Agora que deixei de trabalhar, arranjei trabalhos com datas apertadas que me trazem ainda mais ocupada que nunca.
No outro dia resolvi que haveria de concorrer a um outro concurso literário. Mas o prazo era tão curto que admiti não conseguir.
Mas tentar não custa.
Como me acontece, aparece um nome ou duas ou três palavras. E vou atrás. Assim foi agora. Mas cheguei a um ponto em que não sabia o que acontecia a seguir. Tal como na vida real em que nos deparamos com situações em que não sabemos o que decidir pois não temos como saber quais as consequências, assim quando estou com personagens e não sei para que lado as hei-de levar pois não sei qual o seguimento que resultará de cada hipótese. Mas também não é bem isso, pois não me ponho a equacionar hipóteses. Fico é sem saber o que vai acontecer.
Por isso, com essas hesitações que estavam a imobilizar-me, julguei mesmo que não ia conseguir. Ia para a cama, sem saber que volta dar ao assunto para prosseguir com fluência e graça.
Mas depois a coisa engrenou. Por fim aconteceu que simpatizei de tal forma com aqueles personagens que só estava bem era a escrever de manhã à noite sobre eles. Era como se estivesse na companhia deles. E era gente bem disposta. E eu ria com eles. Por vezes estava a escrever e a rir de gosto.
Com isto escrevi a história em cerca de três semanas. Depois de rever e rever, pedi ao meu marido para ler.
Começou por não querer, dizendo-me que muitas vezes também me pede coisas e eu não faço. Como já aqui tenho contado, a 'cena' dele são os livros de história, política, geografia económica ou política. Não tem paciência para romances.
Bem.
Pedinchei e pedinchei e lá começou. No primeiro dia, quando me levantei já tinha lido cinquenta páginas e disse que sim, estava a gostar. Nesse dia não leu mais. Mas no dia seguinte, quando me levantei, estranhei-o. Tinha um sorriso de orelha a orelha. Tinha lido as outras cerca de cento e poucas mais, ou seja, tinha acabado o livro e, segundo me disse, tinha achado graça, havia lá coisas bastante divertidas. Contou-me a que o tinha feito rir mais e, ao dizê-lo, ria à gargalhada, coisa quase inédita nele. Depois disse-me para eu mandar para os filhos e que, se eu não mandasse, mandava ele. Disse-lhe que não ia mandar e esteve ali a teimar comigo até que se convenceu. Se o livro algum dia vir a luz do dia, vê-lo-ão. Mas achei graça ele querer partilhar o livro com os filhos.
Perguntei-lhe o que tinha achado para além de achar divertido. Disse que tinha gostado e que acha que eu o envie. Mas disse-me o mesmo que disse sobre o primeiro: "Gosto, acho bom, mas não sei se é livro para ganhar um concurso pois acho que esses tipos gostam de outro tipo de coisas". Fiquei contente, claro, pois se há público exigente para livros, em especial para romances, é ele. Não tem paciência para historietas e muito menos tem para exercícios de estilo vazios de conteúdo. Portanto, vou enviar.
Isto de me candidatar a prémios tem a vantagem de se encaixar no tipo de trabalho que eu tinha, que passava muito por atingir objectivos exigentes muitas vezes em prazos impossíveis. Posso não ganhar nada mas isso para mim não é problema pois, a seguir, passarei para a fase de tentar arranjar uma editora que me aceite e, aí, já tenho produto acabado para entregar.
E, entretanto, já me meti noutra. Isto mobiliza-me e motiva-me fortemente.
Claro que, pelo meio, tenho que conciliar com as coisas da casa, com as caminhadas, com a hidroginástica, com a família e com outros afazeres. Mas, mal me apanho com disponibilidade, atiro-me logo à escrita.
E passa-se uma coisa que acho fantástica. No primeiro que escrevi este ano passam-se coisas que agora constato que são de uma actualidade estonteante. Vejo ocorrerem coisas que parece estarem ali descritas. E gostava de continuar a escrever sobre a personagem principal. Dava-me pano para mangas. Pano, pano para mangas. Não sei como se gere esta situação, de a gente ter inventado pessoas que parece que ganharam vida e que querem continuar vivas.
E agora sobre esta que me fez rir e que fez o meu marido também rir de gosto (para além de o pôr a andar pela casa a declamar os Lusíadas -- não sei se já contei que ele sabe de cor não apenas parte dos Lusíadas como vários outros poemas de vários poetas. Um fenómeno), passo a vida a lembrar-me de coisas que a personagem principal poderia dizer. Há pouco, estava um qualquer papagaio na televisão a dizer uma chachada qualquer e usou uma certa palavra. Lembrei-me logo de que 'ela' iria usar mal aquela palavra e já me ria da reacção dos outros. E, mais uma vez, estava capaz de continuar a escrever histórias com a turminha que entrou neste 'romance'. Acho que podia escrever pelo menos mais dois ou três livros pois a história tem por onde continuar e diversificar. E custa-me imenso pensar que vou ter que deixar 'morrer' este grupo de gente tão simpática e tão bem disposta...
No outro dia quando vim da hidroginástica contei ao meu marido que as minhas parceiras contam as suas coisas, duas gostam muito de cuidar da respectiva horta, outra fala de jardinagem e de caminhadas, outra fala de passeios que faz. O meu marido, com aquele ar neutro que esconde muita gozação, disse: "Porque é que não lhes dizes que tu escreves livros?" Desatei-me a rir. Claro que não. Ficariam, certamente, a olhar para mim com espanto, a julgar que não bato bem da bola.
E, se calhar, não bato mesmo.
________________________________________________________________________
As fotografias foram feitas aqui, no meu espaço de escrita. A mesa onde escrevo, as estantes que me rodeiam.
Lucy interpreta 'The Nearness of You', de Hoagy Carmichael
________________________________________________________________________
4 comentários:
Viva, UJM.
Engraçado. Cá por casa acontece mais ou menos o mesmo. A minha mulher devora romance,( quando digo devora, é mesmo isso, devora e com enorme gozo) eu, historia e politica, romance não me dá pica, gosto muito mais de ensaio, ela não muito ou até bem pouco. Mas tenho uma vantagem que ela me dá, depois de ler o livro, conta-me o enredo, ao contrario do que faço, isto é, guardo o que aprendo e quando perguntado, debito. O escritor lido a 1ª vez, e se a minha mulher gosta, tem a obra toda vendida desde o primeiro ao ultimo livro independentemente do numero editado, e depois, goza da "fidelidade" quase canina na compra de obras futuras.
Está a chegar a feira do livro, e já adivinho mais uma saquilada deles, está escrito nas estrelas.
E é assim. Casado com uma mulher culta e inteligente, dá imenso trabalho, imenso, mas o gozo é maior. E cá vamos cantando e rindo por mais uns anitos se possível.
Já agora, UJM.
Se ainda não leu o Sousa Tavares desta sexta-feira... Aconselho a ler, e ficamos com melhor saúde mental sobre estes casinhos .
Escrever é todo um programa. Tem de se estar lá todo inteiro, ou não resulta. Desconfio muito de escritores de fim de semana.
Olá Diogo
Tal e qual. Para mim, escrever implica estar bem mergulhada. Por isso, gosto tanto de ficar à noite, completamente entregue às palavras.
Boas inspirações!
Bom fim de semana, Diogo.
Enviar um comentário