de auto ajuda e essas tretas que só servem para dar de ganhar dinheiro a quem as faz. Nada disso.

Mas penso isto, e até à data, não me tenho dado mal. Ou seja, por favor não se julguem eternos, não se julguem melhores que os outros, não se sintam vítimas, não se sintam devedores, nem credores, não se sintam medrosos, não se sintam cerceados pela opinião dos outros,não se sintam inseguros, mas também não se sintam impunes, não se sintam presos à monotonia de uma vida entediada. Façam o que vos apetece, arrisquem, vão à procura, estejam disponíveis, apreciem, ofereçam, recebam. Sorriam, riam. Divirtam-se. aproveitem a vida. Mas agora, já.


Be happy.


Um desenho simples, de cores suaves, tentativamente Julio Resende alike, para lhe dizer, meu amigo, minha amiga: nunca é tarde.

6 comentários:

Tété disse...

Fiquei presa ao seu texto que me fez repensar mais uma estória de vida.
Também já senti na pele o que é ser a melhor do mundo e depois somente mais uma.
Por força de circunstancias de saúde reformei-me este ano em Junho.
Também não foi nada de muito extraordinário atendendo a que tinha já 45 anos de trabalho e efetuado sempre os respetivos descontos.
No entanto,aquela que outrora tinha sido imprescindível não fez falta alguma no local de trabalho.
Até agora e por agora, valha-nos aqueles e aquelas que afirmando a sua amizade e alguma saudade não têm deixado de fazer assíduos contatos.
Mas tudo muda e virá o dia em que o telefone não vai tocar com as vozes dos que continuam a dizer que nunca me esquecerão.
Vou mesmo seguir o seu conselho e fazer tudo para viver cada dia como se fosse o ultimo para uma vida mais feliz.
Grande abraço
Teresa

Um Jeito Manso disse...

Olá Teresa-Teté,

Espero que esteja bem da sua saúde e que possa desfrutar a sua reforma com alegria, saúde, energia. Espero que consiga sempre arranjar novas fontes de motivação porque nada nos dispõe melhor do que a motivação.

Eu acho que, quando me reformar, vou fazer tudo o que hoje não consigo fazer por falta de tempo mas estou tão habituada a fazer tudo a correr que, quando tenho tempo livre, parece que fico 'apardalada', sem energia para me ocupar, parece que me sobra tempo e que já não sei fazer as coisas com vagar.

Mas sabe que, estando reformada, o melhor é não ficar à espera de sinais do lado de lá para não ficar triste quando eles deixarem de aparecer.

Sabe que eu tive durante muitos anos um colaborador que era o meu braço direito. Não apenas do ponto de vista profissional e técnico era nele que eu mais confiava, como estabeleci uma tão longa relação de confiança que era sempre com ele que eu testava novas orientações, era com ele que eu me aconselhava. Aqui há um ano ele reformou-se também porque já tinha descontos suficientes e também por razões de saúde. Eu pensei que ia ficar apeada sem ele, nem sabia como ia sobreviver sem o suporte dele e sem a intervenção dele a coordenar a equipa que ele coordenava. Ele próprio saíu apreensivo por saber a falta que me ia fazer.

Mas saíu. E ficou combinado que os que iam ficar sem ele iriam ligar-lhe, mandar mails, pedir-lhe ajuda e ele super disponível. E ele dava-se muito bem com os subordinados e eles com ele.

Pois quer crer que os outros nunca lhe ligaram a pedir apoio?

Por mais que eu insista, quando os vejo às vezes atrapalhados, nunca lhe querem ligar.

E dizem-me 'deixe-o lá descansado, a gente cá se desenvencilha, não o vamos maçar' e eu digo que não o maçamos - mas eles recusam-se a ligar. Penso que receiam que isso seja visto como 'dar parte de fraco', não sei. Mas imagino que ele fique sentido por ver que os outros nunca precisaram de um esclarecimento da parte dele.

Custa-me muito isso e, até por achar isso, até a mim me custa ligar-lhe porque imagino que ele possa sentir-se descartável.

Mas é para tudo isto que temos que estar mentalizados: a vida continua e arranjam-se sempre novos intervenientes. Ninguém é insubstituível.

Por isso, Teresa-Teté, força para encarar com naturalidade tudo isto e para a frente é que é caminho. Vida nova, novos interesses, passear, aprender, fazer outras coisas.

Vá dizendo coisas, Teresa-Teté, e um grande abraço.

Tété disse...

Muito obrigada pelas suas palavras.
Claro que com exemplos reais nos habituamos a encarar a vida tal qual ela é.
Vou tentar fazer tudo para aligeirar no futuro o que for menos desejável.
Um grande abraço também para si

margarida disse...

Chuáck-chuáck...
...'sei' isto tudo, 'sinto-o', mas preciso de o repetir e de o ler de outrem, como aqui...
Obrigada.

Um Jeito Manso disse...

Olá Margarida!

Temos que fazer o 'desmame' da nossa actividade principal enquanto lá estamos metidos.

Eu 'dou o litro' na minha profissão, dou tudo de mim, sou exigente, sou motivadora, sou tudo o que eu acho que devo ser. Mas não espero mais do que o que tenho enquanto lá estou.

Sei que não é isso a minha vida por inteiro.

Por isso faço fotografia, tapete de arraiolos, leio, faço blogues, fiz um curso de grafologia no Centro Nacional de Cultura, com o Dr. Alberto Vaz da Silva, já fiz colares (mas já não tinha onde os pôr e a quem dar mais), e, claro, a família, especialmente os meus meninos grandes, os meus meninos pequeninos.

Tenho visto tanta gente que era tão fundamental, que era a alma do negócio (e não foram apenas estes dois de que falei no post), que nada se fazia sem eles e que, no dia seguinte a saírem, tudo continua como se eles nunca tivessem existido. É assim a vida.

E, sabendo isso, temos que ser inteligentes e agir em conformidade.

Vivamos bem e felizes hoje e agora. Todos os dias.

-pirata-vermelho- disse...

Que camara usa para fazer as fotografias do Street Ph e do Ginjal?