Não tenho muito a dizer. Como tinha antecipado, o dia foi muito preenchido e, não por acaso, cansativo.
Afinal o problema técnico da véspera não tinha ficado resolvido e o meu marido chamou-os outra vez. Cá estiveram. Nós a termos que sair e eles sem aparecerem. Depois que afinal era precisa outra maquineta porque, segundo eles, a instalação anterior, de tão artilhada que era (que é), não tem funcionamento óbvio.
Portanto, esta quarta-feira vêm outra vez, supostamente já com o dito equipamento. Como o meu marido vai ter que sair muito cedo, mais cedo ainda que eles, terei que ser eu a abrir-lhes o portão e a porta. Portanto, continuarei a não poder pôr o sono em dia.
Saímos já nas horas de estalar. Depois uma reunião para ver se os imbróglios se desensarilham. Demorada. Não apenas porque o principal interveniente chegou atrasado mas também porque o tema tem o seu quê de rebuscado. Aliás, não é um tema mas, sim, dois.
Dali, já tarde, seguimos para casa dos meus pais. Nesta fase, o meu marido já começa a dar mostras de uma impaciência que não tende a diminuir.
Não sei como é que o assunto se poderia resolver de outra maneira. Não creio que se possa contratar gente para ver o conteúdo de gavetas e portas e prateleiras nem para escolher o que é lixo ou o que deve ser aproveitado.
O problema é que interminável...
Mesmo quando se pensa que a maior parte já está vista, revista e escolhida, a verdade é que, ao fim de muitos dias, tenho a plena consciência de que há ainda muito para ver.
E, de cada vez que vêm coisas para cá, depois há que fazer outra ginástica: arrumar, ver onde se põe, onde se guarda, etc.
E, em cima de tudo isto, a tristeza que isto me dá. Ver o que a minha mãe guardou, saber que achou que tinha valor estimativo, pensar nela a arrumar bem aquelas coisas... e eu agora desejando que aquilo acabe...
Outras vezes, a tristeza ao ver a roupa que me lembro tão bem de a ver com ela, pensar que ela se foi e a roupa ali continua... Uma roupa bonita, jovem, bem cuidada.
Outras vezes, a tristeza de pensar que parecia tão bem, ela, que fazia tanto gosto em arranjar-se bem, que tinha cuidado com a alimentação, com fazer exercício, e, afinal, em menos de nada, se foi. Não sabia que isto era possível, uma pessoa parecer bem e em dois meses entrar em declínio acelerado e morrer. Sempre pensei que, em idades avançadas, as doenças tumorais evoluíam lentamente. Afinal, avançou silenciosamente, sem sintomas, e, de súbito, galopou de forma exuberante, sem qualquer possibilidade de tratamento. Ela sabia o que tinha, há cerca de um ano e picos que o sabia, mas, se calhar, também pensou que as células não se multiplicariam. E como não tinha sintomas, deve ter pensado que não valia a pena maçar-se e maçar os outros com uma coisa que não estorvava. Não sei.
Sei que isto não estava nos planos dela. Imaginava-se a viver por muitos mais e bons anos.
Antes de resolver ir para a residência, mandou fazer uma limpeza a fundo à casa. Os cortinados foram retirados, lavados, os roupeiros esvaziados, tudo limpo. Descongelou e mandou limpar o frigorífico. Não queria empregada regular em casa, achava que dava bem conta de tudo. Mas, para essa limpeza profunda, concordou que tinha que ter ajuda. Foi uma limpeza e peras. Eu espantada. Para quê tudo aquilo...? Deixou a cama feita, o frigorífico ligado com comida, até fruta na fruteira na mesa da cozinha. Eu pensava que a ideia dela era até lá para ver se conseguia convencer o médico a suspender-lhe ou reduzir a medicação do coração que, segundo ela, só estava a fazer-lhe mal, e depois voltava para casa. Ou, se não gostasse daquilo, voltava para casa. Ou, quando lhe apetecesse, ia passar uns dias a casa. E eu concordava: se não gostasse, não tinha nada que lá ficar. Ia porque queria, ficava se quisesse, era dona e senhora da sua vontade.
Uns dias antes, andava aborrecida porque não tinha uma pilha das grandes para o relógio da cozinha. Tinha várias mas nenhuma do formato necessário. Quando a teve, ela própria subiu a uma cadeira e mudou a pilha. Estava de saída para uma residência mas era como se apenas lá fosse passar uma breve temporada. Quando lhe perguntei para que é que estava a mudar a pilha ao relógio, disse que gostava de chegar à cozinha e ter sempre ali as horas. Não quis perguntar-lhe se estava mesmo numa de ir e vir.
Mas, apesar disso, foi carregada de malas, parecia que ia para um cruzeiro em que tivesse que mudar de toilettes durante o dia. Até chinelos de quarto levou dois pares. Robes parece que também dois. Isto para o inverno. Dizia que não valia a pena levar logo roupa e calçado de primavera. Logo ia buscá-la quando chegasse a altura.
Passados poucos dias estava a adoecer sem se perceber o que tinha. Tudo tão rápido.
Mas, enfim, já não adianta pensar nisso pois nunca conseguirei compreender tudo o que aconteceu. Aparentemente nem os médicos que a acompanhavam (com excepção da pneumologista, à qual deixou de ir, dando-nos a entender que a médica lhe tinha dado alta, que já não vali a pena lá andar) e que nunca descobriram o que tinham, conseguirão perceber tudo o que se passou.
Hoje desfiz-me das suas infinitas revistas de tricot, crochet, decoração, costura, revistas com moldes. Muitos trabalhos complicados fez guiando-se por aquelas revistas. Gostava de tê-las guardado. Mas não tenho onde guardá-las e nunca iria dar-lhes uso. Mas custou-me muito.
Por isso, quando venho de lá, não sei se o cansaço que trago é de tudo isto, da tristeza e das saudades, se é de querer 'salvar' as coisas já que não consegui salvá-la a ela (embora reconhecendo que, apesar de tudo, ainda bem que viveu bem até tarde e que o período de sofrimento e agonia foi curto), se é também da impaciência do meu marido. Mas venho muito cansada.
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Enfim. Não vem nada a propósito mas apareceu-me a Pattie Boyd, em tempos uma famosa modelo e depois casada com George Harrison. E, depois, com Eric Clapton. Depois disso a sua vida continuou. Foi musa mas foi também dona do seu destino. É agora uma mulher quase com 80 anos. Na fase em que ando, vejo qualquer pessoa e inevitavelmente traço-lhe logo o destino: 'e um dia destes já cá não está....'. Mas depois afasto estes pensamentos mórbidos e parvos e penso que não há ninguém que cá fique pelo que a minha conclusão é redundante, desnecessária, parva, e que, se andamos a pensar nisso, nem aproveitamos bem a vida. Portanto, chuto o pensamento para canto (ou, pelo menos, tento), e bola para a frente.
Mas, aqui fica a Patti Boyd.
Pattie Boyd’s Prisoner Scene In The Beatles’ “Hard Days Night”
Pattie Boyd: rock's most legendary muse
A four-time Vogue cover-girl, Boyd is widely regarded as rock's most legendary muse – as the former wife of both George Harrison and Eric Clapton, she inspired some of the greatest love songs of all time. The sale is led by the original artwork chosen by Eric Clapton for the cover of Derek and The Dominos 1970 album Layla and original handwritten lyrics for George Harrison's Mystical One, alongside love letters, drawings, photographs, fashion, jewellery and watches.
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